No universo das letras, há um dia especial reservado para honrar aqueles que dão vida às palavras, criando mundos imaginários que capturam nossas mentes e corações. Em 1960, o ex-ministro da Educação e Cultura Pedro Paulo Penido escolheu o dia 25 de julho devido à realização do I Festival do Escritor Brasileiro, promovido pela União Brasileira de Escritores (UBE), que ocorreu exatamente nesse dia, em 1960. Desde então, a data é celebrada em todo o país, com eventos que destacam e valorizam os autores da literatura brasileira.
O Brasil é reconhecido internacionalmente por seus grandes escritores, como Machado de Assis e Clarice Lispector, cujas contribuições literárias são exemplos para muitos. Em meio a leituras inspiradoras e discussões sobre o processo criativo, exploramos não apenas o talento singular de cada escritor, mas também a diversidade de vozes que enriquecem a literatura nacional e local, de Bento Gonçalves.
Gabriel Elias Josende: literatura e mitologia
O escritor Gabriel Elias Josende, também conhecido pelo pseudônimo OLYMPUZ, compartilhou sua jornada marcada pela paixão pela literatura e pela influência familiar. Atualmente no oitavo semestre de Letras pelo IFRS, Gabriel destacou como a literatura transformou sua vida, levando-o a se reconectar consigo mesmo e se redescobrir através da escrita. “Foi por meio da literatura que me encontrei novamente frente ao espelho”, afirmou Gabriel, cuja mãe, a professora aposentada de Português e Literatura, conhecida como “Profe Adri”, foi uma grande influência em seu início precoce na escrita. “Ela sempre nos incentivou a ler, o que me levou a publicar meu primeiro poema em uma antologia aos 8 anos”, revelou o autor. Além disso, a Influência do pai Evandro fez com que o interesse pela astronomia surgisse, estando presente nos seus livros também.
Com uma vasta produção literária, Josende já publicou sete livros, incluindo obras como “Três quintos”, “Nas asas de Ícaro”, “Espectro” e o próximo lançamento “Caça às Plêiades”, que está em pré-venda. O autor fala sobre trabalhos publicados. “Tenho diversos trabalhos em antologias, inclusive internacionais (participei de edições do Chile e da Índia), com poemas em português e inglês, além de contos em revistas e livros diversos”, conta.
A participação em eventos culturais da cidade como a Feira do Livro e a Semana do Livro, servem de apoio para mostrar seu trabalho à comunidade. Além disso, em 2023, o escritor recebeu um convite para integrar a Academia de Letras do Brasil, Seccional RS, como Imortal (ALB/RS), um grande marco em sua carreira.
O autor é helenista, e seu interesse pela cultura grega reflete em seus escritos, que frequentemente invocam os deuses gregos e as figuras mitológicas. Com uma literatura diversificada, também são explorados temas como a astrologia, astronomia, numerologia, magia e temas espirituais, além de abordarem assuntos mais profundos, como solidão, bullying e síndrome do pânico.
Um fator importante para o autor envolve a temática LGBTQIAP+, que até hoje é vista como um tabu. “Por muito tempo procurei ser mais “comedido” com o assunto e não envolver questões sexuais. “Só ar, sem sono, sem ar” foi o primeiro a quebrar esse paradigma, culminando em “Caça às Plêiades”, que tem textos muito mais adultos”, relata.
Um dos maiores desafios para Josende atualmente, é a conciliação entre sua carreira como redator publicitário em tempo integral, seus estudos e a escrita. “Tenho períodos de muita produtividade, mas também momentos de ‘ressaca’ criativa, que são importantes para organizar ideias e refletir sobre novos temas”, compartilhou o escritor.
Entre seus livros, Gabriel destacou “Nas asas de Ícaro” como o mais aclamado pelo público até hoje, seguido por “Só ar, sem sono, sem ar”, sua primeira incursão na prosa. No entanto, ele reconhece que temas como mitologia e a inclusão de elementos LGBTQIAP+ em suas obras podem gerar polarização entre os leitores.
Olhando para o futuro, Gabriel revelou que além de “Caça às Plêiades”, está trabalhando em outros seis livros, que já estão prontos, incluindo uma novela e livros infantis, setor no qual busca novas oportunidades para expandir sua presença no mercado literário infantil. Sobre sua experiência como escritor em Bento Gonçalves, Gabriel ressaltou os desafios e benefícios de ser reconhecido em uma cidade menor, destacando o apoio local à cultura como um trunfo significativo. “É uma cidade relativamente pequena, então acaba sendo mais difícil de “furar a bolha” e ser visto por leitores de outros lugares. Contudo, por ter essa característica, acabamos recebendo mais apoio de veículos de mídia locais, e isso ajuda bastante a se posicionar publicamente. Além disso, contamos com fortes políticas de incentivo à cultura no município, e não é em todo lugar que é assim”, declara.
