Na última quinta-feira, 18, foi o Dia do Conselheiro Tutelar. Em Bento Gonçalves, o Conselho é composto por cinco profissionais eleitos pela população. As experiências em cada atendimento realizado pelos profissionais podem ser impactantes para eles e também para famílias envolvidas.
Sorrisos que fazem a diferença
A atual coordenadora do Conselho Tutelar do município, Simone Lunelli, afirma que resolveu ser conselheira por sempre estar engajada em trabalhos sociais e campanhas para auxiliar famílias mais vulneráveis. “Vi a oportunidade de fazer mais por eles”, conta.
Ela afirma que o maior desafio da profissão é fazer com que as pessoas conheçam melhor as atribuições do Conselho Tutelar. Apesar disso, já se sentiu, por algumas vezes, totalmente realizada profissionalmente no cargo que escolheu ocupar. “No momento que você ganha um abraço, um sorriso de uma criança ou adolescente e que sabe que fez a diferença”, ressalta.
A emoção em ver as situações mais complexas vivenciadas por pessoas que deveriam receber apenas proteção, é uma marca da profissão. “Já passei por muitas situações complicadas em atendimentos que me fizeram chorar, histórias tristes e realidades que a grande maioria das pessoas não fazem ideia que pode acontecer em nosso município”, menciona.
Um destaque do trabalho dos conselheiros da Capital do Vinho é o trabalho com o Sipia Conselho Tutelar, um novo sistema do governo federal. “Somos pioneiros na região. Vai auxiliar muito em políticas públicas, mas é importante que os pais não se eximam de suas responsabilidades também”, realça.
Novos aprendizados a cada plantão
Quando Silvana Lima decidiu entrar para o Conselho Tutelar, ela não sabia qual realmente era o papel do conselheiro. “Concorri em 2011, quando fiquei como suplente. Fiz as férias dos conselheiros, na época”, conta.
Segundo Silvana, é um trabalho difícil e árduo. “Quando me deparei em uma sala com várias pastas onde tinha que resolver a situação, foi que eu entendi o que é ser um conselheiro. Na nossa atuação, a gente tem que tomar decisões, e elas, às vezes, vão contra a família, a escola, os serviços que são da rede, para garantir o direito daquela criança”, ressalta.
Apesar de difícil, a conselheira considera o dia a dia da função como um trabalho lindo. “O conselheiro tutelar é o advogado da criança. Assim como um adulto tem o direito a um, a criança também tem. O papel é muito importante, por isso ele tem que estar engajado e sempre procurando capacitações”, explica.
Para Silvana, os desafios da profissão aumentam a cada dia. “Precisamos, de fato, compreender se está em nossa capacidade de perceber o quanto devemos ser coerentes com aquilo que acreditamos e que devemos atuar, ser prudentes e eficazes, o quanto é necessário termos conhecimento e habilidade para fazer os encaminhamentos. Neles a gente muda a vida de uma criança, de um adolescente e de uma família. É uma grande responsabilidade”, realça.
Ela conta que em todo plantão são novos aprendizados, com casos diferentes de violência. “Cada situação tem uma história e isso me faz pensar muito como o ser humano tem atitudes tão desumanas, que as vezes parece ser filme, não realidade. As crianças e adolescentes sofrem muito por parte de quem deveria proteger, que são seus pais, familiares”, revela.
Silvana acredita que, depois de ter visto muitas situações, entendeu que o seu papel como conselheira é o de salvar vidas. “Isso fortalece, me realiza e faz entender que estou no caminho certo”, afirma.
Em diversos exemplos de atendimentos, a profissional cita uma denúncia em específico. “Não me esqueço do olhar de uma criança, que pedia socorro. Graças a Deus hoje ela está bem, mas aquilo me chamou muita atenção. Aquele olhar que sem dizer uma palavra nos fez entender que aquelas pessoas precisavam de ajuda, porque o nosso intuito não é destruir uma família, mas construir, ajustar o que precisa naquele momento”, sublinha.
Sobre o que deveria ser modificado no município para que os casos de violação dos direitos citados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diminuam, Silvana acredita que é a criação de políticas públicas. “Uma coisa também interessante é cuidar da primeira infância. Se a criança está sendo cuidada nesse período, formando o caráter, a índole e a vida dela, vamos ter jovens com mais sentido em tomar decisões”, destaca.
Gerações de conselheiros
No caso da conselheira Gabriela Ferreira, a experiência dela com a infância iniciou no trabalho com a Educação Infantil. “Atuei durante cinco anos e convivi com crianças entre 0 e 5 anos. Estou como Conselheira Tutelar desde 10 de janeiro de 2020. Em minha família, muitos membros atuaram como conselheiros tutelares, o que despertou meu interesse”, explica.
Ela conta também que, mesmo que indiretamente, seu contato com o ECA foi sempre constante. “Desde cedo, ouvia minha irmã e meu cunhado discutindo sobre os direitos da criança e as atribuições que cabiam ao conselho tutelar. Comecei a entender que os casos, quando chegam até o conselho tutelar, é porque o direito da criança/adolescente está sendo violado, então combinamos que quando eu completasse a idade prevista, concorreria ao cargo para dar continuidade à luta”, frisa.
Os maiores desafios da profissão, de acordo com Gabriela, é fazer com que a sociedade entenda qual a real função do conselho tutelar, bem como suas atribuições legais. “Ainda hoje, nos deparamos com pessoas que querem fazer uso do órgão para se beneficiar em processos judiciais, principalmente em disputa de guarda, para obterem vantagens no processo”, aponta.
Para ela, cada caso tem um significado diferente. “Os mais marcantes são aqueles que as crianças/adolescentes sentem confiança e acabam nos procurando como primeiro órgão para solicitarem ajuda. No início do mandato, estávamos em horário de almoço, quando ouvimos batidas na porta da sede. Logo fomos verificar, quando nos deparamos com um adolescente chorando e pedindo ‘socorro’ para aquela situação que estava vivenciando junto de sua família, pois estava com pensamentos suicida. Dentro das atribuições, o Conselho Tutelar agiu com muito carinho no caso e insistiu para que a família aderisse aos tratamentos e requisições estabelecidas pelo colegiado. Hoje, com o empenho de toda rede, a família se encontra bem e com vínculos restaurados”, comemora.
Gabriela pontua que conforme o ECA, as crianças e adolescentes devem ser prioridade absoluta. “Acredito ser de extrema importância uma delegacia especializada na área da infância. Hoje contamos com a Delegacia Especializada da Mulher, que abraçou a causa das crianças. Porém, na atuação do dia a dia, verificamos a necessidade de nossos jovens poderem contar com um espaço de atendimento somente deles”, destaca.
Foto: Thamires Bispo