Curados do novo coronavírus contam como foram os angustiantes dias entre o início dos sintomas, o diagnóstico da doença e a liberação após a cura
Desde que iniciou em Wuhan, na China, há cerca de seis meses, o novo coronavírus (Covid-19) acometeu milhares de pessoas no mundo todo. Paralelo a isso, levou, até o momento, 302.493 pacientes a óbito, porém um número de quase 1,6 milhão se recuperou do quadro, segundo relatório da Universidade John Hopkins.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 80% dos casos da doença são leves e, outros 20%, graves. Em Bento Gonçalves, até o último boletim epidemiológico divulgado pelo Comitê de Enfrentamento à doença, dos 270 registros, 149 já são considerados clinicamente curados.
Um dos pacientes que passou pelo vírus e se curou é a arquiteta Cenira Mazzotti, 60 anos. Ela custou a acreditar que estivesse com coronavírus. Tanto que demorou para procurar atendimento. “Os sintomas de um resfriado começaram numa sexta-feira. Dor de garganta, tosse, depois tive um pouco de coriza. Resolvi por conta ficar em casa, até porque moro sozinha e tenho o costume de ficar em casa mesmo. Mas precisei ir à Caxias do Sul fazer um exame. Dias depois, começaram a febre, dores no corpo, diarreia, perda de paladar, de olfato, de apetite. Continuei o isolamento, durante uma semana. Só não tive falta de ar”, conta.
Naquela semana, Cenira ficou sabendo que uma pessoa com quem teve contato estava hospitalizada e tinha exame confirmado positivo para COVID-19. “Devido a isso, e como a febre era contínua, procurei a unidade de triagem do hospital. Fizeram um Raio-X e decidiram pela internação. Tive uma crise de pânico na hora, nem sei se pelo fato em si ou pela mudança de rotina repentina”, lembra.
Cenira ficou dois dias internada, em isolamento, segundo ela, muito bem assistida e monitorada, recebendo antibiótico e antitérmico. “Fui um dos primeiros casos. Nesse ponto acredito que tenha tido vantagem se formos comparar com a situação atual”, comenta.
No terceiro dia, como não tinha mais febre e o pulmão estava limpo, a infectologista Isabele Ribeiro Berti deu alta à paciente, que continuou o isolamento e o tratamento em casa. “Graças a Deus, não tive falta de ar, mas senti uma forte pressão no peito ao respirar fundo”, frisa.
Ela ressalta ainda que foram feitos dois exames em laboratórios diferentes, utilizando o mesmo método, porém, um deu negativo e o outro positivo. “Me explicaram que o negativo pode ter sido em função da data de coleta das secreções já ter ultrapassado os sete dias recomendados. Mas o resultado positivo prevalece. Então, voltei pra casa com a orientação de 14 dias de isolamento que foram prorrogados para 21. Obedeci fielmente às recomendações para minha segurança e das outras pessoas”, diz.
Cenira acrescenta, ainda, que durante os 21 dias recebeu ligações de uma médica de Família e Comunidade do Prevenire do Hospital, Madalene Meneghel Sampaio de Oliveira, que lhe questionava sobre seu estado de saúde. Completado o período, a paciente não teve mais contato com o hospital, mas afirma que está curada pois desapareceram os sintomas. “Apesar disso, continuo tendo os cuidados sugeridos pelo sistema de saúde: higienização das mãos, limpeza com álcool 70% de tudo que entra em casa, isolamento social. Uso máscara sempre que saio, inclusive nas áreas comuns do prédio onde moro. Já usava antes de ser obrigatório”, pondera.
Sobre o que mais lhe faz falta desde que o distanciamento social iniciou, e mais precisamente no tempo de isolamento devido à doença, Cenira não pensa ao responder: “A falta de contato com amigos e familiares é o que mais pesa pra mim. Sinto muita falta do convívio com eles. Mas acredito que como tudo, isso também passará. Temos que ter paciência e seguir em frente”, finaliza.
