Embora Bento Gonçalves seja uma cidade extremamente desenvolvida nas áreas industrial, comercial e de prestação de serviços e, nos últimos anos, o turismo tenha se desenvolvido exponencialmente, a agricultura continua sendo, desde o início da colonização, uma das molas propulsoras da economia do município. Não é somente na produção de uva para a elaboração de sucos, vinhos e espumantes premiados nacional e internacionalmente, mas também no cultivo de hortifrutigrangeiros e na agroindústria familiar que a área rural da cidade se destaca.

Há 61 anos, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), que tem área de abrangência em Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Santa Tereza e Pinto Bandeira, atende as principais necessidades dos produtores, com a realização de cursos, palestras, assistência jurídica, entre tantos outros assuntos.

A sede da entidade passa por um momento de transição, não apenas com reformas estruturais, mas na oferta de novos produtos e serviços. O que será realizado e a situação do setor no município estão nesta reportagem especial com o presidente do STR, Cedenir Postal.

Reformas no Sindicato

A sede do Sindicato foi construída em 1978. Conforme o presidente, de lá para cá o prédio é o mesmo e as necessidades são outras. “Quando ele foi erguido, tinha atendimento médico, odontológico, os cursos eram feitos todos no Sindicato, mas as coisas mudaram. Hoje, a consulta médica é feita ou na rede particular, ou através do SUS. Na época, era uma das únicas formas que os agricultores tinham de serem atendidos. O odontológico também. Atualmente, são muitos profissionais e clínicas especializadas. Mesmo que tenhamos um consultório odontológico no Sindicato, as pessoas têm outras opções e oportunidades”, recorda.

De acordo com Postal, os cursos agora podem ser realizados nas comunidades. “Temos como ir até o agricultor, algo que no passado não ocorria, pelas dificuldades de internet, de computadores. Com o passar do tempo, novos serviços foram sendo agregados, como a Declaração do Imposto Territorial Rural (ITR), a atualização do CCIR, o Incra, atendimento jurídico, seguro agrícola, projetos para os financiamentos agrícolas, encaminhamentos de aposentadorias, opções que no passado não eram oferecidas. Ou seja, os espaços que eram ocupados de uma forma estão sendo ocupados de outra. Além disso, estamos pensando em termos acessibilidade, com rampas, corrimões, banheiros adaptados, piso tátil. Teremos também um espaço para locação, com a possibilidade de dividirmos e, ainda, a ampliação do estacionamento, entre outras melhorias”, conta Postal.

Diversificação rural

Para o presidente do Sindicato, a economia rural, como um todo, não é só baseada na divisa gerada pelos produtos vendidos pelos agricultores. É todo um sistema que envolve desde as lojas de insumos, máquinas, postos de combustíveis, o que eles gastam nas cidades, nos mercados, no comércio varejista, nas revendas de veículos. “Se a economia está forte na agricultura, toda a economia, por si só, se torna mais forte. Mas falando da uva, este é o nosso principal produto ainda. E não só pela parte econômica relacionada ao vinho, mas também em toda uma cultura que está por trás disso, que gera muitos empregos, através do turismo, do apelo enogastronômico, cultural, que fazem com que muitas pessoas procurem a nossa cidade e ela seja tão visitada durante o ano todo. Mas também temos outras culturas, dependendo a região. À beira do Rio das Antas temos o cultivo dos citros, principalmente nas linhas Ferri, Demari, São Luiz, Rosário, que também geram emprego e renda. É uma forma de diversificar a produção. Já no Distrito de São Pedro temos pêssego, ameixa, caqui, que são outras alternativas. Também temos agricultores que se dedicam ao cultivo das hortaliças, como alfaces, folhosas, morangos, tomate. Enfim, uma diversificação imensa. Além daqueles que fazem entrega para a merenda escolar, ou no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do Governo. Temos ainda as agroindústrias, várias, por sinal, em que muitas famílias se dedicam e geram ainda mais diversificação, emprego e renda. Elas são comandadas, na sua maioria, por mulheres e por jovens”, diz.

Água no interior

Há alguns meses caminhões-pipa estão sendo abastecidos na central da Corsan, no bairro Planalto, visando levar água potável para algumas comunidades. Questionado sobre o abastecimento no interior, Postal destaca que os veículos, na grande maioria, estão sendo direcionados para outras cidades. “Mas temos casos muito pontuais de falta de água no interior, e somente no período em que a estiagem estava mais intensa, no início do ano. Depois que vieram algumas chuvas, não houve mais essa necessidade. Hoje, o nosso interior está abastecido por redes de água comunitárias, com poços artesianos, ou com as redes da Prefeitura, que até, inclusive, estão sendo doadas para que as comunidades façam o próprio gerenciamento. Há também localidades abastecidas diretamente pela Corsan, como Tuiuty, São Valentin, Linha Ferri, Linha Demari. O interior está, em quase sua totalidade, abastecido por redes”, ressalta.

