Medida visa retirar o excesso de detritos no leito dos cursos d’água, aumentando a vazão. Em Bento, pelo menos três arroios têm previsão de passarem pelo processo
Desde o ano passado, a região de Bento Gonçalves tem enfrentado desafios significativos relacionados a enchentes, alagamentos e deslizamento que assolam comunidades locais. Em 2024, as precipitações intensas agravaram essa situação, resultando em danos materiais e prejuízos humanos consideráveis. Diante desse cenário, especialistas destacam a importância crucial do desassoreamento de rios e arroios como medida preventiva.
O desassoreamento refere-se ao processo de remoção de sedimentos que se acumulam nos leitos dos rios ao longo do tempo. Estes sedimentos, compostos por areia, lodo e detritos diversos, são frequentemente responsáveis por obstruir o fluxo natural da água, contribuindo para o aumento do nível dos rios durante períodos de chuvas intensas.
Cenário atual
Em Bento Gonçalves, a Prefeitura realiza desde maio o desassoreamento do arroio Pedrinho, que passa pelos bairros Vinosul, Vale dos Vinhedos e Municipal. “É um trabalho realizado com maquinário do Município para a retirada de resíduos, sedimentos e vegetação para facilitar o curso da água. É prevista a contratação de uma empresa para agilizar o processo, mas ainda está em tramitação. Além do arroio Pedrinho, temos ainda que realizar no Barracão e São Pedro”, diz o secretário Municipal de Viação e Obras Públicas (SMVOP), Carlos Quadros.
De acordo com o livro “A História da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas”, de Gino Ferri e Ana Cecília Togni, na região da bacia hidrográfica Taquari-Antas, onde os primeiros registros de enchente datam de 1858, os solos são argilosos, assim possuem baixa permeabilidade. O relevo nas cabeceiras dos principais afluentes é acidentado, apresentando altas declividades. O clima tem estações bem definidas, o que proporciona períodos de estiagem intercalados por períodos de chuva. Como consequência do tipo de solo, quando ocorrem chuvas intensas e contínuas, acontecem elevadas variações de descarga, o que provoca o rápido aumento do nível do rio, motivando as enchentes.
O impacto das enchentes em 2024, trouxe à tona a urgência de investimentos contínuos e sistemáticos em programas de desassoreamento. Estas iniciativas não só protegem a infraestrutura local, como estradas e pontes, mas também salvaguardam vidas humanas e mitigam os custos associados aos desastres naturais. Em um contexto de mudanças climáticas cada vez mais evidentes, a prevenção através do desassoreamento se torna ainda mais crucial para a adaptação resiliente das comunidades à variabilidade climática.
Gilnei Rigotto, Secretário geral da Associação Ativista Ecológica (AAECO), atua há 30 anos como ativista ambiental e há 17 na entidade. Para ele, os rios e arroios que circundam o município apresentam algum grau de assoreamento e, infelizmente, a maioria também tem alto grau de poluição.
Segundo Rigotto, o problema não seria resolvido apenas com dragagem ou desassoreamento desses cursos d’água. “Devemos entender o contexto histórico da bacia Taquari-Antas como um ecossistema. Se não for feita uma ação planejada, será um gasto monstruoso em uma solução que não vai perdurar. Dependendo do caso, tem que replantar a mata ciliar que foi retirada, seja pela agricultura, construções de barragens, invasões, entre outros casos”, explana.
Conforme o ambientalista, os replantios de mata ciliar devem ser feitos minuciosamente através de um estudo técnico de espécies nativas que ocorriam na região desde seus primórdios e que foram dizimadas. “Cito aqui o Sarandi, um tipo de árvore enraizada que circundava a maioria dos rios da área, evitando a erosão e servindo também de refúgio para a avifauna, quase extinta”, comenta.
Ele explica que acredita que o acúmulo de terra, detritos e lixos, somados à quebra de um ecossistema aquático, foram os motivos do aumento dos níveis dos rios e arroios e, consequentemente, a ocorrência das enchentes. “As barragens têm um grau de interferência que deve ser levado em conta, pois a evaporação da água represada se diferencia de uma água que corre livremente. Existe também o problema da velocidade de vazão, caso a represa transborde, como foi o que aconteceu em alguns momentos na primeira enchente que ocasionou mais mortes de ribeirinhos; a velocidade das águas arrastou tudo que estava nas beiradas em uma velocidade extrema”, expõe.
Partindo desse pressuposto, Rigotto observa que as leis ambientais não são favoráveis ao cenário atual. “Devemos rever todas as leis, que passaram a ser cada vez mais permissivas, e deixaram esse legado de destruição em nome de um progresso que, infelizmente, agora se mostra não ser sustentável. Trago como exemplo a falta de escada progressiva para a concretização da piracema, período em que os peixes sobem os rios para a reprodução e desova”, analisa.
Rigotto finaliza com a ideia de que se deve pensar globalmente e agir localmente. “Também deixo a preocupação da AAECO com a problemática dos resíduos, tanto sólidos, quanto líquidos. A produção por habitantes cresce assustadoramente, e isso indubitavelmente vai parar sem tratamento em arroios, rios e lençóis freáticos. Acredito que, em um futuro bem próximo, haverá uma falta de água e alimentos sem precedentes, e não adiantará ter dinheiro se não houver o que comprar”, conclui.
Iniciativas do governo
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, esteve, na terça-feira, 18, em Bento Gonçalves, onde participou de um encontro com o prefeito Diogo Segabinazzi Siqueira e diversas lideranças locais. Na ocasião, Leite ouviu as principais demandas dos setores, em razão dos problemas ocasionados pelas chuvas e enchentes que tiveram início em maio e voltaram a preocupar a região na última semana.
Segundo o governador, o município vai receber R$ 4,4 milhões do Fundo a Fundo, que poderão ser utilizados em obras e serviços que o município entender prioritário, sem a necessidade de planos de trabalho encaminhados ao governo.
Além disso, uma portaria publicada pelo governo, dispensa a emissão de licença por parte da Fundação de Proteção Ambiental (Fepam), para a dragagem e desassoreamento dos rios, em situações de catástrofes. “Além disso que estamos fazendo em caráter emergencial, determinei à secretaria de Meio Ambiente, que desenvolva um programa, com melhor estrutura, para que a gente possa fazer, em parceria com estes municípios, esse processo de desassoreamento dos rios, sempre que isso se aplicar de forma estratégica. Nem sempre é a solução adequada, mas muitas vezes é uma contribuição importante, para dar melhor capacidade de vazão no rio e evitar que várias localidades sejam atingidas”, explica.