Cálculos apresentados por Dieese e Farsul revelam abismo entre despesas dos agricultores e preço mínimo da uva

Em reunião no Sindicato dos Trabalhadores Rurais da região, em Bento Gonçalves, na quarta-feira, 21, a reclamação dos agricultores foi unânime. É necessário negociar um preço mínimo maior para manter a sustentabilidade da produção da uva. Muitos relatam que o lucro, quando alcançado, é ínfimo e não há margem para aumento da produção ou investimento em tecnologia.

Dados foram explicados em reunião do Sindicato, nesta semana. Foto: Lucas Araldi

Enquanto os estudos de custo de produção apresentados no Sindicato variam de R$ 1,39 até R$ 1,58, a direção da entidade relata que as empresas apresentaram o cálculo de R$ 0,58. Na opinião de um economista que participou da reunião, essa enorme discrepância não é normal.
Do outro lado, algumas lideranças do setor acreditam que empresas e produtores deveriam se unir, ao invés de competirem entre si, para reivindicar redução da carga tributária e políticas de incentivo ao Governo Federal.
As entidades representativas dos agricultores pretendem encaminhar uma carta aos deputados e senadores para reivindicar aumento no preço mínimo. O preço estabelecido pelo Governo Federal deve ser divulgado até o final deste mês.

Estudo do Dieese aponta defasagem de 33,82%

A metodologia do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) se baseia em um modelo que antigamente era utilizado pela Comissão de Financiamento de Produção, do Governo Federal. Ele considera seis grandes itens para chegar ao custo de produção de R$ 1,39 ao quilo.
No estudo leva-se em conta uma amostragem de 420 famílias, distribuídas entre os principais municípios produtores de uva no Estado. Os dados são colhidos por meio de questionários enviados às propriedades. Também são considerados os preços dos insumos no mercado. O valor final é separado entre custo fixo e custo variável.

Ricardo Franzoi, do Dieese. Foto: Lucas Araldi

O economista do Dieese, Ricardo Franzoi, já realiza a análise há mais de 20 anos e neste período percebeu que alguns indicadores tiveram mudanças estruturais. “Anualmente, nós avaliamos os dias de mão de obra, que representam maior valor no custo de produção. Na medida em que foram introduzidas novas tecnologias, hoje temos tratores e mais insumos, o valor da mão de obra diminuiu”, analisa. Além disso, ele observa que o custo levantado pelo Dieese cada vez mais tem se aproximado do preço definido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Esse estudo é apresentado todos os anos para os sindicatos da região, que podem utilizar os dados para negociar com a indústria ou reivindicar aumento do preço mínimo ao Governo Federal. “Os indicadores são relativos às máquinas, insumos e valor de mão de obra. Também se considera o transporte da produção e o juro”, esclarece Franzoi.
A defasagem do preço mínimo para o custo de produção a partir do cálculo do Dieese é de 33,82%. Os agricultores podem ter acesso integral aos cálculos no Sindicato dos Trabalhadores Rurais, no bairro São Francisco, em Bento.

 

Custo de produção no estudo da Farsul é de R$ 1,58

Na opinião do economista da Farsul, Rui Silveira, que também apresentou um estudo no Sindicato, a metodologia se distancia em alguns aspectos do cálculo do Dieese. O levantamento de dados foi feito pela Universidade Federal de Lavras, de Minas Gerais, e o custo de produção ficou em R$ 1,58, o que representa uma defasagem de 72% do preço mínimo atual. “Isso é para pagar as depreciações e se manter ao longo do tempo remunerando esse capital”, esclarece o economista.

