A maioria das obras são de produtoras independentes ou oriundas de disciplinas de universidades da região
A Serra Gaúcha vem se tornando um polo cultural. No setor da animação, já são mais de 50 produções, seja de cursos em universidades ou produtoras independentes da região.
A produção mais recente se trata da obra “A Lenda da Bombacha”, com direção de Daniel Vargas e direção de arte de Roberta Tiburri. O filme faz parte de um projeto transmídia, a partir do livro da escritora Gisela Cardoso, lançado em 2023. Ela conta que foi muito emocionante acompanhar o processo de adaptação do livro. “Quando o Daniel Vargas propôs para que o projeto que, inicialmente, seria de um livro ilustrado, fosse ampliado para virar um filme, achei que ele estivesse brincando. Mas não! Para minha surpresa, ele e a Roberta Tiburri, cenografista e companheira do Daniel, tinham sido realmente tocados pela história e sentiram nela um potencial para algo muito maior do que um projeto literário. Dessa forma, “A Lenda da Bombacha” virou um projeto transmídia”, conta.
A autora revela que a ideia do livro partiu de um sonho e que se sente emocionada com todo o processo que levou ao curta. “Para completar ainda mais a emoção que acompanha a história, contamos com uma trilha sonora original que foi composta pelo Pedro Costi, meu filho (piano e violão) e pelo nosso produtor cultural, Rafael De Boni (gaita)”, complementa.
A adaptação, de aproximadamente três minutos, conta a história de amor de um casal de jovens gaúchos. Durante seus planos de casamento, eles precisaram se separar a fim de economizar recursos para começar a vida juntos. Porém, a Guerra do Paraguai torna-se o maior empecilho entre eles.
Daniel Ignacio Vargas, diretor do curta conta sobre o processo de realização. “Primeiro adaptamos o roteiro, depois pensamos e construímos os cenários no papel, e foi saindo e sendo fotografado. Ficamos seis meses fazendo isso. Em média, cada cena demorava três dias. E foi bem complexo e puxado, mas ficamos felizes com o resultado. A gente foi selecionado no Festival de Cinema de Canoas, e isso dá uma visibilidade para o projeto também”, comenta.
Nas universidades
A Universidade de Caxias do Sul (UCS), por meio de seus cursos de Criação Digital e Jogos Digitais, tem sido um ponto de partida para muitos jovens que sonham em dar vida às suas ideias no formato de animações.
Marcelo Fardo, coordenador dos cursos, vê um cenário promissor e cheio de oportunidades. “A Serra Gaúcha ainda tem muito espaço para crescer no que se refere à Indústria Criativa. A animação encontra terreno para atuação em muitos setores, dentre eles publicidade, cinema, games, entre outros. É uma área ampla e cheia de possibilidades”, destaca.
Até hoje, foram produzidas 36 animações pelos cursos da UCS. “Nesses projetos, os alunos colocam em prática todos os conteúdos aprendidos no semestre para a elaboração deste curta: modelagem e animação 3D, iluminação, rigging, texturização, design de som, edição e composição, entre outros conhecimentos necessários para dar vida a estes projetos”, salienta.
Márcio Silvio dos Santos, ex-aluno da UCS e natural de Bento Gonçalves, relembra seu primeiro curta animado produzido na universidade. “A inspiração nasceu através de uma tirinha que vi num livro quando eu tinha uns 10 anos. A maior dificuldade foi modelar um personagem que se parecesse com o professor Marcelo”, relata com humor.
Já Rafael Meneguzzo, outro ex-aluno da universidade e que hoje trabalha como diretor de marketing, compartilha o processo do seu curta, que faz parte de um projeto transmídia. “O curta foi inspirado em um jogo desenvolvido pela mesma equipe durante a GameJam+ de 2021. Optamos pelo tema “tente não rir”, sugerido pela competição, criando uma narrativa em que a personagem Socorro, uma garçonete, precisa entregar hambúrgueres aos clientes rapidamente, apesar dos desafios inesperados. O jogo em si foi eleito top 3 na seleção da GameJam+, na etapa regional do Sul do país daquele ano”, frisa.
A UCS valoriza essa prática, como explica Fardo. “Em todo semestre, existe uma disciplina de projeto dedicada à construção de um item para o portfólio do aluno, e um desses projetos é específico de animação. Desde 2015, temos todos os curtas animados dos alunos disponíveis no YouTube”, conta.
