Projeto da Marinha Brasileira proporciona de forma inédita a possibilidade de alunos do curso de Ciências Biológicas da UCS e do Campus da Região dos Vinhedos participarem de uma experiência de campo a bordo de um dos navios de pesquisa mais modernos do mundo

De malas prontas e cheia de expectativas, a bento-gonçalvense Julia Lima espera ansiosa por àquela que deve ser uma experiência de vida única. Nesta quinta-feira, 7 de março, a estudante de Ciências Biológicas do Campus da Região dos Vinhedos da Universidade de Caxias do Sul (UCS Carvi) deixa a terra firme para embarcar em uma viagem de 22 dias pela costa carioca, a bordo do Navio de Pesquisa Hidroceanográfico (NPqHo) Vital de Oliveira, o quinto maior laboratório flutuante do mundo. Julia integra, junto com mais três alunos, a última etapa de uma iniciativa inédita desenvolvida pela universidade junto à Marinha do Brasil, com o objetivo de desenvolver pesquisas de campo.

O projeto integra o Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac), conduzido pela Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil, que visa estabelecer o limite exterior da plataforma continental brasileira, realizando uma extensa série de estudos do ecossistema marinho e coleta de dados geofísicos. “O principal objetivo desse mapeamento e reconhecimento vai ser a realização do controle de exploração e aproveitamento dessa área com uso racional, respondendo a normas da Convenção das Nações Unidas”, explica Raquel Balestrin, coordenadora do curso de Ciências Biológicas do UCS Carvi.

Além do grupo que parte em março, outros dois já participaram: o primeiro, com oito alunos, saiu em janeiro, indo do Rio de Janeiro até Itajaí, em Santa Catarina; enquanto o segundo, com dois participantes, fez o caminho inverso, totalizando assim, 14 alunos da UCS e da UCS Carvi em três “pernadas”. As turmas da universidade gaúcha foram as únicas de fora do Rio de Janeiro a participar do projeto. Além deles, também participam estudantes e pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), enquanto representantes da comunidade científica nacional.

Experiência profissional e de vida

Se a ideia de estar mais de vinte dias confinado e rodeado somente por água, pode assustar a princípio, as recordações e a vivência fazem tudo valer a pena. Pelo menos, isso é o que afirma a estudante bento-gonçalvense Kétini Baccin, participante da primeira “pernada”. Para ela, o espanto e a certeza de que estaria participando de algo transformador se deu antes mesmo de zarpar. “Eu nunca tinha estado em um navio, então foi um choque ver o tamanho da embarcação e também o quanto ela era moderna e bem equipada. Eu estava com muito medo, é uma experiência muito diferente em alto mar tanto tempo, mas era uma oportunidade que eu não podia deixa passar”, comenta.

Uma vez em água e acostumada com a ideia do confinamento, o contato com as tecnologias e o trabalho em equipe é o que lhe chamou a atenção. Conforme conta, os estudantes eram responsáveis, essencialmente, pelo monitoramento dos computadores do laboratório seco (onde estão instalados os equipamentos que não podem se molhar; o navio conta ainda com laboratórios “molhados”, equipados para coleta de água e outros materiais), em um trabalho incessante e diário. “Houve semanas que a gente trabalhou quatro horas por dia, e outras por duas horas, sem parar nunca. Nos dividíamos em grupos para cobrir as 24 horas”, lembra.

Sobre os monitoramentos, pontua os diferentes tópicos estudados e equipamentos com os quais trabalharam. “A gente cuidava dos dados de um equipamento que faz a leitura do relevo para criação da carta náutica, que é em base a imagem do fundo por onde o navio navega. Além disso, também fazíamos a monitoria do ‘subbotton’, aparelho que mede a profundidade oceânica e também delimita os tipos de camadas do solo, se é areia ou argila, por exemplo”, explica.

Para Raquel, o programa é uma possibilidade dos alunos vivenciarem uma experiência que nunca seria possível em sala de aula, proporcionando crescimentos de ordem profissional, bem como pessoal. “Afora de se envolverem na coleta de dados e processamento de um projeto tão importante de uma instituição como a Marinha, quem participa fica extasiado também pelos valores que vão além da academia: os contatos feitos, a união entre quem participa”, destaca.

Para além da evolução pessoal e profissional, no entanto, as recordações únicas proporcionadas pelo alto mar, agora eternizadas em fotografias, também são experiências para a vida, como lembra, nostalgicamente, Kétini. “Nunca vou esquecer como são as estrelas, o nascer e o pôr do sol em meio ao oceano. O horizonte e mesmo as tempestades, tudo era muito lindo. É de tirar o fôlego”, enaltece.

Queremos mostrar o que estamos desenvolvendo e também um pouco do que é a vida no mar, e o projeto está sendo importante para isso. O resultado das duas primeiras ‘pernadas’ superou todas expectativas que tínhamos de aceitação e cooperação dos alunos, para nós essa aproximação com eles é muito gratificante

Luiz Carlos Torres, comandante da Marinha

 

Há dois dias do embarque

                Se o sentimento de quem fez parte das duas primeiras pernadas, em janeiro e fevereiro, é de êxtase, o de quem ainda está por embarcar é de ansiedade. Há dois dias de participar do projeto, Julia não esconde as expectativas. “É a primeira vez que vou participar de uma pesquisa de campo. Já fiz bastante laboratório, mas nada relacionado ao oceano, então estou bem animada pela experiência que vou ganhar nesse estágio. Vão ser 22 dias isolada, coletando dados e aprendendo muito”, projeta.

 

Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira

O LEPLAC é um programa do Governo Brasileiro instituído pelo Decreto n° 98.145/1989, com a finalidade de estabelecer juridicamente o limite da Plataforma Continental Brasileira além das 200 milhas da Zona Econômica Exclusiva (ZEE), em conformidade com os critérios assinalados pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ratificados pelo Brasil.

O país espera ter o reconhecimento internacional de direito sob uma área de aproximadamente 900.000 km², uma faixa equivalente à soma das áreas dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Somados aos 3.539.919 km² da ZEE, o Brasil incorporaria a sua jurisdição uma zona marítima de tamanho superior à metade de seu território continental, sobre a qual teria respaldo para exploração e aproveitamento dos recursos minerais marinhos.

Navio Vital de Oliveira

Vital de Oliveira, o quinto maior laboratório flutuante do mundo (Foto: Marinha do Brasil, Divulgação)

O Navio de Pesquisa Hidroceanográfico (NPqHo) Vital de Oliveira é uma embarcação pertencente à Marinha do Brasil, equipada para pesquisas oceanográficas em Geologia e Biologia.

Entregue em 24 de março de 2015, com o custo de R$ 162 milhões, o navio de 78 metros de comprimento conta com cinco laboratórios, sendo dois “molhados” e três “secos”. Possui ainda 28 equipamentos científicos capazes de mapear dados da atmosfera, oceano, solo e subsolo marinhos, sendo o quinto maior laboratório flutuante do mundo e o maior do Brasil.