No feriado da Paixão de Cristo, enquanto igrejas relembravam o sacrifício de Jesus em nome do amor, seis mulheres foram assassinadas no Rio Grande do Sul. Seis. No total do feriadão, de sexta a domingo, foram 10. DEZ vítimas. O contraste entre o significado da data e a barbárie que se desenrolava em paralelo é mais do que simbólico — é um grito.
Essas mulheres não morreram por acaso, nem por infortúnio. Foram vítimas de algo que já tem nome: feminicídio. Uma violência que nasce da ideia arcaica de que a mulher pertence ao homem, que sua vida vale menos e que sua liberdade pode ser punida com a morte. Nada mais atual e, infelizmente, estrutural. Justamente em um feriado santo, na ocasião de reflexão e descanso, tamanha brutalidade. As idades eram bem variadas, incluindo vítimas bem mais de idade que o comum, pelas mais variadas cidades gaúchas desde o interior até aos arredores da metrólope. Todas sem chance de viver.
É curioso (e triste) lembrar que, segundo a narrativa bíblica, a mulher foi criada a partir da costela do homem — não da cabeça, para que não o dominasse; nem dos pés, para que não fosse subjugada — mas do lado, para estar junto. Perto do coração. Uma metáfora de igualdade. E ainda assim, quantas vezes vemos essa igualdade ser ignorada?
Vivemos numa sociedade que ainda forma homens para o domínio e não para o cuidado. Onde masculinidade ainda é confundida com silêncio emocional, com força bruta, com posse. Onde, desde cedo, se naturaliza a ideia de que o homem deve conquistar — e a mulher, ceder. E quando ela não cede? Vira ameaça. E às vezes, tragicamente, vítima. A Lei Maria da Penha foi um avanço, mas não basta. A cada novo feminicídio, ouvimos que a vítima já havia feito boletim de ocorrência, que tinha medida protetiva. Quantas mortes anunciadas ainda serão ignoradas até admitirmos que precisamos de mais do que leis? Precisamos de prevenção. De educação. De mudança cultural profunda. O Estado precisa agir mais. A educação familiar precisa preconizar isso.
É preciso ensinar, desde cedo, que não existe amor que mata. Que controle não é carinho. Que respeito é o mínimo, não o prêmio. Que a liberdade da mulher não é provocação. E que amar é caminhar ao lado — nunca à frente como guia, nem atrás como sombra.
Todos nós viemos de mulheres. Todos fomos gestados, nutridos, embalados por elas. Como, então, se justifica que viver como mulher em nosso país continue sendo um risco diário?
Que o feriado da Paixão de Cristo, tão marcado pela dor, possa também inspirar mudança. E que a cruz que tantas mulheres carregam, invisível e cotidiana, possa finalmente ser tirada dos ombros por uma sociedade que decida agir — com urgência, com firmeza, com humanidade.
Porque nascemos e temos direito para viver. Ao lado. Nunca abaixo. Nunca destinadas a perder a vida por um homem.