Marcus Flávio Ribeiro, coordenador do Movimento Negro Raízes, de Bento Gonçalves, debate a importância da data, da figura de Zumbi e das lutas da população negra

Nesta quarta-feira, 20, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, pela primeira vez, é celebrado como um feriado em âmbito nacional. A data, marca o falecimento de Zumbi, símbolo da resistência contra a escravidão, que foi assassinado em 20 de novembro de 1695.

Mais que um feriado, o dia é um convite ao exercício de memória, lembrando que o Brasil foi construído sob mais de três séculos de escravidão e que a luta por igualdade persiste até hoje.

A história e a importância de Zumbi e do Quilombo dos Palmares
A história brasileira é marcada por séculos de colonização, violência e trabalho escravo. Coletivos como o Quilombo dos Palmares, localizado na atual União dos Palmares (AL), surgiram para resistir ao regime escravista. O quilombo foi formado no final do século 16, quando escravizados fugiram para a Serra da Barriga. Desde 1602, diversas expedições portuguesas e holandesas tentaram destruí-lo. Seu auge de crescimento populacional ocorreu durante a invasão holandesa no Nordeste (1630-1654). Foi liderado pelo ex-escravizado congolês Ganga Zumba entre 1650 e 1678. O quilombo, apesar de ter uma figura central na liderança, tomava decisões de forma coletiva.

Zumba adotou táticas de guerrilha para resistir aos portugueses, mas em 1678 aceitou um acordo de paz, dividindo os quilombolas. Discordando do pacto, Zumbi, sobrinho de Ganga Zumba, assumiu a liderança de parte do grupo. Zumba, que liderou outro grupo ao Vale do Cacau, percebeu a traição dos portugueses ao encontrar terras inadequadas e restrições severas. Zumba faleceu em 1678, de circunstâncias desconhecidas.

Ganga Zumba, o ex escravizado congolês que se tornou um dos principais símbolos antiescravagistas no Brasil

Zumbi, já reconhecido por suas habilidades estratégicas como líder militar, esteve a frente do Quilombo dos Palmares ao lado de sua mulher, Dandara, entre 1680 e 1694. Adotou uma postura incisiva contra a escravidão e a dominação branca, defendendo a liberdade de culto e a autonomia dos quilombolas. Sua liderança provocou represálias da coroa portuguesa, que intensificou os ataques. Em 1694, o Quilombo foi destruído em uma expedição liderada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, Zumbi, apesar de ter saído ferido, conseguiu escapar. Ele ainda passaria um ano e meio escondido, até que em 1695, Antonio Soares, um de seus ex companheiros de luta, sob tortura, revelou a localização do antigo líder do Quilombo dos Palmares, que em 20 de novembro foi assassinado pelo sertanista André Furtado de Mendonça. Posteriormente, Mendonça foi premiado em 50 mil réis pelo Rei de Portugal e Algarves D. Pedro II.

Zumbi e Dandara

Neste contexto, Marcus Flávio Ribeiro, coordenador do Movimento Negro Raízes, de Bento Gonçalves, destaca a importância do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. “Este é o primeiro feriado nacional, a partir da promulgação ocorrida em dezembro do ano passado, e com certeza é muito mais do que isso. É um marco que talvez comece a recuperar este reconhecimento histórico acerca das contribuições do povo negro, inclusive no que tange a construção desse país”, afirma. Ele também aborda a importância das lideranças que lutaram contra a escravidão. “A mão de obra escravizada foi um dos pilares da economia e da formação do Brasil, o que torna essencial reconhecer a importância de Zumbi dos Palmares e de todos os que lutaram pela abolição”, enfatiza. Ribeiro também promove um debate acerca do reconhecimento dado pela sociedade para essas figuras. “Embora o papel da Princesa Isabel seja frequentemente destacado, é fundamental lembrar que muitos líderes negros já vinham combatendo o regime escravocrata antes dela. Eles merecem nossa reverência e reconhecimento. Portanto, o Dia da Consciência Negra deve ser visto como um momento de profunda reflexão sobre as contribuições históricas, sociais e culturais que o povo negro trouxe e continua trazendo para o Brasil”, destaca.

O reconhecimento da data
Na década de 1970, historiadores confirmaram o assassinato de Zumbi dos Palmares, desmistificando outras teorias acerca de sua morte, e o 20 de novembro de 1695 como a data deste acontecimento. O Grupo Palmares, fundado em Porto Alegre, em 1971, por Antônio Carlos Côrtes e outros militantes, foi crucial para a reivindicação do 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra, ganhando destaque sobre o 13 de maio, considerado por muitos um falso marco de liberdade, já que a abolição ocorreu após diversas pressões de movimentos sociais e sem o Estado prestar o devido suporte aos ex-escravizados.

