Na segunda parte do especial iniciado na edição do Semanário do dia 28 de março, a reportagem conversou com pessoas da Serra Gaúcha que estão vivendo na Espanha, França, Alemanha e Austrália, dando um panorama da rotina, da situação e das medidas governamentais, destes que são alguns dos países mais atingidos pela pandemia na Europa e na Oceania
Com pelo menos um caso em mais de 95% dos países, a maior pandemia do século, a Covid-19, já contabiliza mais de 1 milhão de infectados, 55 mil mortes e mais de 220 mil pacientes curados ao redor de todo o globo. De quarentena à completa falta de ações, os governos de cada nação têm trabalhado à sua maneira para conter o avanço da doença. Enquanto o Brasil registra mais de 8.200 casos positivos e 340 de vítimas fatais, a reportagem do Semanário conversou com pessoas naturais da região para saber como está a situação em alguns dos pontos mais afetados do mundo. Com relatos da Espanha, da França, da Alemanha e da Austrália, mais que apontar a rotina e as dificuldades dos brasileiros no estrangeiro, esse especial alerta para o que podemos vir a enfrentar, assim como demonstra ações bem-sucedidas e outras nem tanto de como fazê-lo.
Isadora Zago Lopes, caxiense na Espanha
Seis semanas. Esse foi o tempo decorrido da primeira morte registrada por Covid-19 na Espanha, em 13 de fevereiro, até, a exemplo da Itália, ultrapassar os casos fatais da China. Hoje, terceira em número de contágios (117.700) e segunda em mortes (10.935), o país é um exemplo de como a situação pode sair do controle rapidamente. Há pouco mais de um mês trabalhando como au pair na Espanha, a caxiense Isadora Zago Lopes, 25 anos, acompanhou, incrédula, essa mudança de perto.
Vinda de Portugal, conta que em fevereiro, esteve duas vezes na Espanha. Na primeira, quando esteve em Barcelona, havia apenas um caso suspeito na cidade e, apesar, de ver algumas pessoas de máscara no aeroporto, a sensação era de tranquilidade. Na segunda, o clima já não era o mesmo. “A preocupação já era maior, as pessoas dentro do aeroporto conversavam muito sobre o tema, o número de pessoas com máscaras e luvas era muito maior, eu vi até um pai com um bebê de colo que tinha colocado uma máscara na criança”, lembra.
Apesar disso, o sentimento pessoal era de que tudo estaria sob controle em seu novo país. Percepção que seguiu por um par de semanas até que, inesperadamente, tudo começou a mudar. “Parece que de repente viraram uma chave e tudo mudou, se falava do vírus em tom de piada, num momento a gente estava saindo, indo para bares, fazendo turismo e do nada as ruas foram ficando vazias, os bares fechando, os turistas indo embora, a gente foi tomado por um medo de ser o próximo e as medidas já não pareciam exagero”, sublinha.
Assim que o distanciamento social foi imposto por decreto, a família para a qual trabalha e com quem vive se mudou, momentaneamente, para uma pequena cidade do interior. Desde então, a caxiense tem acompanhado vagamente as notícias sobre a pandemia. Sua rotina, por enquanto, segue praticamente inalterada. “Tenho uma liberdade que meus amigos, por exemplo, não têm. Estando no meio do nada, eu posso sair para caminhar, pegar sol, correr, me exercitar ao ar livre”, conta. Apesar disso, enfatiza que a situação está longe do normal. “De longe, vi a maioria de seus amigos estrangeiros deixarem o país sem tempo de se despedir. E desde que viemos para cá, nunca mais tive contato com nenhuma pessoa fora da família”, lamenta.
Thais Corte Batista, farroupilhense na França
A exemplo da Espanha, o número de vítimas do coronavírus na França está em expansão. Com 5.398 mortes registradas, o país é o terceiro a ultrapassar a China em casos fatais. Com 59.948 confirmações de pessoas com Covid-19, é a sexta nação mais atingida no mundo se levado em conta o número de contágios. O avanço da doença levou o presidente Emmanuel Macron a anunciar um aumento na produção nacional de máscaras de proteção e aparelhos de respiração artificial. Além disso, o país aceitou receber médicos cubanos em seu território, um bem-vindo reforço que deve levar ajuda para áreas com carência de profissionais da saúde.
Vivendo há quase um ano em Toulouse, Thais Corte Batista, 26 anos, mudou-se para o país junto com seu namorado para estudar francês e trabalhar. Atualmente trabalha de babá. Segundo ela, inicialmente as medidas de controle se mostraram eficazes. Entretanto, alguns dias depois dos primeiros registros, uma celebração religiosa tornou o leste da França, região que até então não era o foco dos noticiários, em uma das partes mais afetadas do país. O evento, da igreja pentecostal Porta do Sol Cristã, ocorreu de 17 a 24 de fevereiro em Mulhouse e reuniu cerca de 2 mil fiéis.
Com a contaminação alcançando níveis alarmantes, as mudanças drásticas na rotina começaram a surgir. O confinamento obrigatório teve início no dia 16 de março. A farroupilhense relata que as privações são sentidas até mesmo nos pequenos detalhes. “Até a rotina de compras foi alterada. Agora, em cada ida ao mercado temos que higienizar cada produto comprado”, comenta. Para preservar sua saúde mental, Thais recomenda ter uma rotina de sono saudável e buscar por atividades que preencham o tempo. “Pintei um quadro e aprendi a costurar na quarentena, coisa que nunca fiz na vida”, destaca.
