Em meio aos desafios do crime organizado, golpes virtuais e limitações de recursos, o delegado revela os bastidores da segurança pública e destaca a importância da colaboração entre polícia, comunidade e instituições para garantir a segurança dos moradores
A segurança pública em Bento Gonçalves é uma pauta constante nas discussões locais, refletindo tanto os desafios enfrentados pelas forças policiais quanto os avanços e esforços em andamento para assegurar a tranquilidade dos moradores. Em meio a questões como o crime organizado, a crescente onda de golpes virtuais e a escassez de recursos estruturais, o delegado Ederson Bilhan, da 1ª Delegacia de Polícia da cidade, compartilha suas percepções sobre o panorama atual da segurança na região.
Com uma trajetória extensa e marcada por passagens em diferentes áreas da segurança pública, Bilhan traz uma visão abrangente e pragmática sobre o que é necessário para equilibrar os anseios da sociedade com a realidade da atuação policial. “A segurança pública é um tema que desperta debates fervorosos, pois é uma área em que o impacto das decisões se reflete diretamente na vida da população”, destaca o delegado, que explica que a polícia atua não só para combater o crime, mas também para promover uma sensação de segurança e bem-estar.
Discutindo temas que vão desde os bastidores do combate ao crime organizado até a complexidade das investigações de golpes cibernéticos, que se tornaram um dos principais problemas de segurança em Bento Gonçalves, Bilhan aborda ainda a importância do apoio do Consepro e dos esforços da comunidade para que a segurança pública seja uma responsabilidade compartilhada.
Trajetória
Ederson Bilhan, de 39 anos, é natural de Sobradinho, na região de Santa Cruz do Sul, mas foi criado na roça, em uma área rural que na época pertencia a Sobradinho e que hoje é o município de Passa Sete. Ele conta que cresceu em uma família de agricultores, onde os pais dedicaram a vida ao plantio de fumo até se aposentarem, há três anos.
Aos 18 anos, Bilhan deixou a casa dos pais para ingressar no Exército, onde permaneceu por dois anos. Em seguida, atuou na iniciativa privada no estado de Goiás, especificamente em Abadiânia, uma cidade conhecida pelo caso do médium João de Deus. Lá, ele trabalhou por dois anos em uma rede de hotéis, mas buscava um propósito maior e decidiu seguir carreira na segurança pública. Em 2008, passou no concurso da Polícia Militar de Minas Gerais, onde trabalhou por seis anos, em Uberlândia. “Depois, passei em outro concurso no Ministério Público Federal e, em 2013, retornei ao Rio Grande do Sul para atuar na Procuradoria da República em Caxias do Sul, onde fiquei por seis anos,” conta.
Com uma formação inicial em Biomedicina, profissão que não exerceu por motivos pessoais, Bilhan se identificou com a área do Direito e decidiu fazer uma nova graduação. Concluiu o curso em 2017 e, em 2018, passou no concurso para delegado, fazendo a academia em 2020. Sua trajetória como delegado começou em Caxias do Sul, onde trabalhou seis meses no plantão. Depois, foi titular por três anos na delegacia de Farroupilha e, desde junho deste ano, está à frente da 1ª Delegacia de Polícia de Bento Gonçalves.
Estrutura limitada
Desde que assumiu a delegacia, Bilhan vem trabalhando com uma equipe enxuta e uma infraestrutura que considera aquém do ideal para uma cidade do porte de Bento Gonçalves. “Dentro da realidade do Estado, os órgãos de segurança pública sempre têm estrutura insuficiente para a demanda,” destaca. Apesar disso, ele assegura que a equipe consegue atender às demandas mais urgentes e que a construção de uma nova sede para a Polícia Civil é um passo importante para aprimorar as condições de trabalho. “Temos o essencial para operar, mas a precariedade da estrutura física será resolvida em breve, com a nova sede,” ressalta. Segundo o delegado, a falta de recursos não é motivo para paralisar as atividades, e o esforço da equipe compensa as limitações atuais.
A atuação da polícia frente ao crime organizado
Para o delegado, embora Bento Gonçalves seja uma cidade relativamente tranquila no que se refere a crimes violentos e complexos, o crime organizado é o maior desafio enfrentado na segurança pública local. Ele explica que o crime organizado surge, em grande parte, de um contexto social onde pessoas sem oportunidades encontram nele uma forma de sobrevivência e, muitas vezes, de acúmulo de recursos. “Aqui em Bento, temos facções, como em todo lugar. Esse é um grande desafio, mas não é um crime organizado fora de controle. Monitoramos quase todos os focos, então não deixamos avançar. Erradicar o crime é difícil, mas nosso trabalho é impedir que ele tome conta da cidade,” pontua Bilhan.