Rui Silveira, da Farsul. Foto: Lucas Araldi

O levantamento da Farsul busca estabelecer as características da propriedade típica da região, por meio de um painel com produtores que contribuem para preencher as planilhas que fundamentam a análise. “Se a gente pegar a produção total da região, a maior parte é alimentada pelo que? Qual tamanho, qual característica?”, questiona. As informações são colhidas em nível nacional, e não apenas nos municípios do Rio Grande do Sul.
Sobre a discrepância dos resultados se comparado ao Dieese, Silveira considera que não é absurda e que é consequência de ambos estudos trabalharem com perfis de propriedade diferentes. Com relação aos cálculos da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), que determinaram R$ 0,58 de custo de produção, o economista comenta que o valor está muito aquém da realidade. “O caso dessas outras metodologias, que o resultado foi absurdamente diferente, acredito que seja problema de metodologia. Ou ela está muito ultrapassada, muito defasada, ou pode estar com problema de não apurar algumas pontos de maneira correta”, avalia.
Um dos pontos destacados pelo economista é a possibilidade dos agricultores fazerem suas próprias planilhas, o que pode ajudar na negociação individual com empresas. “Tem caráter didático, para os produtores aprenderem a trabalhar com custos e números”, comenta. A planilha está disponível no Sindicato Rural da Serra Gaúcha, no bairro Cidade Alta, em Bento Gonçalves.

“Compramos em dólar e recebemos em real”, critica produtor

O agricultor Marcio Longo, 43 anos, da Linha São Miguel, não participou da reunião do Sindicato, apesar de compartilhar dos mesmos problemas. “Nós estamos comprando insumos em dólar e recebendo em real”, lamenta. Sua produção média é de 230 toneladas de uvas para suco, sobretudo niágara e bordô.

Longo relata que custos sobem, mas preço está estagnado. Foto: Lucas Araldi

De acordo com ele, os custos com diesel, manutenção de maquinário, mão de obra e outras despesas subiram, mas o preço mínimo da uva continua estagnado. “Está chegando em um ponto que nós não sabemos até quando podemos suprir isso. Nosso lucro está muito reduzido”, afirma. Longo relata que em períodos de intempéries climáticas, como aconteceu neste ano, os custos também aumentam.
Segundo ele, é necessário uma política no setor para valorizar o agricultor. “Tem o problema da carga tributária, mas acho que as empresas também não valorizam o produto final. Se for pelo custo de produção deles, o produtor vai trabalhar para não ganhar nada”, analisa.

Sindicatos discutem soluções

No momento, a prioridade do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Cedenir Postal, é encontrar consenso sobre qual dos indicadores apresentados deve ser considerado como parâmetro para reivindicar o preço mínimo. “Nós precisamos nos reunir para discutir o assunto. Apesar de serem valores próximos, têm diferença”, avalia.
Postal se diz aberto ao diálogo e entende que as vinícolas dependem dos produtores e vice-versa. “Um não consegue sobreviver sem o outro. Não adianta o produtor ter sua produção se ele não consegue se manter, não consegue renovar seus parreirais. Ele precisa ter sobrevivência do negócio”, comenta. A partir da reunião, também será encaminhado um documento à Brasília,para cobrar
um preço mínimo mais alto antes da decisão final do Governo Federal.
Sobre a redução na carga tributária, Postal considera uma alternativa viável, já que os vinhos importados entram baratos no Brasil. “Isso foge da nossa abrangência, porque depende de decisão política. Mas o mínimo que a gente espera é que se houver redução, que ela seja repassada para os agricultores”, comenta.
Para o presidente do Sindicato Rural da Serra Gaúcha, Elson Schneider, é necessário ter entendimento entre toda cadeia produtiva sobre os custos de produção. “Como não podemos criar barreiras de ingresso dos vinhos estrangeiros no país, o governo tem que tomar providências. Um preço razoável para todas as partes seria R$ 1,30”, avalia. Como forma de solucionar o problema, Schneider propõe diálogo com as entidades representativas das vinícolas.
Na base, ambos sindicatos estão trabalhando juntos, mas em Brasília as agendas ainda encontram diferenças. “Nós precisamos dar continuidade a essa agenda. Vamos ter novidades”, aponta.

Embrapa pede união no setor

Para o economista da Embrapa Uva e Vinho, Joelson Lazzarotto, os levantamentos apresentados mostram que o setor vitivinícola precisa equacionar a relação de mercado entre produtor e indústria. “Nós precisamos pensar em sustentabilidade no longo prazo. O produtor vai continuar existindo, os filhos vão assumir as propriedades e vão expandir produção de uva. Do outro lado, a indústria vai continuar crescendo, ofertando vinhos e espumantes. Se um elo desses quebrar, o setor acaba. Um depende do outro”, analisa.