Há 14 anos à frente da vinícola Don Giovanni, o empresário vem desempenhando um papel fundamental, não somente na empresa, como também na UVIBRA, e no Instituto de Desenvolvimento da Uva, do Vinho e do Suco de Uva do Rio Grande do Sul (CONSEVITIS-RS)
Formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com especialização em Indústria e um MBA Executivo em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas, Daniel Panizzi iniciou sua carreira como farmacêutico. Seu caminho profissional, que também inclui um Programa de Desenvolvimento de Dirigentes (PDD) pela Fundação Dom Cabral, foi profundamente alterado em 2010. “Eu trabalhava na área hospitalar e na indústria farmacêutica, mas a necessidade de alguém que pudesse assumir a vinícola da família me trouxe para cá. A minha esposa Fábia é uma das proprietárias, junto com dois irmãos e os pais. Diante dessa necessidade, fui convidado a assumir a vinícola e deixei minha profissão para trás,” explica Panizzi. Desde então, ele tem liderado a Don Giovanni com um foco em excelência e crescimento sustentável.
Metas e objetivos
Em uma história que já chega na quarta geração da família Giovanni, a vinícola ocupa um espaço de 50 hectares, dos quais 14 são de vinhedos. A produção tem foco nos espumantes, levando em consideração que Pinto Bandeira é um território que proporciona a produção das uvas Chardonnay e Pinot Noir.
Sob direção de Panizzi, apresentou um crescimento quatro vezes maior nos últimos 15 anos. A produção, que girava em torno de 40 mil unidades por ano, passou para aproximadamente 150 a 160 mil garrafas. “O crescimento é um reflexo do trabalho contínuo, de consolidação, feito safra após safra”, diz. O objetivo principal, é posicionar a Don Giovanni como um grande produtor de vinhos e principalmente, os espumantes.
A vinícola se tornou um nome proeminente no Brasil e é referência no Rio Grande do Sul, especialmente após o município de Pinto Bandeira conquistar a primeira denominação de origem exclusiva para espumantes, elaborados pelo método tradicional do Novo Mundo.
A Denominação de Origem (DO) é uma certificação concedida a produtos que possuem características específicas e qualidades distintas devido ao seu local de origem geográfica. Essa certificação é comumente utilizada para vinhos, queijos, azeites e outros produtos alimentícios. Panizzi explica que isso só foi possível no município devido a constância na qualidade da safra, ano após ano. “Iniciamos um processo de estudo onde comprovamos essa consistência, depois de um período a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) certificaram”, conta. A partir disso, o produto, que é o espumante feito das uvas Pinot e Chardonnay, passou a ter reconhecimento nacional e internacional. “As denominações de origem certificam muitas regiões no mundo, como Portugal, França, Itália, que possuem muitas DOs, que comprovam um estilo próprio para determinada região, baseado em matérias específicas”, explica.
Desafios do Mercado Brasileiro de Vinhos
Panizzi observa que, a partir dos anos 2000, a qualidade da vitivinicultura brasileira melhorou significativamente, permitindo que os vinhos nacionais se equiparem aos de regiões tradicionais do mundo. “Nós começamos a ter um olhar mais delicado e crítico em relação a produção de uva, porque da matéria prima de qualidade conseguimos fazer um vinho de qualidade, hoje não temos mais medo de abrir garrafas”, conta.
Contudo, a questão da competitividade de preços é um obstáculo que permeia o mercado. “Hoje temos países com isenção tributária para entrada no Brasil e outros com impostos internos que chegam apenas a um terço do que é pago pelo produtor brasileiro,” explica. Segundo ele, é necessário um olhar no que diz respeito à tributação e ao custo de produção, pois, se na qualidade os vinhos brasileiros estão lado a lado com os estrangeiros, nos preços, eles saem em desvantagem. Ele fala de países que enxergam o vinho como um complemento agroalimentar e possuem um subsídio para a produção, o que não acontece no Brasil. “Quando a gente fala em subsídio, a gente tem que olhar para agricultura familiar, hoje nós estamos falando em praticamente 20 mil famílias que produzem uva, e são famílias com pequenas propriedades, que variam de dois a três hectares. Elas dependem dessa produção para o seu sustento”, acrescenta.