Apesar dos esforços contínuos, ele reconhece que o combate ao crime organizado é um processo longo e desafiador. Recentemente, a cidade contabilizou 33 mortes violentas até o final desta edição, das quais a maioria está ligada a confrontos internos entre facções. A polícia trabalha para identificar e prender tanto os executores quanto os mandantes, que muitas vezes são lideranças já presas, mas que ainda conseguem exercer influência criminosa de dentro dos presídios. “Esse é um problema gigante, não só policial, mas também social, pois muitas vezes prendemos um indivíduo e, em pouco tempo, há outro para substituí-lo,” explica o delegado, ressaltando que alguns dos detidos nem são da cidade, mas vêm de fora para atuar em grupos locais.
Golpes virtuais: uma crescente ameaça à segurança
Outro ponto de atenção destacado por Bilhan é o crescimento dos crimes virtuais. Ele afirma que os golpes aplicados pela internet superam em quantidade todas as outras modalidades criminais, inclusive o tráfico e os homicídios. “Em números, os golpes virtuais são o maior problema de segurança pública em Bento e na Serra como um todo. Diariamente, temos novas vítimas de estelionato, um crime que muitas vezes passa despercebido para a população em geral, mas causa enormes prejuízos,” comenta. Embora esses crimes não gerem a mesma sensação de insegurança que outros tipos de violência, eles representam uma grande demanda de investigação. Ele observa que, além da polícia, é necessário que a sociedade adote uma postura mais cautelosa e evite a exposição a situações de risco. “Infelizmente, a ganância muitas vezes está por trás desses golpes. As pessoas buscam uma vantagem rápida e acabam caindo em promessas ilusórias,” alerta.
Para ele, o combate aos golpes virtuais é um trabalho complexo, que requer recursos e tempo. A investigação segue um processo de rastreamento financeiro, conhecido como “follow the money,” onde cada transação precisa ser analisada e ligada ao próximo responsável até chegar ao autor final. “Para cada quebra de sigilo, é necessária uma ordem judicial, e cada nova conta identificada precisa passar pelo mesmo processo. É uma investigação demorada e exige recursos específicos,” detalha. Ele ressalta que o processo para o bloqueio de contas e identificação dos criminosos leva tempo, sendo um dos fatores mais desafiadores para a polícia. “Não conseguimos acompanhar a velocidade dos golpes, mas investigamos com o máximo de recursos disponíveis para minimizar o impacto na população,” explica.
Além disso, ele destaca que é necessário a população estar atenta ao que acessa na internet. “Não basta passarmos pela rua com o giroflex ligado; as pessoas precisam ter cuidado com o que acessam e onde clicam. A cultura de prevenção ainda é algo que precisa ser desenvolvida,” afirma o delegado, que destaca que o próprio crime organizado vê nos golpes virtuais uma fonte de lucro.
Uma questão social
O delegado observa que o contexto social de Bento Gonçalves influencia diretamente o índice de criminalidade na cidade, e que fatores como o desemprego e conflitos familiares desempenham um papel significativo. “Se fizermos uma análise criminológica e sociológica, percebemos que boa parte dos crimes patrimoniais e do ingresso no tráfico e, consequentemente, no crime organizado, advém de uma estrutura familiar desestabilizada,” comenta. Ele explica que, ao interagir com as pessoas detidas, muitos relatam histórias de vulnerabilidade social desde a infância, especialmente ligadas à desestrutura familiar.
Além do impacto no crime organizado, Bilhan observa que essa vulnerabilidade familiar e social também alimenta outros tipos de crimes, como a violência doméstica. “Temos um volume considerável de ocorrências de violência doméstica, não só em Bento, mas em todas as regiões onde a estrutura social e familiar é fragilizada. Esse tipo de crime está relacionado à cultura e à falta de suporte social”, reflete.
