Era mais um domingo ensolarado de primavera, início de outubro, eu devia ter uns 8 anos. Pelas ruas, alguns carros velhos trafegavam com adesivos repletos de números e cores dos candidatos a prefeito e vereadores. Pedestres desfilavam com suas camisetas com adesivos e bonés com os slogans de seus partidos favoritos.

Em frente ao salão comunitário, um “cabo eleitoral” segura uma bandeirola de seu partido, ficando na ânsia do término da eleição pra apurar junto à contagem dos votos. A rua de paralelepípedo forrada de santinhos mostra que, na noite anterior, os carros tiveram trabalho. Nas praças em que votam os seus candidatos, eles discretamente entram para votar, distribuindo beijos em crianças e promessas para adultos, sem saber se poderão cumpri-las.

Dias antes, pagaram churrasco e cervejada nos bares da redondeza. Passam visitar casas, pedir votos, fazer o que não fazem depois nos quatro anos de mandato (nem todos, mas a maioria). Nem prefeitos nem vereadores, naquela época.

No final do dia, aglomeração em vários pontos da cidade, pessoas com suas bandeiras aguardam o término da apuração para soltarem foguetes, enquanto outros vão dormir mais cedo, discretamente, em outro ponto da cidade, engolindo a seco a derrota inesperada, já que muitos prometeram-lhe os votos. Os carros de polícia passam a fiscalizar a algazarra que vai se criando.

Chega a hora decisiva. O cara da rádio disse que já contaram mais de 90% dos votos. A mão fica suada. Não a minha, porque era criança. O silêncio predomina nessa hora. Enfim, começam as comemorações, numa agilidade de fazer inveja às eleições americanas já que as urnas eletrônicas eram novidade por aqui. É anunciado o novo prefeito. A cidade comemora – ou não – a vitória.

Hoje, um pouco disso mudou. O processo eleitoral começou a ser transformado pela tecnologia. A revolução veio mesmo com a popularização das redes sociais. Os santinhos se tornaram digitais e as palmas no portão foram substituídas por mensagens no Instagram e no Whats. As mentiras ganharam outro nome: fake news.

Alguns debatem se é melhor o voto impresso ou eletrônico. A tecnologia muda a forma de fazer política. A forma, nem sempre o conteúdo.

Se antes os santinhos podiam ser o rosto em mãos, agora esses rostos falam e acenam por uma tela portátil.

E os santinhos? A pandemia amenizou o cenário das calçadas.

As músicas se espalhavam pela cidade em carros de som, mas estes já não são vistos. Onde estariam eles estacionados? Onde foram parar? Há 30 anos, o cenário era outro.

O próprio público já não é mais o mesmo. A verdade é que andamos passando mais tempo navegando pelas galerias do Instagram do que caminhando pelas calçadas. Os jingles também perderam-se na moda. Mas uma coisa continua: o esforço para conseguir a atenção e não ser esquecido na frente da urna. Antes a política era muito barulhenta e suja, hoje mudou muito. O povo está mais crítico, talvez mais presente no assunto. Se bem que as redes sociais também tornam muitas pessoas mais cegas e propensas a aceitar sem questionar.

Que domingo prezemos pelo voto consciente e que ganhe o que mais tem condições de conduzir o nosso povo rumo ao progresso, que seja humano e trabalhe de forma limpa e justa para àqueles que o elegeram.