A Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves deverá transmitir, a partir de novembro, as sessões da Casa através da tradução simultânea na Língua Brasileira de Sinais (Libras). O projeto legislativo quer democratizar e incluir o acesso ao trabalho dos edis, visando igualizar às reivindicações da população, possibilitando que os deficientes auditivos acompanhem o que está sendo debatido e votado no Parlamento bento-gonçalvense. A iniciativa é elogiada por associações locais, porém, representantes das entidades garantem que há muito o que fazer, quando o assunto é acessibilidade.
Segundo o autor da proposta, vereador Gustavo Sperotto (DEM), a medida é considerada um meio democrático, pois respeita o direito dos deficientes auditivos ao acesso ao conteúdo das sessões. “Foi uma grande conquista da comunidade surda, mas ainda há muitos degraus a serem ultrapassados para que a inclusão seja natural, sem obstáculos”, afirma. Conforme Sperotto, essa era uma demanda antiga da entidade representante dos beneficiados. “Acredito que nós, legisladores, temos que começar a dar o exemplo, por isso propus a emenda ao Regimento Interno, juntamente com os colegas Moisés Scussel Neto (PSDB) e Eduardo Virissimo (PP), para que todas as sessões da Câmara tenham intérprete de Libras. Os temas mais importantes do município passam por aqui, e nós precisamos estabelecer mecanismos para que todos possam acompanhar e entender o que se passa na Casa”, explica.
Em julho, foi criada a Frente Parlamentar em Defesa das Entidades Assistenciais, para ouvir sugestões, incluindo as que representam as pessoas com necessidades especiais. De acordo com Sperotto, a grande maioria busca recursos para a manutenção de suas atividades “essenciais à qualidade de vida e, sobretudo, à inclusão das pessoas atendidas”, pontua. Em agosto ocorreu a primeira Audiência Pública, onde representantes puderam expor suas necessidades. “Criamos um relatório em cima das demandas que nos foram apresentadas. Esse documento já foi entregue ao Poder Executivo”, garante Sperotto.
A previsão é de que em março do ano que vem seja realizada nova audiência, no intuito de cobrar a execução das necessidades apresentadas. “Essas entidades prestam serviços públicos que muitas vezes não são ofertados pelo município, o que denota que a medida mais importante e emergencial, nesse momento, deve ser a aproximação do Executivo com elas”, acredita Sperotto.
Acesso à todos
De acordo com o presidente da Associação de Deficientes Visuais de Bento Gonçalves (ADV-BG), Mauro Larentis, a iniciativa é louvável, porém, ele salienta que é preciso encontrar gente capacitada para realizar o trabalho. “É uma atividade que exige muito da pessoa. É algo cansativo. Mas a iniciativa é válida”, afirma.
Conforme a vice-presidente da entidade, Eloísa Morassutti, o projeto de acessibilidade é importante, porém é necessário ampliar a fiscalização de todos os setores da cidade, para ver se realmente a lei federal de acesso está sendo cumprida. “Falta uma equipe que esteja em cima, observando desde a colocação ideal do piso podotátil, faixas luminosas para quem sofre de baixa visão, por exemplo. Dá a impressão de que a lei está sendo cumprida à risca, mas, sabemos que não está”, enfatiza.
Para a coordenadora da Associação dos Deficientes Físicos de Bento Gonçalves (Adef), Ieda D’Agostini, é necessário ampliar o entendimento, quando o assunto é acessibilidade. “Não é simplesmente a construção de uma rampa ou de um piso específico, mas sim, entender que essas pessoas precisam estar incluídas na sociedade. As escolas precisam estar adaptadas, mas, também, com monitores e profissionais capacitados para atender quem passa por essa situação”, acredita. “O assunto precisa ser abraçado pelos governantes e por toda a sociedade. Não basta apena, entidades lutarem. Todos devem estar conscientes da importância do acesso”, ressalta.
Em nota, a diretora-adjunta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb), Melissa Bertoletti Gauer, garante que o município está se adequando gradativamente às exigências. “Temos realizado acompanhamento, através da fiscalização e também, da análise de projetos, onde todos os processos submetidos ao Ipurb devem estar adaptados a NBR 9050, que exige o acesso público (comércios/serviços/industrias), incluindo o passeio público. A acessibilidade está sendo adequada gradativamente”, afirma.
