A prática de bullying pode causar diversos traumas em crianças e jovens que o enfrentam. Justamente por isso, há escolas que previnem utilizando da comunicação e acolhimento
O bullying não se caracteriza por desavenças e brigas, mesmo que venham a ocorrer pelas vias de fato. O que caracteriza esse comportamento é quando se torna rotineiro, em que uma criança, jovem, ou um grupo, passam a perseguir uma pessoa ou mais colegas. No domingo, 7 de abril, é celebrado o Dia Mundial de Combate a esta prática, que pode acarretar diversos traumas, segundo a psicopedagoga e neuropsicopedagoga, especialista em análise do comportamento aplicada-ABA, Letícia Casonatto. “O bullying pode gerar traumas emocionais, baixa autoestima, ansiedade, depressão e até mesmo levar ao suicídio em casos extremos”, adverte, e acrescenta que pode começar em qualquer lugar, bastando apenas existir interação social, como na escola, nas redes sociais ou até mesmo em casa.
Ela também explica que é algo comum entre as crianças devido à fase de desenvolvimento e o aprendizado em lidar com o poder, hierarquia e relacionamentos interpessoais. “O entendimento do bullying hoje pela ciência já é de que a agressão ocorre entre indivíduos ou grupos que têm diferentes níveis de poder dentro do espaço. Muitas vezes, para reforçar a popularidade, atenção e o poder sobre os demais”, relata.
A psicopedagoga traz que não necessariamente esse comportamento vem de casa, e que existem outros aspectos que os influenciam. “A criação da criança pode influenciar suas atitudes, mas nem sempre é o único fator. Ambientes sociais, as redes sociais, mídias e experiências também desempenham um papel importante. Os pais devem ser apoio emocional para seus filhos, ensinando-os sobre empatia, respeito e comunicação saudável”, realça.
Letícia acredita que as medidas necessárias devem ser tomadas e estão aliadas a valores que devem ser repassados às crianças. “Educação, sobre o respeito mútuo, intervenção imediata e apoio psicológico tanto para a vítima quanto para o agressor são fundamentais”, elenca.
Em Bento Gonçalves
Os números que chegam ao Conselho Tutelar do Município demonstram um aumento de casos a cada ano. Nas denúncias, são somados os casos de agressão à autoestima, agressão verbal e ameaça, cyberbullying, humilhação pública, tortura psicológica e tratamento cruel e degradante. Desde maio de 2021, o Conselho Tutelar usa o Sistema de Informação Para a Infância e Adolescência (SIPIA), para registro de casos e encaminhamentos. “O bullying também pode aparecer no registro de outros direitos violados especificados na categoria do direito fundamental – Liberdade, Respeito e Dignidade – Violência Psicológica como a Humilhação Pública”, explica a conselheira, Silvana Lima.
Ela ainda relata sobre o programa que utilizam para registro dos números e controle dos mesmos. “O Sipia – Sistema de Informação Para a Infância e Adolescência é um mecanismo nacional de registro e tratamento de informações sobre a garantia e defesa dos direitos fundamentais preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A base do Sipia-CT é o Conselho Tutelar, para o qual se dirigem de imediato as demandas sobre violação ou não atendimento aos direitos assegurados da criança e do adolescente”, ressalta.
O Conselho Tutelar fica localizado na R. General Vitorino, 173, bairro São Francisco e atende normalmente das 8h às 11h e das 13h30min às 17h30min, ou pelo telefone para emergências é (54) 99159.5744.
Ciclo de paz
A Escola Estadual de Ensino Fundamental Anselmo Luigi Piccoli trabalha uma abordagem pensando na prevenção de qualquer discriminação entre os alunos. Em 2013, ocorreu a criação da Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolas (Cipave+). “A cultura de paz deve ser entendida como um ‘Sistema de Cultivo’ sem início, meio e fim. É uma prática inserida no ambiente escolar, à medida em que as relações e os processos são desenvolvidos no cotidiano das atividades. A Cipave é caracterizada por difundir a cultura de paz, através de ações para orientação e prevenção de situações de conflito”, explica a diretora, Tânia Regina Ducatti Sasso.
Ela traz que esse tipo de ação se faz necessária, pois é importante promover diversidade dentro dos educandários, por ser um ambiente diverso e com rotinas que demandam intervenções imediatas. “O trabalho preventivo é a melhor forma de estabelecer relações mais harmoniosas e duradouras. Pela diversidade que se apresenta atualmente em todos os espaços, sejam escolares, familiares e sociais. Desenvolver rotinas que fortaleçam os valores humanos é fundamental para uma convivência pacífica e produtiva no ambiente escolar e fora dele também”, ressalta.
No colégio, Tânia relata como é feito o ciclo de paz que completa mais de uma década em 2024. “Estabelecer e vivenciar a cultura de paz não é uma tarefa exclusiva da escola. Os alunos, a família, os profissionais e as redes de apoio são importantes nesse contexto. Quando o educandário identifica alguma situação preocupante, que pode ocorrer entre os vários segmentos: aluno x aluno, aluno x professor/servidor, professor x professor/servidor, família x Escola, etc. Aciona os envolvidos e oferece um espaço de mediação que, normalmente, resulta em solução do conflito”, diz.
E ela complementa os outros fatores que fazem parte da educação que a escola promove. “Proporcionamos momentos de atividades diferenciadas, esportivas, culturais e artísticas, como forma de incentivar as boas relações que são muito apreciadas pelos alunos. Em outros momentos, a CIPAVE+ também aplica circuitos de mobilidade para os discentes treinarem deslocamentos pelos espaços escolares com segurança, prevenindo acidentes e violências. Periodicamente, são socializadas informações através de palestras, rodas de conversa, painéis, folders educativos”, conta.
Tânia destaca que por conta disso, os números de casos de bullying diminuíram significativamente. “A cultura de paz, entendida como uma apropriação do ser humano, inibe o surgimento de espaços para que situações de bullying se apresentem. É importante destacar que a escola dá visibilidade e socializa todas as ações estratégicas, para que os envolvidos tenham conhecimento das rotinas, o que favorece o estabelecimento de clima mais tranquilo e saudável”, realça.
Por fim, a diretora elenca suas expectativas em relação à comunidade e dos responsáveis pelas crianças. “A escola espera das famílias apoio e estímulo aos alunos e isso se revela no acompanhamento das atividades escolares e no retorno positivo com a Gestão Escolar que é transparente e acessível. De maneira geral, os pais demonstram satisfação com a Escola e são parceiras e compreensivas”, aponta.
A psicopedagoga Letícia relata que este método é bastante importante para colégios quando o assunto é diminuir a prática do bullying. “Os ciclos de paz nas escolas são uma ótima iniciativa, pois promovem a conscientização sobre diversidade, inclusão e respeito, o que pode contribuir para prevenir o bullying desde o início”, conclui.
A aluna Eduarda Locatelli elenca diversos atributos que a fazem gostar muito de seu colégio. “Acho muito legal, temos várias brincadeiras, aprendemos bastante com as professoras, a comida é boa. E também é muito bom porque a escola nos escuta, posso falar do que sinto, pois em algumas outras escolas às vezes não acontece isso. E aqui temos liberdade de falar”, afirma.
A escola vem trabalhando bastante o tema este ano, fazendo com que Eduarda consiga entender o que isso significa. “O bullying é uma coisa muito feia. A professora na primeira semana de aula nos levou para assistir um filme sobre o assunto, e percebemos que o bullying pode matar. Não gosto dessa prática, porque quando fazemos com outra pessoa, ela fica machucada por dentro”, conclui.