Em época de coronavírus, indígenas que moram em aldeia – ou Área de Passagem como define a prefeitura – em Bento Gonçalves dizem que enfrentam dificuldades porque não conseguem vender o artesanato que produzem e que é a fonte de renda da comunidade

Nem todo mundo sabe, mas em Bento Gonçalves há, sim, dentro da zona urbana, uma aldeia indígena. Fica no bairro São Roque, ao final de um caminho de chão batido depois da rua Iracy Foppa. Da BR-470 é quase imperceptível, e quem vê não identifica o local como sendo uma reserva – ainda que pequena – habitada por índios, já que o núcleo é formado por pequenos casebres de madeira, moradias simples, o que nas grandes cidades é chamado de favela.

Eles estão no local há quase cinco anos. Meia década que se completará em agosto que vem, segundo um dos líderes da aldeia, Vicente da Silva, que também é o representante do cacique Ildo Ferreira quando ele se encontra ausente. Vicente, 62 anos, e a mulher, Luiza Sales, de 48 anos, têm três filhos e moram no local ao lado de outras 23 famílias. Conforme contabiliza, são pelo menos 110 pessoas, cerca de 40 delas crianças e adolescentes.

Nesta semana, às vésperas do Dia do Índio, que transcorre neste domingo, 19, o líder dos caingangues contou que a pandemia provocada pelo coronavírus tem causado muitas dificuldades ao seu povo. Principalmente pelo isolamento imposto com a finalidade de evitar o contágio e a propagação da doença. Esta quarentena tem impedido que eles vendam seus produtos, baseados no artesanato.

Conforme Vicente da Silva, apenas alguns índios da aldeia, mais jovens, têm se arriscado a ir para pontos estratégicos da BR-470, que tem o maior movimento de automóveis entre as estradas da região, com a intenção de vender o que produzem. Mesmo assim sem muito êxito porque a recomendação para que as pessoas fiquem em suas casas diminuiu muito o movimento nas estradas.

Vicente da Silva e a esposa Luiza Sales: liderança na comunidade caingangue de Bento

Como confirma um dos agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Bento Gonçalves: “Agora é que está aumentando um pouco, mas já foi bem menor. A redução no tráfego caiu uns 80% há umas duas semanas. Nesta segunda e terça é que mais gente saiu para a estrada”, diz, acentuando que nem mesmo na Páscoa a movimentação repetiu os picos de anos anteriores.

Gêneros em estoque

Sem carro na estrada não há gente para comprar os artesanatos, principalmente cestos feitos com varas. E se não há vendas, falta dinheiro para comprar comida. Mais: faltam recursos para comprar também os agasalhos necessários para enfrentar os dias frios do inverno que vêm aí. “Já está faltando comida, sim”, reforça o veterano caingangue à porta do casebre em que mora.

A subsistência tem vindo da ajuda que recebem da comunidade, mas que também não tem ido à aldeia entregar doações com o mesmo ímpeto de antes do coronavírus. “Até vem gente aqui, mas não dá para todo mundo”, afirma, referindo-se à quantidade de gêneros alimentícios que tem sido entregue para os índios. O que não é perecível está sendo estocado.

A ideia é que os produtos guardados sejam distribuídos em partes iguais às 23 famílias, de modo a não deixar ninguém sem assistência, fala Vicente. A outra fonte de renda dos caingangues que vivem em Bento Gonçalves é a safra da uva, quando os produtores arregimentam força braçal na comunidade para trabalhar na colheita. “Nem isso tem agora. Já passou a safra. Não tem de onde tirar dinheiro”, pondera.

Técnicos da Sesai

Os indígenas têm recebido assistência na área da saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. Na terça, 14, funcionárias da secretaria estiveram na aldeia mas se negaram a falar sobre o trabalho que fazem ou orientações que vêm repassando aos caingangues para evitar o coronavírus. Alegaram falta de autorização da direção da Sesai, em Porto Alegre.