A questão econômica e social está na base da cadeia vitivinícola, que movimenta em torno de 70 setores, segundo Panizzi. Ele também destaca a necessidade de políticas públicas que considerem o vinho como um complemento agroalimentar e que apoiem a agricultura familiar, crucial para a produção de uvas no país.
A nível nacional, o dirigente vê o Brasil como um país de empreendedores, que nunca perdeu sua capacidade de prosperar, apesar dos diversos cenários econômicos já enfrentados. Para ele, o problema reside na base da cadeia produtiva: a agricultura. “Os filhos dos agricultores, que testemunharam as dificuldades enfrentadas pelos pais, muitas vezes veem no exterior ou nas grandes cidades uma promessa de vida mais tranquila. Contudo, é essencial manter o vínculo com a produção rural, valorizando o contato com a terra e os bons empreendimentos que ela pode proporcionar. A indústria, por sua vez, é fundamental para transformar essa base agrícola, fazendo a roda da economia girar novamente”, declara.
UVIBRA e CONSEVITIS
A União Brasileira da Vitivinicultura (Uvibra) é uma entidade com 56 anos de história e desempenha um papel fundamental na história da vitivinicultura no Brasil. Atualmente, ela representa os vinhos finos e espumantes, e tem como pilares principais: cultura, promoção e legislação. Como presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra) e vice-presidente do Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS), Panizzi tem um papel ativo na promoção e defesa dos interesses do setor, ele destaca o papel que a Uvibra vem desempenhando em relação a Reforma Tributária, especialmente no que tange à unificação dos impostos e a possível inclusão do vinho no chamado imposto do pecado. “Nosso receio é que o vinho brasileiro, principalmente o gaúcho, seja mais uma vez penalizado e se torne menos competitivo,” alerta.
Esse trabalho vem sendo feito pela Uvibra há 12 meses, dentro do Congresso e Senado, a fim de mostrar as dificuldades do setor. Panizzi destaca que a falta de competitividade nos preços e o aumento tributário podem trazer sérios problemas. “Hoje, nós temos produtos sem nenhuma certificação de origem, por muitas vezes falsificados. O aumento tributário faz com que o descaminho e o contrabando exista, e a isso vira uma questão de saúde pública”, alerta.
A Uvibra também faz parte do Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul – CONSEVITS RS. Esse instituto engloba produtores de uva, cooperativas e a indústria, sendo um fórum onde se discutem as necessidades de toda a cadeia vitivinícola. O foco está em garantir qualidade, educação aos agricultores sobre tendências e necessidades da indústria, e discutir aspectos tributários e legais para oferecer um produto de qualidade, seguro e acessível, especialmente em termos de competitividade de preço.
Reforma Tributária
A unificação dos impostos é crucial para o crescimento do setor, segundo o presidente. Atualmente, os diferentes estados têm regimes de tributação distintos, o que complica para empresas do Rio Grande do Sul que despacham produtos para outras regiões, como São Paulo ou Minas Gerais. Cada Estado tem suas próprias regras, criando uma complexidade similar à de operar em vários países. A unificação através do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) é fundamental para simplificar as transações e negociações entre territórios.
No entanto, há preocupações quanto ao possível aumento de tributos com a reforma. O vinho, que em muitos países é considerado um alimento com benefícios para a saúde quando consumido moderadamente, está sendo tratado aqui apenas como um produto alcoólico. Para Panizzi, é essencial reconhecer o vinho como uma bebida milenar, com comprovados benefícios à saúde, e não apenas como álcool. A agricultura familiar também está por trás da produção de vinho, e essa dimensão deve ser considerada também.
Enoturismo na região
Pinto Bandeira é conhecida historicamente como a capital estadual do pêssego de mesa, tem uma forte tradição na fruticultura, com a uva desempenhando um papel importante nesse contexto. A conquista da DO consolidou o município como um importante polo de espumantes no cenário global e traz um olhar estratégico para o futuro da região, atraindo investidores e novos moradores.