Dificuldades para cadeirantes e deficientes visuais
Mesmo que a lei federal 10.098, chamada de Lei da Acessibilidade, determine que sejam oferecidas condições às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida de utilização dos espaços públicos ou coletivos com segurança e autonomia, total ou assistida, em Bento Gonçalves, quem precisa ultrapassar seus limites para se locomover garante que a cidade precisa de mais fiscalização. É o caso Larentis, presidente da ADF-BG, que perdeu a visão há 17 anos, durante um jogo de futebol. “É bem complicado. Se não tiver calçadas com o piso específico para deficientes visuais, é uma tortura. A situação piora, quando precisamos ir para alguma loja. Se a gente não conhece bem o local, é torcer para que nos ajudem, pois não existe nenhuma placa ou áudio-descrição que possa auxiliar”, aponta. Larentis, diz ainda, que cruzamentos no trânsito também não estão equipados devidamente. “Aqui existem duas sinaleiras com sinais sonoros. É complicado. Ainda que o povo é solícito e ajuda quando a gente precisa. As pessoas estão mais conscientes”, pontua.
Outro problema, é a falta de padronização do piso podotátil. Larentis cita a área central da cidade, que possui nas calçadas uma linha, porém, não seguem o padrão e que nos bairros, a construção de passeios adaptados é praticamente nula. “Numa quadra, a faixa está bem no meio da calçada, já na outra, ela está mais para a esquerda ou pra direita e aí a gente tem que ficar procurando entre uma grande quantidade de pessoas. Se padronizassem, com certeza, ficaria mais fácil. Nos bairros, a situação é pior”, afirma.
Mesmo a passos lentos, houve mudanças na acessibilidade para cadeirantes. É o que afirma o presidente da Associação dos Deficientes Físicos de Bento Gonçalves (Adef), Jair Lagunaz. A construção de rampas e acessos facilita a vida de quem precisa se locomover através de cadeira de rodas. “Nesses 30 anos de fundação, a Adef batalhou sempre para sensibilizar as autoridades sobre a importância da inclusão”, afirma. Entre as necessidades apontadas, Lagunaz cobra a revisão da quantidade de vagas especiais para estacionamento. “Imaginem um cadeirante que precisa parar próximo ao hospital Tacchini, por exemplo. Lá não existem mais as vagas para deficientes. Elas foram transferidas para lugares mais próximos ao centro”, explica.
De acordo com Lagunaz, há procura por parte do comércio para informações sobre dimensões e medidas, a fim de construírem os acessos nos estabelecimentos. “Muitos empresários vem até a Adef para saber como deve ser a construção de rampas nas lojas. Eles estão se interessando pela causa”, acredita.
Segundo o vereador Sperotto, em julho passado foi encaminhado à prefeitura, um pedido de informações para saber se a lei estava sendo cumprida. “A resposta que obtivemos foi de que a fiscalização está acontecendo, porém, dentro do possível, tendo em vista o pequeno número de fiscais concursados em relação à grande demanda de serviço observada”, explica.
Ainda, de acordo com o edil, o comércio local, em sua grande maioria, não cumpre a legislação. “Os cadeirantes têm grandes dificuldades para entrar nas lojas. Há casos em que precisamos discutir e propor leis, e há outros em que precisamos – não só os vereadores, mas todos os setores da sociedade – cobrar o cumprimento das leis já existentes, e esse é um deles. A Lei da Acessibilidade é transformadora se for efetivamente cumprida, mas para isso acontecer, o Executivo precisa cumprir com o seu dever, que é fiscalizar”, enfatiza.
Conforme Larentis, “se o Poder Público abraçar a causa e dar mais atenção, Bento Gonçalves pode ser exemplo de acessibilidade para outros municípios. Agora, se as coisas continuarem como estão, eu não vejo muito futuro para quem necessita de cuidados especiais”, acredita. “Bento tem capacidade para acelerar nessas políticas públicas. Mas, pelo que se vê no momento, é preciso um pouco mais de dedicação, abrir os olhos para essa questão”, pontua Eloísa.