Majoritariamente feminina, a arte da costura exige muita dedicação para atender as expectativas dos clientes. Entretanto, é uma função também exercida por alguns homens, como é o caso de Cristiano Panizzi
A costura é uma atividade histórica e culturalmente considerada como uma prática feminina, mesmo com as mulheres nunca tendo apresentado nenhuma predisposição particular para a atividade. O cenário atual é bem diferente daquele de algumas décadas atrás: a costura tornou-se muito mais jovem e nunca houve tanto interesse em se costurar, bordar ou fazer roupas.
Muitos têm medo de se ridicularizar frequentando um curso “majoritariamente feminino”; outros preferem seguir o “fluxo”, se conformando com uma formação “mais masculina”. Tal mentalidade pode, muitas vezes, gerar infelicidade, pois impede a pessoa de permitir se dedicar a uma ocupação à qual realmente se gosta e se tem o dom.
O início de tudo
Trabalhando no ofício há mais de uma década, Cristiano Panizzi possui um ateliê de costura no bairro Progresso desde 2022. Natural da pequena cidade de Monte Belo do Sul, Panizzi conta que já percorreu diversas áreas diferentes em sua trajetória profissional, tendo se formado como tecnólogo em processos gerenciais. “Lá por 2012, vim trabalhar em Bento Gonçalves como motorista em uma grande confecção. Aos poucos, fui interagindo com os processos de produção e adquirindo interesse pela arte da costura. De lá para cá, muitas coisas aconteceram, e em 2022 aluguei a sala que estou até hoje”, relembra.
Mesmo trabalhando em várias profissões diferentes durante sua vida, o foco principal sempre foi voltado para a área de confecção e costura. Para conseguir investir tempo e dinheiro no sonho de ter sua própria produção, Panizzi decidiu por vender seu carro e comprar as máquinas necessárias para iniciar seu trabalho. “Minha função exige um cuidado pelo fato de ser sozinho, não tenho uma equipe para me ajudar. Então faço contato com os fornecedores, compras, vendas, produtos, atendimentos. A maioria dos feedbacks que recebo são positivos, mas claro que existem peças que precisam de ajustes, faz parte do processo”, conta.
Amor pelo que faz
Para ele, uma das vantagens de ter escolhido essa profissão é a questão de que não existe uma rotina, cada dia demanda algo diferente do costureiro. “É algo bem dinâmico, as tarefas vão surgindo conforme a necessidade. É o aspecto que mais gosto no meu trabalho. Se é algo desafiador, eu quero”, declara. Porém, ele destaca que não é fácil ter o próprio negócio.
A convivência com o mundo da costura vem desde sua infância, quando sua falecida avó costumava dar de presente de casamento às filhas máquinas de costuras, mesmo nenhuma sendo costureira de profissão. Após ter identificado o interesse na área, Panizzi fez um curso de costura. “Inicialmente, éramos em 15 alunos no curso. Terminamos em apenas cinco, muitos foram desistindo no meio do caminho, pois realmente não é fácil. Além disso, eu era o único homem da turma”, pontua.
Seu carro-chefe são uniformes escolares e consertos em geral, como barras. Muitas vezes, seu pai, um senhor de 70 anos e já aposentado, vai para a loja para ajudar em alguma atividade, como riscar e cortar tecidos, desafogando um pouco os pedidos de Panizzi. Quando os pedidos são muito grandes, para manter o prazo de entrega combinado com o cliente, Panizzi acaba por terceirizar alguma parte da produção. “Também divido meu espaço com uma parceira que agrega ao meu trabalho, com estampas e sublimação. Assim, alavancamos os dois negócios: eu forneço as camisetas e ela, as estampas”, comenta.
Seu grande diferencial é que os tecidos e peças são todos cortados a mão, um a um. O cliente prova a peça e ele faz os ajustes sob medida, garantindo o conforto e a estética da roupa. É um trabalho um pouco demorado, já que é basicamente artesanal. “Não tenho um padrão de moldes P, M e G, por exemplo. Faço conforme as medidas e preferências do cliente. Não tem como fazer uma tabela ou regra. Duas pessoas da mesma idade têm medidas totalmente diferentes. Compro a modelagem piloto e vou atualizando conforme a demanda do meu público. Não pego mais trabalho do que sei que dou conta, assim consigo dar atenção a todas as peças e garantir um bom prazo”, salienta.
Operando sob demanda, Panizzi não tem estoque, pois corre o risco de ficar com muitas peças paradas e sofrendo desvalorização, por isso optou por trabalhar dessa forma. “Tenho amostras do que fabrico. Os clientes vêm e encomendam. Pra mim vale mais a pena dessa maneira”, expõe o costureiro.
Entre os tecidos e peças que mais gosta de trabalhar, estão malhas e camisetas. Atualmente, está investindo na fabricação das camisas polo. “Estou fazendo uma peça piloto para mim. Preciso ter um mix de produtos bem variado, para poder ter plena concorrência no mercado. Para produzi-las, são necessárias outras duas máquinas bem caras, então parte da produção tem de ser terceirizada. Precisa ser alguém de confiança, para eu saber que vai atender meu padrão de qualidade e prazo”, pondera.
Desafios da profissão
Dentre os aspectos da profissão, está a dificuldade de trabalhar como micro empreendedor individual (MEI), pois muitos fornecedores pedem papelada, histórico. Por causa dessa burocracia, as compras têm de ser um pouco espremidas, até conseguir ter credibilidade no mercado. Ele também conta que pode ser difícil lidar com o cliente, sendo preciso ter muita resiliência e equilíbrio entre a razão e a emoção. “É importante criar um vínculo com o cliente, interagir. Preciso ter sabedoria para lidar com o público, aprendi isso na minha vivência profissional”, fala.
A divulgação de seu trabalho se dá por meio de indicações em grande parte. “Quem vem comprar, geralmente volta. Assim, vou virando referência, mas não é de um dia para o outro que isso acontece. Sou realista, gosto de atender bem meus clientes, mostrar meu diferencial, que é a qualidade do meu tecido e das costuras, itens personalizados. De um ano para cá, meu faturamento mais que dobrou”, ressalta. Ele tenta se manter sempre em movimento, para crescer dentro de suas possibilidades.
Expectativas a longo prazo
Para o futuro, Panizzi pretende focar na parte industrial, principalmente uniformes, como camisas polo, jalecos e calças. Também pretende criar seu site para otimizar o tempo de atendimento, pois como trabalha sozinho, é ele quem responde todas as mensagens no celular, o que às vezes pode tomar um tempo precioso, no qual poderia estar desenvolvendo alguma roupa. De acordo com o costureiro, o momento exige uma atenção. “Precisa haver uma atualização. Agora na metade do ano, há uma pausa na produção de uniformes escolares, então é interessante focar em itens de inverno também”, acrescenta.
O costureiro acredita que, hoje em dia, é difícil encontrar alguém que viva única e exclusivamente da costura. “Existem muitas senhoras que costuram em casa, mas geralmente fazem como um trabalho paralelo, para incrementar na renda mensal. Sou teimoso, mesmo tendo máquinas que possam substituir o ser humano, acho que sempre vai precisar alguém para detalhar tudo. A pessoa tem que ser forjada para aguentar os desafios da profissão, que não acho que vá ser extinta”, finaliza.
Fotos: Luisa Sperotto