O enoturismo é uma ferramenta crucial para o setor vitivinícola, sendo essencial para muitas vinícolas da região. “É um pilar significativo da economia do Rio Grande do Sul, mesmo para vinícolas que não são diretamente dependentes do enoturismo, a influência desse setor é considerável. Não há região vitivinícola no mundo que não se beneficie do enoturismo. Ele permite que os visitantes se conectem com a produção, experimentando o processo desde a vindima até a mesa”, comenta Panizzi. Esse contato direto com a agricultura e a produção do vinho transforma os visitantes em apreciadores e fãs do produto, proporcionando uma nova perspectiva sobre o trabalho envolvido na criação de uma garrafa de vinho. “A pessoa que vem nos visitar e vive toda essa energia que o vinho transmite, sai daqui com outra visão. Ele vira um fã, não só do produto da região, mas do vinho, porque entende o quanto é difícil o trabalho por trás de uma garrafa até chegar na mesa do consumidor”, declara.
Além disso, o enoturismo impacta diversos setores. “Como gastronomia, hotelaria, transporte público e privado, e também investimentos públicos, ampliando a influência da cultura do vinho para fora da região produtora”, acrescenta.
Inovação
Embora o processo de inovação e qualificação da mão de obra seja gradual, o objetivo é trabalhar com um produto de excelência. À medida que a oferta e a demanda se ajustam, a escassez de variedades específicas, como a uva Chardonnay e Pinot Noir, pode elevar os custos e incentivar novos produtores a investir nessas variedades. “Com a consolidação da DO, esperamos um aumento no consumo e na demanda por essas uvas, o que também incentiva o investimento na indústria, promovendo a aquisição de novos equipamentos e a melhoria dos processos para garantir um produto final de maior qualidade”, afirma. Como uma matéria prima que leva cerca de três anos para ser colhido o primeiro cacho, Panizzi destaca que os produtores devem se planejar a longo prazo.
Expectativas para o futuro
As recentes catástrofes ambientais no Rio Grande do Sul tiveram um reflexo significativo, especialmente no enoturismo. “A situação no vale do Rio das Antas e no vale Taquari trouxe um impacto muito grande para a nossa região, além do que aconteceu na Região Metropolitana, com aeroporto fechado, barreiras nas estradas, que acabou com a acessibilidade a nossa região”, diz. O impacto sofrido não foi relacionado a perda estrutural, mas sim a perda total do enoturismo no mês de maio e que ainda está sendo sentida. “Os números estão muito abaixo do previsto e do que tivemos em julho do ano passado também”, relata.
O empresário prevê meses complicados. “Sem dúvidas vai ser muito difícil até o final do ano, com perdas que não temos como recuperar. Então é muito trabalho pela frente. Entender de que forma vai se comportar a questão do turismo, mas de fato, estamos com as empresas aptas e em operação 100% para receber essa retomada o quanto antes”, declara.
Para isso, ele destaca que é necessário que os voos de Porto Alegre sejam retomados o quanto antes, pois é o pulmão que a região precisa para voltar a respirar bem. “Precisamos que esse luto passe e que as pessoas voltem a nos visitar o mais rápido possível”, indica.
A Don Giovanni continua a investir em inovação e expansão. Além da produção de vinhos e espumantes, a vinícola oferece uma variedade de experiências de enoturismo, desde degustações tradicionais até verticais de vinhos antigos. “Temos uma pousada com sete apartamentos e uma cabana gourmet próxima aos vinhedos, além do restaurante Nature Vinho e Gastronomia, com o chef Rafael Jacobi,” destaca Panizzi. Ele vê a vitivinicultura brasileira em um momento crucial de transição e crescimento. Com desafios significativos, como a competitividade de preços e a necessidade de políticas públicas de apoio. O setor ainda tem muito potencial para se desenvolver e ganhar reconhecimento mundial. “Acreditamos que com um olhar mais crítico e políticas adequadas, o Brasil pode se consolidar como um grande produtor de vinhos de qualidade”, conclui.
- Foto; divulgação ↩︎