Eu jurava que, neste final de primavera, o tenor havia conquistado uma companheira para acabar com sua solidão. Mas quê! Meu pinheiro de vinte e poucos metros continua sendo a plataforma preferida para sua comunicação sonora, que inicia às cinco da matina e continua dia adentro. Implacavelmente. Não entendo por que um indivíduo com uma voz tão intensa não consegue atrair uma fêmea que lhe preencha os vazios do coração… Ou teve alguém que voou com outro? Afinal, a monogamia está se perdendo com o avanço das cidades no habitat dos pássaros. E sua Dulcineia alada pode ter aderido à moda do relacionamento aberto… Acorda, sabiá-laranjeira!
Não estou querendo despejar meu inquilino, até porque é uma delícia ouvir o seu canto… mas tão cedo? E repetitivo? E visceral? E intermitente? Se funcionasse como a chuva ou como o vento, que embalam meu sono com extrema delicadeza, seria o máximo! É claro que não ganha contornos neuróticos como uma porta batendo ou uma torneira pingando, mas me provoca um pequeno estresse matutino. Enfim, dá pra aguentar até a próxima estação, quando termina o período de acasalamento.
Isso me reporta às madrugadas da minha infância marcadas pelo Canto Alegrense, uma sinfonia de quatro notas – Cocóricó – repetida à exaustão. Aquilo sim me deixava maluca. Felizmente, por aqui não existem galos que anunciam o amanhecer (até havia na vizinhança, mas, se não ficaram mudos, foram pra panela). Ou será que eles cantam para marcar o território, reafirmando sua virilidade ao se proclamarem reis do terreiro? Há quem diga que as aves são muito sensíveis às nuanças da luz se infiltrando nas sombras, e seu canto seria um alerta para os perigos que espreitam os desavisados… Na verdade, até hoje, não se sabe exatamente o que leva os galináceos a espichar o gogó e arrancar lá do fundo o som mais desafinado de seu escasso repertório, no mesmo horário da manhã. Religiosamente.
Esse mistério também se estende aos sabiás. Numa busca rápida, descobri que, em São Paulo, eles começam a sinfonia horas antes dos habitantes dos pampas e das cidades pequenas. Uma das explicações é que precisam ser ouvidos pelas fêmeas, por isso aguardam o trânsito diminuir para chamá-las. É a resiliência das aves para manter a sobrevivência da espécie.
Então tudo bem! Que meu despertador alado continue sua busca pelo amor perfeito. E, se não encontrar… Bom, no canteiro da casa ao lado, amores-perfeitos de todas as cores florescem anualmente…