Conectados à modernidade

O líder da aldeia caingangue de Bento Gonçalves, Vicente da Silva, fala com desenvoltura da situação mundial enfrentada por causa do Covid-19, o coronavírus. Comenta sobre a quarentena, que o distanciamento social está sendo mantido para evitar o contágio, e fala das dificuldades econômicas. “A situação está muito difícil no nosso Brasil, e pode ficar ainda mais por causa desta doença”, destaca.

Quanto à estrutura habitacional da aldeia, ao contrário das ocas de antigamente, a comunidade mora em pequenos casebres com cerca de 20 metros quadrados cada. Eles dispõem de energia elétrica, têm te-levisão (alguns com sinal via satélite), e uma fonte de água potável que abastece as 23 famílias. Ao contrário das regiões mais remotas, também têm acesso à telefonia celular.

Aldeia tem assistência do município

O secretário interino da pasta de Esportes e Desenvolvimento Social, Wagner Dalla Valle, garantiu que mesmo a questão indígena sendo um assunto regulado por legislação federal através da Fundação Nacional do Índio (Funai), a administração municipal tem auxiliado dentro do que é legalmente possível a comunidade caingangue que mora em Bento Gonçalves.

Prefeitura do município repassou cestas básicas para os caingangues em duas ocasiões nos últimos 30 dias

Não procedem, de acordo com Wagner, informações de Vicente da Silva, um dos líderes da aldeia, quando ele reclama que os índios enfrentam dificuldades e não têm assistência do município. “Sempre fizemos o que nos foi possível fazer, inclusive ajudando na mediação de conflitos ou promovendo assistência nas áreas da saúde, assistência social, e repassando alimentos ou agasalhos”, garantiu.

Dalla Valle revelou, por exemplo, que em função da pandemia provocada pelo coronavírus o governo municipal já repassou para os índios a doação de cestas básicas, em duas oportunidades. “No dia 25 de março foram umas 20 e no dia 6 passado, acho que foi nesta data mesmo, mais umas 15. Não tenho os números exatos porque além das doações por meio da nossa secretaria, tem o que é repassado pelos Cras”, falou, citando os Centros de Referência em Assistência Social.

Outra ação lembrada pelo secretário de Esporte e Desenvolvimento Social é o encaminhamento de membros da comunidade indígena ao mercado de trabalho, sempre que há manifestação de interesse deles neste sentido e através de órgãos oficiais como, por exemplo, o Sistema Nacional de Empregos (Sine), órgão da Fundação Gaúcha do Trabalho.

Quanto aos agasalhos, sempre que há doações feitas pela comunidade a administração municipal repassa às entidades conveniadas para que seja feita triagem e a posterior distribuição, de acordo com o tamanho e gênero das pessoas. “Tenho visto com frequência que eles (os índios da aldeia) vão às comunidades, mesmo agora que eles deveriam estar em isolamento por causa do coronavírus, em busca de agasalhos”, contou Wagner Dalla Valle.

Índios de Bento Gonçalves garantem que seguem regras do isolamento por causa do coronavírus e que estão enfrentando dificuldades financeiras

Importante

1 – O secretário Wagner Dalla Valle destaca que a comunidade indígena também tem assistência na área educacional.
2 – As crianças e adolescentes são matriculados e frequentam de forma regular a rede de ensino.
3 – A condição é exigida para que as famílias inscritas no programa Bolsa Família recebam o benefício do governo federal.
4 – Ele também diz que o local não é reconhecido como aldeia indígena, mas como Área de Passagem.
5 – “Tem uma diferença sob o ponto de vista técnico e legal que é muito importante para nós enquanto administração municipal e para eles, como indígenas”, explicou.

Atenção

Quem deseja fazer alguma doação aos indígenas que vivem em Bento Gonçalves pode entrar em contato com Vicente da Silva, um dos líderes da aldeia, através do telefone 99900-8215

Fotos: Silvestre Silva Santos e Divulgação