Gerações Z, X e Milennial enxergam a morte de forma mais natural, enquanto os Baby Boomers tem medo dela

A dor da perda é uma realidade da existência humana e cada geração encara a morte de forma particular. Angelista Granja, psicóloga e cerimonialista funerária, traz sua perspectiva sobre a maneira como crianças, jovens, adultos e idosos enfrentam a morte e o luto. “As reações, as respostas e a aceitação da perda, podem ser diferentes entre as pessoas de uma mesma família. Cada um tem um jeito próprio de vivenciar, expressar e ressignificar a morte. Entre as crianças, tem um componente que chama a atenção; Elas parecem compreender melhor uma perda, são capazes de transcender e reagem de uma forma menos dura, dando demonstrações e explicitando com palavras o que sentem em relação a partida de um ente querido. Parecem compreender de uma forma mais lúdica o luto. Isto não significa que elas não sintam, mas sempre surpreendem os adultos dando respostas incríveis”, destaca.

Angelista é cerimonialista funerária em Caxias do Sul

Franciele Sassi, psicóloga especialista em perdas e luto, complementa a discussão ao refletir sobre como as transformações sociais ao longo da história também mudaram a forma como as pessoas veem a morte. “O fenômeno da morte passou a sofrer retaliação e ser visto como ‘fracasso’ após a revolução industrial, uma época de grandes avanços tecnológicos. Diante de tanto crescimento, por assim dizer, a morte passou a assumir um caráter de isolamento, de exclusão social, porque era considerada um fenômeno impossível de reverter, causando sentimento de impotência social. As tentativas desenfreadas de potencializar a vida a todo custo é o que, muitas vezes, faz com que a sociedade tente negar a morte. Hoje, temos diante dos nossos olhos inúmeras possibilidades de rejuvenescer, de modificar o corpo, muitas vezes como forma de mascarar nossas angústias existenciais, ao passo que acaba reforçando que a nossa sociedade olhe para a morte como a grande derrota humana”, pontua.

Franciele Sassi é especialista em Luto, Perdas e Suicídio

Os perigos e possibilidades das redes sociais

Angelista destaca que as redes digitais são importantes, conectam milhares de pessoas, é um espaço para descrever momentos e expressar sentimentos, mas que não substituem um abraço, uma conversa, uma escuta adequada. “A dor da perda, dependendo de sua intensidade, desmonta os sonhos, as certezas e mergulha o ser humano num processo que tende a ser muito doloroso. A dor precisa ser humanizada e reconhecida. A sociedade precisa permitir que o enlutado expresse suas dores sem culpas e sem julgamentos. O isolamento pode causar depressão e transformar um momento difícil numa patologia. Quem está em sofrimento precisa ser cuidado e acolhido com respeito e compaixão”, diz.

Franciele aborda a aceleração da tecnologia em relação a como a geração mais jovem encara a morte. “As gerações mais antigas, por não disporem de telas e redes na palma das mãos, precisaram enfrentar desafios ‘no osso’, digamos assim. Na medida em que vamos encontrando informações prontas, com respostas padronizadas e manuais sobre como pensar ou fazer, o aparelho de pensar, que é o nosso cérebro, não precisa aprender sobre adaptações e flexibilizações, de forma que atravessar desafios vai se tornando cada vez mais frustrante e ameaçador nas gerações atuais”, revela.

A psicóloga ainda frisa sobre os perigos de conteúdos violentos e relacionados à suicídio na internet. “Precisamos ter muita atenção às formas como estes conteúdos ficam expostos às redes e na internet de modo geral, pois o descuido ou o descaso podem gerar outros riscos a pessoas que estão com a saúde mental fragilizada (aqui falamos do efeito contágio), além de expor e desrespeitar familiares e pessoas próximas de quem partiu”, reitera.

