O pesquisador, coreógrafo, bailarino, ator e diretor Cristian Bernich foi reconhecido com o Prêmio Quero-Quero, uma das mais importantes distinções artísticas do Rio Grande do Sul, por seu livro “Trajetória: um recorte da dança cênica de Bento Gonçalves”. O prêmio, que valoriza contribuições significativas para a cultura no estado, celebra o trabalho pioneiro de Bernich ao resgatar e documentar a história da dança no município.
Uma jornada marcada por desafios
Bernich, possui formação em Dança pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), além de mestrado em Letras e Cultura e especialização em Educação Especial pela Escola Superior de Educação de Viseu, começou sua pesquisa em meio a um cenário adverso. “O projeto iniciou durante a pandemia da Covid-19, o que dificultou encontros presenciais, especialmente para a obtenção de material imagético. Porém, facilitou entrevistas com pessoas de outros estados e países”, relata .
Outro obstáculo foi a ausência de registros históricos sobre a dança em Bento Gonçalves. Durante sua graduação, ao investigar o contexto histórico do jazz dance no município, ele percebeu a total falta de fontes. Desde então, o pesquisador se comprometeu a preencher essa lacuna, um objetivo que se concretizou com a publicação do livro em 2023.
A inspiração para documentar a história da dança em Bento Gonçalves surgiu durante sua graduação. Uma proposta acadêmica revelou a ausência de registros históricos sobre o tema na cidade, incentivando Bernich a iniciar um projeto que, ao longo dos anos, se transformaria no livro “Trajetória”. “A falta de fontes para pesquisa foi reveladora. Percebi que algo precisava ser feito para resgatar e documentar a memória da dança na cidade”, conta . Apesar de um início promissor ainda em 2017, quando ocupava um cargo na gestão pública, as limitações burocráticas atrasaram o projeto. Somente em 2020, com a saída do serviço público, ele pôde se dedicar integralmente à pesquisa, concluída após dois anos de trabalho.
Resgatando histórias e memórias
A pandemia da Covid-19 foi um dos principais obstáculos enfrentados por ele durante o desenvolvimento do livro, especialmente na obtenção de materiais visuais. Por outro lado, as restrições facilitaram entrevistas com artistas de outros estados e países. “Descobri que os primeiros registros de dança em Bento Gonçalves datam de 1958, com aulas de balé clássico restritas às mulheres. Outro fato surpreendente foi a produção tardia de dança contemporânea na cidade e a quase completa negligência de nomes importantes para essa história”, explica Bernich.
Para Cristian, a contribuição da comunidade artística local foi essencial para o desenvolvimento do projeto. “Entrevistei mais de 30 pessoas, e muitas me indicaram caminhos e histórias a seguir. A comunidade participou ativamente desde o início”, reconhece.
O livro também desmistifica narrativas sobre figuras icônicas, como Cecy Frank, uma das maiores artistas da dança no Rio Grande do Sul, destacando sua contribuição ao cenário local.
Reconhecimento inesperado
Apesar do trabalho árduo e consistente, ele não esperava conquistar o prêmio. “Concorria com 27 pesquisas, incluindo trabalhos de universidades renomadas como a UFRGS. Já me sentia honrado por estar entre os cinco finalistas. Receber a notícia foi extremamente emocionante”, compartilha o artista.
O prêmio, além de ser uma validação do rigor de sua pesquisa, também tem um significado especial: “Ele coloca a produção do interior em um patamar diferenciado, mostrando que trabalhos de qualidade não se restringem à capital”, destaca.
Embora a conquista traga visibilidade ao trabalho de Cristian, ele lamenta a falta de apoio governamental e político em Bento Gonçalves: “Meu trabalho é reconhecido a nível estadual e até internacional, mas na minha própria cidade, muitas vezes sou esquecido. Não sou convidado para eventos culturais, palestras ou iniciativas que poderiam ampliar a conscientização sobre o tema”, diz.
Bernich vê no prêmio uma oportunidade para inspirar novas pesquisas sobre artes e cultura na região. Ele acredita que o fortalecimento da dança depende de políticas públicas robustas, investimentos na formação de profissionais e na criação de estruturas adequadas, como um teatro municipal e uma companhia pública de dança, ideias que constam no Plano Municipal de Cultura de 2015, mas que ainda não foram implementadas.
Impacto e perspectivas
Para ele, a dança é uma manifestação cultural que transcende movimentos: “Ela é parte do todo, da transformação social, da construção da identidade de Bento Gonçalves”, diz. O pesquisador acredita que seu trabalho já inspira novas investigações sobre outros segmentos artísticos no município, como o Hip Hop e o Tradicionalismo Gaúcho.
No entanto, ele critica a falta de apoio governamental para as artes na cidade. “Em 2015, elaborei o Plano Municipal de Cultura com ações importantes, como a criação de uma companhia municipal de dança e um teatro, mas pouco foi implementado. Precisamos de gestão e políticas públicas para garantir a continuidade do setor”, lamenta.
Um legado para a dança gaúcha
Ao refletir sobre o futuro, Bernich mantém o otimismo: “Acredito que o prêmio possa abrir portas, especialmente ao atrair o interesse de artistas e gestores culturais de outras regiões. Mas, acima de tudo, ele comprova a relevância da dança como expressão de nossa identidade cultural e história”, conclui.