Josende finaliza enfatizando sua dedicação contínua à arte da escrita e sua esperança em alcançar novos públicos com suas histórias. “Escrever é o que mais dá sentido à minha vida”, conclui.
Cristine Tedesco: mulheres na arte
Historiadora de formação, com mestrado em História pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Cristine Tedesco atualmente é professora de História da Arte, e também atua como produtora cultural de projetos financiados por leis de incentivo.
A vontade para a escrita surgiu ainda na época da escola para a escritora, que desde cedo era premiada em concursos escolares de poemas. A carreira acadêmica ajudou a aflorar esse sentimento, que achou rumo na pesquisa de histórias de mulheres artistas dos períodos Renascentista e Barroco, o que segundo a autora, é pouco estudado.
O processo de escrita do livro “Artemisia Gentileschi: trajetória biográfica e representações do feminino”, teve início no meio acadêmico, que a ajudou em sua pesquisa. “No mestrado iniciei minha pesquisa sobre a pintora Artemisia Gentileschi (1593-1654), analisando suas primeiras pinturas e um processo-crime, ocorrido no início do século XVII, em Roma, resultante do estupro cometido contra a artista.Esse conteúdo foi traduzido do latim e está disponível no livro. Já no doutorado dei continuidade à pesquisa, investigando as correspondências da mesma pintora e suas obras em diferentes arquivos históricos, museus e bibliotecas de Roma, Veneza, Florença, Nápoles e Londres. Além de ter visitado oito países europeus mapeando obras e trajetória de outras mulheres artistas e escritoras do Renascimento e Barroco”, explica.
Entre os desafios enfrentados, a análise de fontes históricas produzidas há mais de cinco séculos é o principal para Cristine, que precisou traduzir esses conteúdos que se apresentaram em diferentes línguas, e algumas muito antigas, para torná-lo acessível a diferentes públicos.
A autora pretende publicar mais pesquisas. “Uma delas é sobre a presença de mulheres indígenas em famílias de origem italiana na região da serra gaúcha. Outra investigação em curso, trata da atuação das mulheres no artesanato aqui em Bento Gonçalves, em especial a dressa e sua importância para a memória local e a economia doméstica”, comenta.
A “dressa” é um termo que se refere a um tipo específico de artesanato tradicionalmente produzido em Bento Gonçalves. É uma técnica de trançado manual utilizada para criar cestos, bolsas e outros objetos feitos com fibras naturais, geralmente utilizando palha ou vime. Esses produtos têm valor cultural significativo para a região, não apenas como artesanato, mas também por preservar técnicas ancestrais e contribuir para a economia local.
Além dos livros, a pesquisadora planeja oferecer oficinas de criação, conservação de documentos históricos, cursos de história da arte, além de novas publicações sobre o papel das mulheres em diferentes áreas da cultura. Em 2025, ela pretende fortalecer sua editora, Ártemis, para apoiar novos escritores em suas jornadas literárias.
Para a autora, ser escritora no município dificulta o objetivo de alcançar novos leitores, mas também é importante pelo trabalho acadêmico que desenvolve. “É um desafio constante, especialmente para alcançar leitores fora da região. Meu livro sobre Artemisia Gentileschi teve um alcance significativo no Brasil, foram enviados centenas de exemplares a praticamente todos os estados brasileiros, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro. Isso se deu também por ser resultado de mais de 10 anos de pesquisa e por conta de minha inserção em ambientes de pesquisa das universidades”, relata. Com a nova versão do livro em e-book, Cristine contou que está alcançando um público internacional também.
Com um olhar para o futuro, ela expressou otimismo em relação ao potencial de suas iniciativas culturais. “Espero que, nos próximos anos, possamos não apenas documentar, mas também celebrar as contribuições das mulheres na cultura, promovendo um entendimento mais profundo e inclusivo de nossa história coletiva”, concluiu a pesquisadora.
Ismael Sebben: entre a docência e a literatura
Com uma carreira que se entrelaça entre a docência e a literatura, Ismael Sebben conta que sua paixão pela escrita floresceu desde os dias escolares. “Alguns professores me instigaram para a escrita, desde a 8ª série já rabiscava alguns poemas. Hoje, como professor da rede municipal e privada, tento fazer o mesmo: motivar os educandos à escrita e à leitura, expor a eles gêneros variados e promover o diálogo com outras formas de arte”, relata.
Graduado em Letras de Língua Portuguesa pela Universidade de Caxias do Sul, Sebben também possui formação como ator, em que participou de peças e curta–metragens em São Paulo. Sua trajetória como escritor surgiu no grupo multiartístico Sinagoga e os Poetas da Praça Zen, que misturava música, encenação e declamação de poesias. Em 2020, Sebben lançou seu livro de estreia Perfumes e Moscas. Após o lançamento ele se especializou em Literatura Brasileira pela UFRGS, publicou contos em diversas coletâneas e participou de oficinas com nomes como Luiz Antonio de Assis Brasil (PUC-RS) e Pedro Gonzaga.