Crescimento da cidade e a chegada de novas pessoas
Outro aspecto social destacado por Bilhan é o crescimento contínuo de Bento Gonçalves, que, mesmo com limites territoriais, continua atraindo um fluxo considerável de novos moradores em busca de oportunidades de trabalho. Embora muitos consigam se estabelecer, alguns acabam enfrentando dificuldades. “Às vezes, as pessoas chegam com o intuito de trabalhar, mas, por algum motivo, não conseguem manter o emprego e acabam recorrendo ao crime como forma de sobrevivência,” explica, ressaltando que esse é um fenômeno comum em cidades em desenvolvimento.
Apesar desse cenário, o delegado enfatiza que Bento Gonçalves se mantém como uma cidade segura, com índices criminais controlados em comparação a outras localidades da região. “A cidade é muito tranquila. Temos índices excelentes, como a redução de roubos de veículos, e taxas baixíssimas de furtos em residências e comércios,” observa. Bilhan afirma que os turistas e trabalhadores que se mudam para Bento contribuem mais positivamente para o município do que representam um risco. “Os problemas existem, mas, de forma geral, Bento tem muito mais benefícios com a chegada de novas pessoas do que malefícios,” diz o delegado, sublinhando que o fluxo de novos moradores não afeta de forma significativa a sensação de segurança local.
Recursos tecnológicos
Bilhan também pontua que o desenvolvimento de novos recursos tecnológicos poderia fortalecer a eficácia do trabalho policial. Embora a delegacia possua alguns equipamentos de investigação, ele observa que a evolução constante dos métodos criminosos exige que o Estado acompanhe essas mudanças. “Vemos outras polícias de fora que já possuem tecnologias avançadas, mas aqui, devido aos processos burocráticos, como a necessidade de licitação, acabamos recebendo alguns recursos com certa demora,” comenta. Para ele, o acesso mais rápido a ferramentas tecnológicas seria um diferencial importante para combater a criminalidade em todas as frentes.
A percepção pública e o papel da mídia e das redes sociais
O delegado destaca que a internet exerce um papel crucial na forma como a população percebe a segurança pública. Ele observa que o acesso fácil às redes sociais permite que as pessoas expressem suas opiniões com frequência, porém, muitas vezes, essas opiniões são baseadas em informações incompletas ou mal interpretadas. Ele explica que, embora as críticas sejam constantes, a polícia não deve pautar suas ações pelo que é dito online, já que as reações na internet frequentemente partem de perspectivas limitadas.
Para ele, a segurança pública é um tema amplamente debatido no país, muitas vezes marcado por especulações e curiosidade, dado que a atividade policial lida com um dos bens jurídicos mais importantes da vida: a liberdade. “Nós trabalhamos diretamente com a liberdade das pessoas, e temos, de certa forma, o poder de tirá-la. Isso exige uma responsabilidade enorme,” comenta. Segundo ele, a complexidade da segurança pública desperta opiniões intensas, especialmente em situações como confrontos policiais, onde muitos acreditam ter a solução ideal. “Quando ocorre um confronto, todo mundo acha que sabe o que deveria ser feito. É um tema que gera debates fervorosos porque, de fato, é instigante,” explica Bilhan.
Bilhan afirma que, embora a segurança pública no Brasil enfrente desafios, com a estrutura atual, a polícia consegue desempenhar seu papel de forma satisfatória. Ele é realista ao dizer que o crime é parte do conflito social e que erradicá-lo completamente é impossível. “A segurança pública não vai acabar com o crime, mas pode manter uma sensação de segurança,” pontua. Ele observa que, no contexto do Rio Grande do Sul, houve reduções históricas nos principais indicadores de criminalidade, como homicídios e roubos, e que, de modo geral, o Estado está em uma fase positiva.
O delegado também compartilha sua perspectiva sobre as redes sociais, como o Twitter, hoje renomeado como X, onde muitas pessoas expressam críticas duras à polícia. “Tenho uma opinião muito resolvida sobre isso. Todo mundo pensa que entende de segurança pública e acha que sua opinião deve prevalecer,” diz ele. Com quase duas décadas de experiência, Bilhan revela que não se deixa influenciar por boatos ou críticas infundadas. “Não tomo decisões pensando no que vão dizer. Quando fazemos uma operação ou prendemos alguém, tudo é juridicamente fundamentado,” explica. Para ele, tentar agradar a opinião pública pode inviabilizar o trabalho policial, pois sempre haverá descontentes. “Se recuperamos bens roubados, a vítima nos vê como heróis; mas a família do suspeito nos vê como algozes,” exemplifica.
