Um das melhores recordações, na infância, era quando meu avô – nono Francisco Rasador , conhecido por Berto – convidava os netos para fazer a pisa de uma pequena parcela de uva, pois, anualmente, fabricava seu vinho artesanal, o qual era guardado às setes chaves em uma pipa no porão de sua casa.
De fato, não faltam histórias sobre o quanto tal pipa de vinho era cortejada e igualmente vigiada pelo nono, pois este sabia exatamente quanto lá restava a cada girar da chave ao trancar aquele pequeno cômodo do porão, razão pela qual ser agraciado com um garrafão de palha com aquele vin del tchodo – assim conhecido na pronúncia do dialeto talian – era para poucos amigos.

Tal vinho servia o nono e a família o ano todo e, quando ia visitá-lo, por uma questão de costume, colocava um pouquinho de vinho na sopa de capeletti dos netos, pois dizia que era para dar melhor gosto e cor a ela…

A bem da verdade, este argumento não convencia a vó – nona Ermida – a qual, a beira do fogão a lenha, enquanto fazia a poleta brustolada pular amarelinha, criticava tal atitude pelo fato de sermos crianças, mas não sem receber uma réplica, pois lá vinha o nono com um sorriso de canto, seguido de uma piscadela, “ainda faz bem para o coração”, quem sabe já antevia ele uma das correntes da medicina.
Talvez essa experiência e memória afetiva com o vinho, literalmente, na sopa, tenha me tornado um apreciador desta bebida contadora de histórias, sem excessos, é verdade, mas fazendo do degustar calmamente uma terapia da alma, imaginando estar viajando pelas terras e cultura de onde tal líquido precioso sorveu suas qualidades sempre impares, diga-se, inigualáveis deste planeta de mesmo nome.

Embora possa dar a impressão, não tenho qualquer formação em vinhos, entretanto, confesso, o vinho sem qualquer interesse, porém como convidado de honra, por muitas vezes tem sido testemunha de momentos inesquecíveis na maturação de minha vida. Seja em família, seja na companhia de amigos, o som do tilintar de copos embala lembranças que jamais envelhecem.

Dessa relação sempre inocente, porém, condenada por muitas vezes atrasar o jantar, a bebida dos deuses tem causado a demora na área de vinhos nos mercados ou ainda em adegas, admirando rótulos, seus desenhos, nomes dos mais criativos, pois não há como negar a curiosidade despertada pelo saber das razões de tal “batismo”.

Aliás, muitos rótulos são mais que o “DNA e RG” de seu conteúdo; com a liberdade poética que me socorre, são livros de um só retrato ou só uma página, como queiram, os quais de uma forma clara ou enigmática, trazem consigo homenagens, fatos pitorescos e sempre uma história além da cola que lhe aprisiona na garrafa.

E assim, diante do que vivemos recentemente, por maior que seja a crítica que possa despertar aos abstêmios, os quais respeito, imaginei ver no caminho das prateleiras dos melhores vinhos del mondo, como de fato o são, agora também com rótulos estampados com a bandeira de nosso Rio Grande do Sul e, em alto relevo, palavras como fé, coragem, esperança, união, trabalho, solidariedade, humanidade, enfim, RECONSTRUÇÃO; certamente, mais do que rótulos, uma seleção especial e histórica que identifica nossa origem, nossa cultura e os valores de um povo que venceu a água também com vinho.

Vamos em frente!