Uma vez que seus pais e avós ainda moram no Brasil, Thais acompanha com frequência o noticiário brasileiro. “Tenho medo por meus familiares, pois muitos fazem parte do grupo de risco. O que alivia minha tensão é sabe que os municípios estão tomando a frente diante da falta de posicionamento do Governo Federal em coordenar ações de prevenção”, desabafa. Ela destaca ainda que a quarentena é um privilégio de classe, mas argumenta que “por isso, cabe ao poder público garantir que as pessoas sem condições que consigam permanecer em quarentena também”, finaliza.
Ingrid Corso Cavian, caxiense na Alemanha
Em um momento que a pandemia se intensifica ao redor do globo, a Alemanha é um dos poucos países vistos como exemplo a ser seguido. Isso porque, apesar de ser a quinta nação em número de contágios, o número de mortes no país é bastante inferior ao registrado em nações vizinhas. Até o momento são 89.838 contagiados e 1.230 casos fatais. A título de exemplo, o número é semelhante ao da Bélgica, que tem 1.143, mas que possui cinco vezes menos infectados. Embora ainda seja cedo para afirmar, a resposta para os números alemães, de acordo com o Instituto Robert Koch de Virologia, pode estar no alto número de testes realizados. Enquanto boa parte dos países, como o Brasil, testa apenas pacientes com sintomas graves, a Alemanha busca a identificação precoce do vírus, testando cerca de 160 mil habitantes semanalmente.
Da mesma forma que os números da Covid-19 no país mais populoso da União Europeia se apresentam de forma paradoxal, também é dessa forma que o sentimento dos alemães em relação a pandemia tem sido observado pelo casal caxiense Ingrid Corso Cavian, 27 anos, e seu esposo Alison Luan Nunes de Souza, 30 anos. Vivendo há cerca de um ano na cidade de Gemering, no estado da Baviera, o engenheiro de controle de automação ilustra o cenário. “Meus colegas de trabalho, por exemplo, estavam achando exagero trabalhar de casa. Outro dia, quando fui a uma reunião, as ruas estavam mais vazias, o comércio fechado, mas igual via pessoas caminhando e havia jovens na estação de trem tomando cerveja. Então, sinto que o povo na nossa região não demonstra estar amedrontado. Porém, por outro lado, toma atitudes típicas de quem está com medo, como comprar coisa em estoque. No mercado não há mais papel higiênico e macarrão”, comenta.
Formada em fisioterapia, Ingrid, que no momento está se dedicando exclusivamente às aulas de alemão, está estudando de casa. Segundo ela, atualmente, só mercado e farmácia seguem abertos e o transporte público permanece em funcionamento. Exercícios e caminhadas também estão permitidos desde que feitos no máximo em dupla. Apesar de estarem trabalhando e estudando de casa, conta que estão evitando essas caminhadas e minimizando ao máximo as idas ao supermercado. “Não somos obrigados a ficar dentro de casa, podemos dar uma volta, mas o recomendado é evitar. Então, resolvemos não fazer nenhum deslocamento desnecessário”, finaliza.
Felipe Tonin, farroupilhense na Austrália
Com 5.330 de casos confirmados, três posições abaixo do Brasil no ranking dos países mais afetados, não é só em números de contágios que a realidade australiana se assemelha à brasileira. Conservador e negacionista da ciência, o premiê Scott Morisson, inicialmente conduziu a crise da pandemia em conflito com os governadores e com os principais órgãos de saúde. Com o avanço da Covid-19, no entanto, passou a tomar medidas mais amplas e obteve “resultados positivos”. O número de mortes (28) é bem inferior ao nosso e a curva de contágios reduziu. Entre as principais ações está a destinação de cerca de 10% do PIB para auxiliar as empresas afetadas e, a exemplo da Alemanha, um grande investimento em testes. O país, inclusive, fica atrás só da Coreia do Sul em pessoas testadas.
Morador de Sidney há cerca de dois anos, onde trabalha com serviços gerais em uma carpintaria, o engenheiro mecânico farroupilhense, Felipe Tonin, 29 anos, conta que a situação só começou a ser vista com maior seriedade há uma ou duas semanas, quando o país tinha cerca de 400 casos confirmados de pessoas com Covid-19. “Aqui há muitos parques com gramado, onde as pessoas se reúnem e que foram isolados, assim como as praias mais populares. Também fecharam o comércio não essencial, pubs e restaurantes. Então, embora ainda tenha movimento nas ruas, não há aglomeração. Bem diferente de duas semanas atrás. Estive na praia nessa época, e ela estava cheia de famílias, os bares ao redor também lotados”, sublinha.
Além disso, outra medida recente foi a proibição de grupos superiores a duas pessoas em espaços públicos. Apesar dessas limitações, Tonin, que segue indo ao trabalho, mas faz suas aulas pela internet, destaca que a maior dificuldade tem sido encontrar itens básicos no mercado. As prateleiras de produtos de higiene e as de alimentos como carne, macarrão, arroz, entre outros, estão há dias vazias, uma vez que, assustados pela pandemia, muita gente tem feito estoques. A saída então é recorrer aos amigos. “Sentir que tua despensa está esvaziando e que você não encontra o necessário para repor é bem complicado. Mas temos conseguido algo em mercados mais distantes e também na base da troca com amigos e conhecidos. O pessoal nos empresta algo e a gente oferta também o que tem quando o pedem”, conta.
Para Tonin o sentimento atual é de receio. Ele destaca, entretanto, que, assim como comprovam os números, conforme as medidas se tornaram mais rigorosas, a situação foi se controlando. Assim sendo, sugere que tudo poderia estar melhor se os cuidados tivessem sido redobrados desde cedo. “Temos menos mortes, mas nosso número de casos é semelhante ao do Brasil. Precisamos levar em conta, porém, que a população daqui é quase dez vezes menor”, enfatiza.