Preocupações com a saúde mental

Franciele observa que, após a pandemia, as pessoas de uma forma geral, passaram a valorizar mais a sua saúde mental. “É um assunto em pauta diariamente, o que é um fator positivo para que as pessoas desejem se cuidar mais. As pessoas têm buscado se conhecer melhor para também oferecerem vínculos de qualidade aos seus próximos. Utilizar-se de ferramentas disponíveis para crescer e evoluir é o que ajuda a construir caminhos saudáveis. E usar a tecnologia a favor disso, para pesquisar formas de buscar apoio, ajuda, sentir-se escutado e pertencente a grupos é o que torna pessoas resilientes”, evidencia.

A profissional acredita que há um longo caminho para a sociedade abordar temas como morte e luto de forma mais natural. “Temos dificuldades em falar sobre o assunto, em entender e aceitar nosso processo de envelhecimento e finitude. Mas o conhecimento facilitado e cada vez mais próximo de todos, possibilitado pela tecnologia, é o que vai ajudando as pessoas a entenderem que o conhecimento sobre esses assuntos é o que acalma as angústias. A lógica é: quanto mais eu me permito conhecer sobre um tema difícil e tentar entende-lo, mais instrumentos para enfrenta-lo eu terei”, ressalta.

Enquanto muitos jovens buscam outras formas de significação e enfrentamento, é inegável que os rituais e as preocupações tragam sentido e segurança para os mais velhos. Franciele Sassi, ao falar sobre as mudanças históricas no enfrentamento da morte, aponta que houve uma época em que os velórios eram realizados em casa, reforçando a proximidade com a finitude e celebrando os legados dos entes queridos. Hoje, em contrapartida, a morte é cada vez mais isolada.

Conforme pesquisa feita pelo Semanário, maior parte da geração Z vê a morte como algo natural, mas 6% não tem opinião formada. Foto: Ranieri Moriggi

Numa enquete feita pelo Semanário, a geração X e Millennial, que são gerações de 30 à 59 anos, votaram principalmente que veem a morte como algo natural, mas que existe um medo de que seus conhecidos morram. A geração Z, dos nascidos a partir de 1995, votou que vê a morte como algo natural, mas 6% não tem opinião formada. Já a geração Baby Boomer, dos 60 aos 78 anos, disse que tem medo da morte.

Angelista observa que, com o tempo, a dor passou a ser uma realidade solitária, vivenciada dentro de uma esfera familiar restrita. “A vivência do luto em gerações passadas, aqui no Brasil, tinha ritos bem definidos e as pessoas tinham que utilizar vestes de cor preta. Tinha que usar estas roupas durante no mínimo um ano. Era a forma de oficializar a dor, assim todo mundo sabia que você estava em sofrimento. O enlutado tinha que demonstrar para a sociedade que tinha perdido alguém. Com o passar do tempo, a dor se tornou invisível, uma realidade solitária, no máximo compartilhada com os familiares e amigos mais próximos”, ressalta.

Cerimonial “Memória e Saudade”

Ao lado dos avanços na psicologia, a criação de novos serviços, como o Cerimonial “Memória e Saudade”, fundada por Angelista Granja, oferece uma maneira de ressignificar o luto. “No convívio com a dor das pessoas ficava pensando em criar algo para amenizar tanto sofrimento. Queria criar um cerimonial, mas não tinha ideia de como seria. Em 2015, pude escrever o projeto, que foi aprovado e implantado. O objetivo é propiciar aos que partiram homenagens dignas e um conforto espiritual e humano aos que ficam. Assim nasceu essa ação, como um espaço de acolhida, escuta e celebração da vida”, destaca Angelista.

A profissional destaca que junto com os familiares, se organiza a despedida. “O núcleo central é a história de vida da pessoa falecida. O cerimonial é composto pelo texto, por músicas, poesias, mensagens, falas, presença religiosa, vídeos com fotografias, flores e outros símbolos que a família desejar trazer para homenagear. Histórias lindas são contadas, porque a morte faz emergir só a beleza do outro. Esta experiência conforta e produz um efeito indescritível a todos os que passam por esta vivência. A celebração da história de uma vida é tão preciosa e prestar a última homenagem é dar significado a história de vida da pessoa que partiu”, finaliza.