Em 9 de janeiro de 2003, a Lei nº 10.639, sancionada pelo presidente Lula (PT), incluiu o ensino de história e cultura afro-brasileira no calendário escolar. Em 10 de novembro de 2011, a Lei nº 12.519, de autoria da senadora gaúcha Serys Slhessarenko (PT), instituiu a data como comemorativa. Em 21 de dezembro de 2023, o 20 de novembro tornou-se feriado nacional pela Lei nº 14.759, assinada novamente pelo presidente Lula (PT).

A importância da data para o contexto atual
Apesar de representarem 56,1% da população brasileira, segundo o Censo do IBGE (2022), a população negra enfrenta desigualdades significativas. Em 2023, 70% da população carcerária era negra, de acordo com o Anuário de Segurança Pública. Negros também são mais condenados que brancos por posse de drogas, mesmo com menores quantidades, segundo levantamento de 2019 da Agência Pública. Além disso, dados da Rede de Observatórios da Segurança (2024) revelaram que 87,8% das vítimas de mortes causadas por policiais em 2023 eram negras.

No mercado de trabalho, as desigualdades persistem. Em 2024, trabalhadores negros receberam, em média, salários 42% menores que os de brancos, segundo o Núcleo de Estudos Raciais do Insper. A taxa de desemprego em 2023 foi de 8,9% para pretos e 8,5% para pardos, acima da média nacional de 5,9%, conforme o IBGE.

Marcus Flávio Ribeiro aborda a importância do 20 de novembro nesta situação atual. “Considero que historicamente, desde o 13 de maio de 1888, há uma constância nessa luta, até pelo fato de naquele momento, saímos da escravidão física, mas lamentavelmente fomos atirados à escravidão social. Então os nossos quilombos e senzalas se transformaram no que são hoje as nossas vilas e nossas favelas, onde está concentrada a maior parte da população negra”, enfatiza. Ele também aborda os desafios impostos pelo racismo na sociedade. “Muitas vezes, nos impede de ocupar posições melhores e de avançar no contexto social. Apesar de algumas evoluções ao longo do tempo, sabemos que poderíamos ter progredido muito mais. Por isso, essa reflexão é constante e necessária. Lamentavelmente, ainda enfrentamos inúmeros casos de racismo, preconceito e intolerância religiosa, que não apenas dificultam nosso avanço, mas, em certas situações, chegam a representar um retrocesso no que buscamos em termos de igualdade e equidade social”, reflete.

Movimento Negro Raízes
Em Bento Gonçalves, o Movimento Negro Raízes, instituído em 2018, por Marcus Flávio Ribeiro e Solana Corrêa, tem promovido ações que buscam destacar a comunidade negra local, com palestras e eventos culturais. Além de iniciativas voltadas para o combate ao racismo, discriminação, e intolerância religiosa. Ribeiro conta como surgiu este coletivo. “O início se deu a partir de um episódio de preconceito envolvendo nossa filha, já conhecido como o caso da ‘Branca de Neve Negra’, ocorrido em 2017. Este episódio nos levou a fundar o movimento, que se destaca por sua trajetória pulsante e pelo trabalho contínuo na valorização da cultura e das questões sociais negras. Nossa atuação vai além de novembro, promovendo ações e reflexões de janeiro a dezembro”, destaca.

Ribeiro também aborda a importância do movimento para a cidade. “Muitas pessoas afirmam que, na cidade, há um marco entre antes e depois do surgimento do Movimento Negro Raízes, que hoje, é uma das representações negras mais reconhecidas e respeitadas no estado. Isso se reflete em reconhecimentos municipais, regionais e estaduais, o que nos motiva a continuar avançando”, enfatiza.

Recentemente, o movimento recebeu a notícia de que será agraciado pela quarta vez com o Prêmio Zumbi dos Palmares, que destaca ações em prol da comunidade afrodescendente, na Assembleia Legislativa estadual. Ribeiro segue destacando os objetivos. “Nossa meta é trazer visibilidade à cultura negra e promover o tratamento igualitário, mesmo em uma região de predominância europeia. É essencial que os costumes negros sejam valorizados e tratados com o mesmo respeito em um contexto mais amplo. Este propósito é o que nos impulsiona a seguir em frente”, relata. Ele, junto de Solana Corrêa, em nome do Movimento Negro Raízes, finalizam com uma mensagem forte para este 20 de novembro. “Que jamais nossos filhos e filhas, negros e negras, sejam impedidos de sonhar por conta da cor de sua pele”, finaliza.

Idealizado pelo casal Marcus Flávio Ribeiro e Solana Corrêa, o Movimento Negro Raízes recebe amplo reconhecimento por sua luta