No Centro Universitário Uniftec, animações também vem sendo desenvolvidas. “Nos últimos anos, projetos de animação realizados por alunos e ex-alunos da Uniftec em Bento Gonçalves ganharam relevância, mostrando a qualidade e o potencial da formação local. Destaca-se, por exemplo, produções realizadas como trabalhos de conclusão de curso, com temáticas que valorizam a cultura regional e aplicam técnicas modernas de animação 2D e 3D”, evidencia Marcelo Wasserman, coordenador de comunicação institucional da Uniftec e doutor em Desenvolvimento Regional e Audiovisual Brasileiro.
Outras produções
Gleison Trindade, outro artista natural de Bento Gonçalves, conta sua trajetória no mundo das animações. “Fui aluno de Maurício Sabbi, realizando o curso aqui em Bento em 2018. Me inspirei em diretores como Stanley Kubrick para entrar no mundo do audiovisual. Hoje não atuo diretamente com isso, ultimamente trabalho escrevendo um mangá e tenho uma banda, mas pretendo juntar as duas coisas e criar animações para minhas músicas. Pretendo usar a animação pra trazer a visão que penso do conteúdo da música”, destaca.
Trindade, juntamente com seu professor, é produtor do curta “O Lápis e a Borracha”. “Desenhar quadro a quadro me deixou bem próximo dos personagens. É como ver uma vida cruzando o tempo lentamente”, relembra.
Desafios e oportunidades para o setor
A falta de estúdios especializados na região ainda é um entrave. “Até onde sei, não existem muitos estúdios focados especificamente em animações”, revela Santos. Para ele, o foco regional em setores tradicionais ainda direciona os investimentos para fora da área de animação.
Porém, Fardo aponta que o cenário não é totalmente desfavorável. “Hoje existem muito mais investimentos e incentivos na área, como o Programa GameRS e a Lei Paulo Gustavo. Crescemos em um ritmo menor do que gostaria, mas é inegável que hoje existem mais oportunidades do que há 10 ou 15 anos”, diz.
Entre os desafios, também há espaço para o otimismo. “Acreditamos que a inteligência artificial (IA) é uma das tendências mais atuais na área. Mesmo com o avanço dessas tecnologias, ainda ensinamos os princípios básicos da animação, que permanecem relevantes”, acrescenta Fardo, destacando a importância de dominar os fundamentos antes de explorar ferramentas modernas.
Quando perguntado sobre o que falta para a região se consolidar como um polo criativo, Fardo é pragmático. “Talvez pela vocação principal da região ser outra, essa área acaba ficando em segundo plano aos olhos dos tomadores de decisão. Porém, seguimos trabalhando para que mais profissionais entrem nessa indústria e que novos negócios surjam”, acrescenta.
Confira algumas animações da Serra Gaúcha:
– A Lenda da Bombacha (2024) – Gisela Cardoso, Daniel Vargas, Roberta Tiburri;
– Noite no Cemitério (2023) – Arthur de Rossi Vanin, Franco Larini, Guilherme Castellan Elias e Laureen Bardini Germani;
– Mr. Kimble (2023) – Gabriela Onsi Bossardi, Gustavo Brugalli Messa de Freitas, Gustavo Tasca Pigosso e Rosa Mariana Santuario Lima;
– Pote de Schrödinger (2023) – Evelyn Richiely Soares Grilo, João Nunes Rigo e Wagner Henrique Figueiredo Carsten da Rosa;
– Pando x Tubas (2023) – Eduardo da Rosa Pintos, Henrique Cecere dos Santos, Rafael Dalepiane da Silva e William Luis Meurer;
– Cuidado com o Cão! (2022) – Marcio Silvio dos Santos e Pablo José Matias;
– Me Torrei (2022) – Enzo Carlo Mattana e Estevan de Lazzer Bordin;