60 anos & coronavírus
O motorista Auri Teixeira da Rosa completou 60 anos fazendo tratamento para a Covid-19. Quando os sintomas começaram, nem passou pela sua cabeça que pudesse ser coronavírus. “Eu tinha trabalhado durante toda a quinta e sexta-feiras, dias 16 e 17 de abril, carregando móveis no Hospital e levando para a UPA. Tive fortes dores no corpo, mas achei que fosse pelo esforço. Decidi então ir ao PA 24 horas São Roque. O médico que me atendeu me deu tratamento de cinco dias, pediu para eu ficar em casa e, se eu não melhorasse, deveria procurar a UPA. No sábado surgiu a febre, mais dores e perda do olfato. Passei assim o fim de semana”, diz.
Na segunda-feira, 20 de abril, véspera de feriado, foi chamado para fazer um transporte e, como ele mesmo diz que “não nega trabalho, não sabe dizer não”, foi fazer o que lhe solicitaram e voltou para casa pior. “Aí começou a me dar medo. Tomei um banho e fui para a UPA, já com falta de ar. Fiquei internado na hora, no isolamento. Tive muito medo. Senti que a falta de ar aumentava, não conseguia respirar. Só via paredes, mais nada. Estava sozinho. A equipe é fantástica, incentiva a gente, dá força, mas a gente não vê saída. É ficar lá, tomar remédios e rezar”, recorda.
Após dois dias na UPA, o motorista foi transferido para o isolamento hospitalar do Tacchini, onde ficou até cinco de maio. Ele frisa, ainda, que passou por um período de testes. “Os médicos, não lembro se três ou quatro, vieram falar comigo, me explicaram um tratamento, pediram se eu aceitava. Eu disse que sim, afinal, estava sendo bem assistido e acreditei que não tinha porque não aceitar. Fui um dos testados com a hidroxicloroquina. O tratamento deles é nota 10, isso porque não tem nota maior para dar. Eles se preocupam muito. Me disseram que se eu sentisse qualquer coisa diferente, que eu tocasse uma campainha. Eles vinham me ver muitas vezes. Comecei a melhorar, fiz fisioterapia para o pulmão. Acompanhavam a oxigenação do sangue, fizeram tomografia, eletro. Tive alta dois dias antes do previsto. Fiquei surpreso. Até tive medo de sair de lá”, conta, rindo.
O paciente lembra, também, que foi através da filha, que foi levar a ele umas roupas, que ficou sabendo que havia testado positivo. Ainda na UPA haviam feito o exame de sangue e, no Tacchini, fez o teste da secreção. O paciente saiu do isolamento nesta sexta, 15, e poderá retornar à rotina a partir da segunda, 18, segundo ele mesmo fala, “se cuidando e cuidando dos outros”.
Durante o período em que esteve em isolamento domiciliar, frisa que recebia muitas ligações por dia. Entre a Secretaria da Saúde e o TeleSUS. “Perguntam da família, como está a esposa, a filha, o neto. Eles monitoram mesmo”, salienta o paciente que finaliza: “Hoje sinto que estou bem, mas gostaria que o pessoal se cuidasse um pouco mais. A máscara passa uma má impressão, mas já faz parte do nosso cotidiano, passou a ser um documento obrigatório. Para quem tem que trabalhar, não adianta, tem que sair de casa, mas se cuidar muito. Mantenham distância, se protejam. Já aos que não precisam sair, o melhor mesmo é ficar em casa. Cansa, mas, no momento, é necessário”, conclui.
Um soldado fugindo da guerra
A bento-gonçalvense Natacha Toniazzi Uchoa, 47 anos, é pediatra atuante em Porto Alegre e foi mais uma das pacientes que passou dias angustiantes, mas venceu a doença. Mãe da Helena, que fez o teste e deu negativo, e esposa do também médico Daniel Uchoa, que não apresentou sintomas, Natacha relata que decidiu parar com os atendimentos no dia 20 de março, como forma de ajudar a diminuir a propagação do vírus.
