No meu tempo de guri e juventude algumas coisas me afetavam emocionalmente. Vou falar sobre elas. Lá no Barracão City eu tinha tarefas específicas. Uma delas era espantar as lebres batendo latas, até elas pularem uma taipa, e os caçadores, na espreita, abaterem os bichinhos. Eram predadoras e acabavam com as hortas. Eu não gostava muito de ver aqueles bichinhos pendurados no pátio da casa do meu avô, onde morávamos. Outra tarefa ingrata era, uma vez por ano, espantar os gafanhotos que escureciam o céu em sua revoada e, nos rasantes, faziam tudo virar terra arrasada, como se a bomba de Hiroshima tivesse caído sobre o Barracão. Fazendo barulho com batidas na lata, se conseguia salvar alguma coisa. A destruição me deixava triste, embora os gafanhotos e as lebres precisassem comer, sem se importar com os reflexos. Esses dias encontrei um amigo que, na sua infância, também espantava gafanhotos. Já na cidade, meu pai tinha uma alfaiataria e uma loja de roupas (chapéus Prada, sapatos de cromo alemão importado, gravatas de seda, camisas tannhauser) conceituada e chique.

O Esportivo, na época, disputava o campeonato da segunda divisão, a competição classificatória era regional, Fortes e Livres de Muçum, Encantado, Roca Sales, Lajeadense, Santa Cruz, Esportivo. Se o Esportivo ganhasse, a segunda feira era festiva na loja: vitória contra o Fortes valia um par de meias para cada jogador, vitória contra o Lajeadense (do milagroso goleiro Assis, e do carniceiro zagueiro Edvi) valia uma camisa para cada jogador. A entrega dos prêmios era uma festa nas segundas de manhã. Lembro das presenças constantes de Casquinha, Glenio, Julinho, Valduga. Quando o Esportivo perdia meu pai ficava muito triste e isso me afetava. Quando o Inter perdia, meu pai chorava e isso me abalava. Meu pai era um grande jogador de bochas, disputava torneios regionais, eu assistia, torcia. Via de regra ele ganhava, mas às vezes perdia e eu entrava numa tristeza danada. Essa ligação do meu pai com o Esportivo e com o Inter era coisa de sangue, de pele, talvez tenha sido dessa ligação que, aos 19 anos, fui parar como Vice Presidente de Administração do Esportivo, com Ênio Andrade como técnico.

Virei colorado de tanto ver meu pai chorar diante de derrotas. A pedido dele, inclusive, coloquei no porta-malas do DKW um saco de cimento, levei em mãos o valor equivalente a 100 tijolos e parti para uma missão de guerra: ir até a beira do Guaíba e entregar, na guarita, o cimento e o dinheiro dos tijolos. Numa casinha de madeira de 1mx1m, um guarda me atendeu, gentilmente descarregou o cimento e eu perguntei, com a água do Guaíba quase batendo nos meus pés: onde vai ser construído o estádio? Ele apontou para uma boia lá no meio do rio, vermelha e disse: lá onde está aquela boia. Voltei para Bento “meditabundo” e “circunflexo”, pensando em como dizer isso ao meu pai.

Chegando em casa, cumpri a missão dizendo nada delicado: “pai, nunca que esse estádio vai ser construído…como vão tirar aquele rio de lá? O estádio vai ser construído um quilômetro dentro do rio, nunca vão conseguir”. Meu pai chorou três dias seguidos. E surgiu o Beira Rio. O Esportivo voltou para a primeira divisão, se vivo meu pai estaria exultante. Testemunha do amor dele para com o Esportivo está numa foto, em que ele aparece, de terno e gravata, ao lado da elite social de Bento, no pavilhão do estádio, localizado em um terreno da família Salton. Não tem como tudo isso sair de minha cabeça, compartilho com meus leitores. A propósito registro que os gafanhotos, que me deram tanto trabalho, desapareceram, mas as abelhas também estão desaparecendo e isso é grave.

DESASTRE ECOLÓGICO

Quando era jovem, uns 28 anos, comprei um sítio. Embora não tivesse ideia de possuir um sítio, tive que comprá-lo diante do preço, condições e condicionamento psicológico a que fui submetido. Contratei um caseiro, fiz uma parceria. Um belo dia, cheguei e disse: vamos colocar umas doze caixas de abelha, produzir mel em parceria: eu compro a madeira, o senhor faz as caixas, consegue as abelhas, cuida e nós dividimos o mel meio a meio. E assim se fez, me lambuzei por alguns anos e, de repente, não mais do que de repente, desapareceram as abelhas e as caixas. Eu cobrei: cadê todo mundo? Ele disse: dava muito trabalho, desmanchei as caixas e aproveitei a madeira. As abelhas davam muito trabalho, vai ter caseiro assim! Senti falta daquelas abelhas fazendo revoadas (nada de gafanhotos) e trabalhando.

Agora vejo com preocupação as notícias alarmantes de que as abelhas estão desaparecendo da face da terra, “meu ex-caseiro deve ter corrido o mundo”. A Earth Wathch Institute de Londres declarou, recentemente, que as abelhas são as espécies mais valiosas do mundo e apresentou teorias sobre o porquê do seu desaparecimento, entre os quais: ruído decorrente de sua atividade laboral, contaminação das colmeias, pesticidas nas lavouras. Assim, no mundo inteiro começa a se processar uma ação humana no sentido de salvar abelhas.

O Conselho Municipal da cidade de Brent, em Londres, resolveu instituir um corredor de 11 quilômetros de flores silvestres em parques e espaços verdes, com o objetivo de atrair polinizadores, especialmente abelhas. Temos que fazer a nossa parte, assim eu sugiro ao Prefeito que baixo um DECRETO COMUNITÁRIO, com o seguinte teor: 1 – O Poder Público não venderá mais áreas verdes, as que ainda não foram vendidas serão floridas; 2 – O Vale dos Vinhedos deverá ser florido em toda a extensão de sua avenida principal que passará a ser denominada de “AVENIDA DAS ABELHAS” e o Rio Pedrinho, que banha o vale, será despoluído para evitar a contaminação das abelhas; 3 – As vinícolas do Município deverão, em troca de favores fiscais, estimular seus fornecedores a criarem abelhas em suas propriedades; 4 – As residências de Bento, que criarem abelhas, terão desconto no imposto territorial e predial em decorrência da produção do próprio mel consumido; 5 – Todo o proprietário de sitio rural deverá ser, obrigatoriamente, sob pena de multa, criadouro de abelhas; O tratamento de parreirais e árvores frutíferas só poderá ser feito até 500 metros das casas das abelhas e não poderá ser feito em dia de vento e/ou perto de córregos. O restante dos itens pertinentes fica por conta da imaginação ou sugestão do meu leitor porque o espaço da coluna acabou. Abelha não é gafanhoto, que embora predador tem sua importância também no equilíbrio, mas salvem as abelhas, elas salvam a humanidade.

Fotos: Reprodução Google