– Por Um Triz (2022) – Ana Cláudia Pradella dos Santos e Bruno Cecagno Audibert;
– SCP XXXX (2022) – Amanda Martins Kuzer de Lima e Guilherme Filippi Bruscato;
– O Coração nas Mãos (2022) – Agda Maria Fronza e Victor Cortez Dos Santos;
– DEBUFFET: O Pedido de Socorro (2021) – Antônio Ciceri Herold, Juliana Mingot Scottá, Kauê Guidolin Luchetta e Rafael Meneguzzo;
– Treino Rigoroso (2021) – Érika Luísa Canuto Bonno, Jonatan Novello, Mickael José Mattos Gandolfi e Nícolas Rhay Vieira Toscan
– Futuristic Town’s Relations (2021) – Hugo Luciano de Souza, João Gabriel Tomasi, Maria Eduarda Rodrigues e Mycael Rodrigues Klein;
– Gatasma (2021) – Cristiana Siqueira Almeida, Lucas Alves Bastos
Lucas Alves Bastos, Luiz Claudio Scur da Silva e Matheus Santos Teixeira;
– The Slasher (2021) – Luis Eduardo Rombaldi da Silva, Pedro Henrique Bampi de Godoy e Rejiane Fredrez;
– Visões do Espaço (2020) – Augusto Cardoso de Moraes, Gabriel de Mari, Gustavo Dill Volkweis e Raphael Becker Policastro Alves;
– Emu (2020) – Carlos Henrique Cardoso Holderried, Gabriel Cavagnolli, Marco Carbonera de Almeida e Rodrigo Flores Natel de Camargo;
– No Alvo (2020) – Anderson Tonin Thums, Bernardo Pellicioli, Gabriel Carniel de Oliveira e Lucas Pietro Moraes;
– A Christmas Tale (2020) – Bruna Hoffmeister Tonolli, Bruna Kleimpaul Schneider, Carolina Sperb Lovatto e Ottavio Augusto Franceschini;
– Northern Hills (2020) – Bruno Silva Santos, Eduardo José Chies, Mateus Fachini Zucco e Yago Quadri Dornelles;
– Flyboys (2019) – Bruno Afonso da Silva, Francisco Fornasier Milani e Pedro Henrique Costa;
– The Mind of Horror (2019) – Augusto Cardoso de Moraes, Felipe Rossi, João Gabriel Pires Prates e Rafael Schio Vacari;
– Polygon (2019) – Anderson Coeli, Marcos Chedid, Matheus Sperafico e Thaís Linzmaier;
– Apontar dos Lápis (2019) – Gustavo Zangalli, João Pedro Bressan e Vicenzo Decarli;
– The Boat (2019) – Eduardo Motter;
– Watch Your Door (2018) – Eduarda Sophia Neumann Pereira, Évila Vanessa da Silva Vicente e Patrícia Guidini Pires;
– Um em um bilhão (2018) – Bruno Boff da Silva e Pedro Henrique Baretta;
– Missão espacial (2018) – Alex Trein Gil, Cássia Cristina Freitas do Amaral Ribeiro, Débora Mainardo Cardoso, Gabriel João Boeira Scopel, Josiel Lume, Patrick Aguzzoli Cordova;
– O lápis e a borracha (2018) – Maurício Sabbi e Gleison Trindade;
– AnimaLife (2018) – Anderson Pilati, Gabriel Carminatti Polidoro e Nathália Hoffmann Tissot;
– As Aventuras de Sabrino (2018) – Monica Mazzochi Hillman;
– PopCorn Club (2018) – Adrian Visoná, Edghard Lazarotto e Juliana Bungi Moreira Gil;
– Mimesis (2018) – Bruno Paese Pressanto e Mayara Cechinatto;
– O Ovo Dorminhoco (2017) – Bernardo Molon da Silveira, Maico Felipe Pordaro, Matheus Casali e Pedro Henrique Menegazzi;
– O Strike Perfeito (2017) – Kelyn Damin, Matheus Elias da Silva, Patrick H. R. Brusch
Sophia Garcia da Costa;
– Bateria Fraca (2017) – Gabriel Isotton Saretta, Lucas Pires Gil, Matheus Cardoso Mascarello e Ricardo Merlin Monteiro;
– O Mistério da Moeda Perdida (2016) – Gregory Perozzo, Marcos Orlando Perozzo, Railander Coradini Hermes e William Sgorla;
– Sleep Time (2016) – Adrian Visoná, João Paulo Guedes de Oliveira Vargas, Juliana Bungi Moreira Gil, Mariana Ruaro Viganó e Ricardo da Silva Cabral;
– A Armadilha (2015) – Bruno Vaz Hoffmann, Guilherme Forner de Souza, Luís Filipe Severgnini, Marcelo Mazzochi Hillman, Matheus da Rocha Montanari, Mauricio Koenigkam Santos e Roberto Canuto Spiandorello.