Como lida com crianças, conta que ficou com medo de atendê-las, pegar e transmitir para outros pacientes. “Foi difícil a decisão de parar de atender, porque fiquei achando que eu seria um soldado fugindo da guerra. Então, entrei em contato com os pacientes para explicar a situação”, lembra.
Foto: Arquivo pessoal Foto: Arquivo pessoal
Na tarde do dia 21, Natacha começou a ter os primeiros sintomas, como cefaleia e dor no corpo. “Fiquei acompanhando minha temperatura, mas não tomei remédio algum. Como estava na época (da pandemia), achei que pudesse ser alguma coisa. Eu não costumo ter dor de cabeça”, destaca. “No final do dia, minha temperatura era de 37,6° C, então tomei antitérmico e baixou. Até fiquei meio chateada, porque deveria ter tomado mais cedo e não precisar ficar ruim durante o dia. Lembro que até pensei: deve ter sido estresse devido à situação”, recorda.
Já na segunda-feira, sua filha estava de aniversário e a pediatra comenta que não tinha sintoma algum. Foi aí que tudo mudou. “Pedimos uma torta para comemorarmos em casa. Quando comi o pedaço, de um sabor que a gente sempre pede, não senti o paladar, fiquei desconfiada e comecei a cheirar várias coisas em casa, álcool 92%, perfumes fortes e não senti nada. Então, além do paladar, não tinha olfato. Bastou isso para eu juntar os sintomas anteriores e ir no Moinhos (de Vento, hospital em Porto Alegre) e coletar um PCR”, analisa.
Dá um medo, primeiro por achar que tem, mas quando há certeza, a gente fica angustiada. É um vírus novo, não se sabe muito bem como vai evoluir, para cada pessoa pode ser de uma maneira diferente. Natacha Toniazzi Uchoa, Pediatra
Ela permaneceu em isolamento. O resultado veio três dias depois, confirmando positivo para coronavírus. “Dá um medo, primeiro por achar que tem, mas quando há certeza, a gente fica angustiada. É um vírus novo, não se sabe muito bem como vai evoluir, para cada pessoa pode ser de uma maneira diferente”, sublinha.
Passaram-se dois dias do resultado, os sintomas se intensificaram e vieram os cansaços extremos. “Dormia quase o dia todo, acordava para almoçar, achava que estava bem. Em pouco tempo, faltavam forças, como se tivesse acabado uma bateria. E assim foi durante uma semana inteira. Como não tinha tosse, não tive pneumonia e não precisei ir para o hospital, apenas fiquei de repouso. O quadro foi evoluindo bem. Fiquei feliz quando vi que estavam passando os 14 dias da doença”, afirma.
Como de praxe, a médica teve acompanhamento diário da Secretaria da Saúde da capital. Completadas as seis semanas, tempo em que a doença, na teoria, permanece no organismo, ela foi diagnosticada como curada. Conta ainda que, com 18 dias, fez testes rápidos em dois laboratórios diferentes, para verificar os anticorpos. “Não tenho certeza de onde peguei o coronavírus. Provavelmente tenha sido de um paciente que atendi na última semana de trabalho, na qual a mãe viajou à Itália. Não posso afirmar, mas o maior fator de risco foi nesse atendimento”, menciona.
Hoje, ressalta que se sente aliviada. Voltou a trabalhar com mais tranquilidade e, possivelmente, não adquira a doença novamente, como também já não transmite mais para ninguém. “Minha recomendação é que as pessoas fiquem o máximo que puderem em casa, só saiam se necessário. As medidas de distanciamento social são as mais eficazes contra esse vírus. Entendo que as pessoas precisam trabalhar, mas trabalhem e voltem para casa. Não façam mais coisas além disso, não se exponham sem necessidade. Graças a Deus, evoluí bem, mas muitas pessoas podem ter fatores de risco. Temos visto nesses seis meses de doença no mundo que, para elas, é muito agressivo e pode levar a óbito”, pondera.