Em Bento Gonçalves, ele comenta que a crítica pública existe, mas que, em seu curto período na cidade, foi menos frequente que em cidades anteriores, como Farroupilha. Ainda assim, ele destaca que, em uma operação recente para prender um indivíduo por receptação de produtos de estelionato, algumas pessoas questionaram a ação, enquanto outras elogiaram. “Tem sempre os dois lados. Mas eu, sinceramente, não me afeto em nada. Para mim, é o Ministério Público, o Judiciário e a sociedade como um todo que definem o serviço da polícia,” ressalta.
Segundo Bilhan, ele procura evitar ler comentários sobre as ações da polícia justamente para não interferir em seu trabalho, que é guiado pela lei, e não por opiniões externas. “Se trabalharmos para evitar críticas, não conseguimos trabalhar. Nosso foco é promover a segurança pública, não agradar ou desagradar,” finaliza o delegado, reforçando que a polícia deve responder a críticas quando estas se tornam ataques pessoais ou transbordam o respeito devido às autoridades e ao serviço prestado.
Um parceiro indispensável para a segurança local
A atuação do Conselho Comunitário Pró-Segurança Pública (Consepro) tem sido fundamental para o funcionamento da delegacia e de outros órgãos de segurança de Bento Gonçalves, como destaca o delegado Ederson Bilhan. “Se eu precisar trocar um pneu de viatura e for esperar pelo Estado, isso pode levar dias ou até meses. O Consepro nos ajuda a resolver rapidamente,” explica Bilhan. Ele observa que o Consepro auxilia em demandas desde as mais simples até as mais complexas, oferecendo suporte em situações que exigem uma solução imediata e que, se dependessem dos trâmites orçamentários do Estado, poderiam sofrer grandes atrasos.
Essa colaboração inclui a compra de materiais básicos de expediente, a manutenção de viaturas e até pequenas reformas nas delegacias. “O Consepro é um parceiro inafastável, especialmente em questões do dia a dia, como substituir a fechadura de uma porta ou trocar a bateria de uma viatura. São necessidades urgentes que, se dependessem do orçamento estatal, ficariam paradas,” comenta o delegado, destacando o impacto da burocracia estatal. Para ele, essa proximidade com o Consepro é essencial, pois permite que a delegacia mantenha sua estrutura em condições operacionais, sem precisar recorrer a procedimentos demorados de licitação.
O Consepro também atua de maneira decisiva em questões mais estruturais, como obras de melhoria nos prédios das forças policiais. “Eles já auxiliaram em reformas na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) e na estrutura para a força tática,” afirma Bilhan, ressaltando que esses investimentos são fundamentais para a segurança pública na cidade. Ele elogia a atuação ativa e proativa da entidade, destacando o compromisso da instituição em atender rapidamente às demandas dos órgãos de segurança.
Perspectivas para o futuro
Apesar dos desafios, Bilhan mantém uma visão otimista quanto ao futuro da segurança em Bento Gonçalves, especialmente com a construção da nova sede e a possibilidade de aumento do efetivo policial. “A cidade tem índices criminais muito baixos em crimes patrimoniais e, hoje, contamos com uma das melhores taxas de redução de roubos de veículos do Estado,” destaca. Segundo o delegado, a cidade ainda se beneficia de uma forte colaboração entre os diferentes órgãos de segurança, como a Brigada Militar, Guarda Municipal, SUSEP, Ministério Público e o próprio Poder Judiciário. “Essa sintonia é o que nos permite manter a segurança em um nível alto e com expectativa de melhoria para os próximos anos,” afirma.
A importância da conscientização dos cidadãos
Para Bilhan, a segurança pública é responsabilidade de todos, como garante o artigo 144 da Constituição. Ele observa que os cidadãos podem contribuir muito para a própria segurança, tomando atitudes preventivas que evitam a exposição a situações de risco, especialmente aos golpes virtuais. “Pequenas ações, como evitar transações arriscadas e manter as portas de casa sempre fechadas, fazem grande diferença,” orienta. O delegado enfatiza que a prevenção é crucial para reduzir os casos de estelionato, que muitas vezes ocorrem por falta de cautela. Ele alerta para que os cidadãos desconfiem de promessas muito vantajosas na internet, lembrando que esse tipo de golpe é uma das principais fontes de lucro para o crime organizado. “Se as pessoas tomarem um pouco mais de cuidado, podemos evitar que muitas se tornem vítimas,” conclui.