O reconhecimento não tardou a chegar, com indicações ao prestigioso Prêmio Minuano de Literatura e finalista no Prêmio AGES (Associação Gaúcha de Escritores), ambos em 2021. “Recebi com alegria e orgulho essas indicações, que são um reconhecimento ao trabalho árduo e à dedicação à escrita”, compartilha Sebben, destacando que tais honrarias não substituem o constante aprimoramento e a busca por excelência literária.
A escrita do seu primeiro livro aconteceu durante a graduação. “Com as leituras de obras e textos teóricos, minha escrita foi sendo enriquecida, o que me motivou para que eu pudesse finalizá-lo e partir para a publicação”, conta. A obra de contos mergulha em narrativas que oscilam entre o real e o fantástico, explorando temas como amor, morte, mistério e vingança, permeados por simbolismos marcantes.
Para o futuro próximo, o autor prepara o lançamento de seu segundo livro, “Cemitério de Vagões e Outros Contos”, com expectativa de apresentá-lo ao público no início de outubro de 2024, pela Editora Bestiário. Com a mesma quantidade de contos que seu trabalho anterior, o livro promete explorar novas facetas narrativas e consolidar ainda mais sua voz no cenário literário nacional. Sebben vislumbra seu terceiro livro de contos, que está em fase inicial de elaboração. “Minha abordagem é sempre de qualidade sobre quantidade. Pretendo continuar participando de oficinas literárias e acompanhando de perto o cenário literário”, afirma o escritor.
Quanto ao ambiente literário em Bento Gonçalves, o autor reflete de maneira realista, reconhecendo os desafios enfrentados pelos escritores locais. “Me sinto confortável escrevendo em Bento Gonçalves. No que diz respeito aos grandes eventos literários, contatos com editoras e afins, há uma limitação, mas hoje tudo está mais próximo, aqui ou em outro lugar, devo escrever”, relata.
Iniciativas como a Feira do Livro de Bento Gonçalves e outras atividades culturais que promovem o diálogo e a disseminação da literatura, como o Fundo Municipal de Cultura, a Feira do Livro Infantil, além do apoio de livrarias locais e a Biblioteca Pública Castro Alves, com seus programas que incentivam à leitura são elogiadas pelo autor. “Escritores(as) dependem não só deles mesmos, mas de uma cadeia de pessoas, inclusive a imprensa, para que suas obras sejam lidas. Há pontos a serem melhorados, lógico, e só a exposição de ideias e o diálogo pode fortalecer nossa área”, conclui o autor.
Marta Sassi: memórias infantis e criação literária
A trajetória da escritora Marta Sassi é marcada por memórias afetivas da infância e uma profunda conexão com a educação. Um testemunho da importância das experiências iniciais na construção de sua carreira literária. Desde cedo, a autora explora sua criatividade ao brincar na natureza e participar de atividades lúdicas. Essas vivências, especialmente as férias passadas na casa da avó, sem limites para a imaginação, moldaram seu amor pela escrita.
Com uma mãe que dedicou 52 anos ao magistério, Marta teve a oportunidade de acompanhar de perto a profissão que lhe serviu de inspiração. Atualmente, formada em Magistério e Pedagogia, e mãe, ela viu nas histórias uma forma de enriquecer a vida de seu filho e alunos. “Por várias vezes escrevi pequenas histórias para contextualizar algum objeto do conhecimento e elas vibravam, essa energia boa contagia e me sentia livre para escrever e contar mais histórias”, diz. Esse amor pela narrativa culminou na publicação de seu livro “Maria Achava Interessante”, em 2021. A obra não apenas celebra a importância da preservação ambiental e do reaproveitamento de materiais reciclados de forma lúdica, mas também enfatiza o desenvolvimento da coordenação motora desde cedo. A autora vê a narrativa como um meio de estimular a criatividade e a aprendizagem. “Também mostra o processo de estímulo da coordenação motora, uma habilidade importantíssima para a evolução da concentração e coordenação da motricidade fina”, conta.
Para seu próximo lançamento, o livro “Vime” remete às histórias contadas na infância, que causaram grande impacto. A obra homenageia o avô materno de Marta, um homem dedicado e criativo que, na década de 1950, enfrentou o desafio de prolongar a vida útil dos lápis para seus nove filhos. A narrativa também destaca a cultura dos imigrantes italianos e é traduzida para o Talian pela professora Mirna Madalosso. O livro vem acompanhado de um lápis de “STROPE”, propiciando uma experiência interativa para os leitores.
Um dos maiores desafios enfrentados por Marta é criar uma narrativa envolvente que ressoe com os leitores. No entanto, ela vê o papel de escritora em Bento Gonçalves como uma grande responsabilidade social e educacional. Participar de Feiras do Livro e eventos escolares permite que ela compartilhe sua paixão com o público, especialmente com crianças que, ao verem o escritor tão próximo, se sentem inspiradas a escrever, ilustrar e contar suas próprias histórias.