Estiagem

Com relação à estiagem que atinge diretamente as produções, Postal acredita que o maior problema seja a falta de água para cultivo e irrigação. “Para consumo humano não é uma necessidade. Já a irrigação demanda muita água. Se não armazenarmos, não adianta ter um sistema eficiente, porque custa caro e, quando tiver a necessidade, não vai ter o resultado esperado. Então precisamos ter sistemas que facilitem ao agricultor o armazenamento de água, com subsídios para construção de reservatórios, legislação ambiental facilitada, que se possa construir reservatórios em Áreas de Preservação Permanente (APP) sem grandes intervenções. Hoje a legislação não permite, mas precisamos avançar nisso. Necessitamos de um olhar melhor do Poder Público nesse sentido”, enfatiza.

Agroindústrias familiares

O número de agroindústrias cresceu consideravelmente nos últimos anos no município e na região, muito provavelmente incentivado pelo grande fluxo de turistas. O reflexo tem sido a manutenção ou retorno dos jovens ao meio rural. De acordo com Postal, atualmente são cerca de 50 agroindústrias legalizadas em Bento Gonçalves.

Além disso, o apoio da Emater, na parte da orientação, organização e documentação e do Sindicato na questão das feiras, principalmente a nível estadual, como a participação na Expointer, ExpoAgro, ExpoDireto, Feira da Agricultura Familiar de Torres, a própria ExpoBento, são essenciais para a valorização das agroindústrias. “São feiras onde conseguem comercializar os produtos e ter visibilidade”, pontua.

Já com relação aos jovens, Postal afirma que a maioria das agroindústrias têm filhos de produtores, e até netos, que estão auxiliando, como também muitas mulheres. “Percebemos que os jovens permanecem no meio rural, onde tem condições e conseguem ter uma rentabilidade financeira. Se tiver essa valorização dos produtos, eles ficam, ou até retornam das cidades para as propriedades dos pais, dos avós. Em alguns casos, eles ganham mais permanecendo no interior do que no próprio emprego na cidade. Isso não quer dizer que não tem dificuldades no interior, mas se houver algum incentivo, mínimo que seja, ele permanece, ele retorna”, comenta.

Feira do Produtor

A Feira do Produtor ocorre há cerca de 40 anos. Todos os sábados se percebe a grande movimentação de pessoas buscando produtos diretos da agricultura familiar, o que dá a ela um imenso prestígio por parte da sociedade. Como produtor, Postal participa há mais de 30 anos. “Realmente, as pessoas gostam muito de comprar na feira, uma vez que os produtos provêm diretamente dos agricultores. Hoje em dia se fala muito nessa questão das cadeias curtas, sem o produto ter que ser transportado a longas distâncias. Isso é um apelo social, sustentável, que favorece o meio ambiente. Precisamos incentivar ainda mais essas feiras. Precisamos evoluir, inclusive. Há mais de 40 anos ela está aí, sempre no mesmo local. Teve várias melhorias que precisamos considerar. No início eram colocadas as caixas no chão. Depois vieram os aramados, as barracas, que por sinal estão necessitando de uma troca, porque estão degradadas pela ação do tempo do uso, mas entendo que necessitaríamos ter um local coberto, onde a feira pudesse ser feita mais dias durante a semana, ou até uma permanente da agricultura familiar, uma espécie de mercado público. Também precisamos ter mais agricultores que se interessem em participar, porque temos percebido a redução no número de feirantes. Há alguns anos, era difícil encontrar um espaço vago e hoje temos, até pela desistência de alguns”, frisa.

Situação degradante

Recentemente Bento Gonçalves sofreu um reflexo extremamente negativo com relação a trabalhadores em situação degradante, alojados em um local de certa forma inapropriado, os quais estavam atuando como safristas nas propriedades rurais e, também, em atividades diretamente ligadas a algumas indústrias vinícolas. Para Postal, o município não merecia que isso tivesse acontecido. “Bento é uma cidade de povo trabalhador, que recebe bem quem vem em busca de condições melhores. Essa situação não reflete a realidade do nosso interior. São casos que nós não compactuamos, das pessoas terem que ser tratadas dessa forma, ou estarem alojadas em situação degradante. De qualquer forma, isso impacta e teve um reflexo muito negativo tanto para os agricultores, quanto para a indústria e para a cidade. Estamos vendo que teremos um grande problema pela frente que é a próxima ou as próximas safras, pois os agricultores terão muita dificuldade em fazer a contratação como a legislação exige. Sabemos que as particularidades da mão de obra, principalmente neste período, são diferentes de outros segmentos da economia, então vamos ter dificuldades sim. O Sindicato está trabalhando muito, em vários encontros, buscando alternativas, reuniões, conversas com o Ministério do Trabalho, com a Fetag. Participamos de uma série de debates, estamos orientando os agricultores. As dificuldades poderão ser cada vez maiores”, lamenta.

Preço mínimo da uva

O preço mínimo da uva, aliado ao custo de produção, sempre foi uma dor de cabeça para as entidades que lidam com os números. Sobre esta questão, e ainda mais com referência à já citada dificuldade de contratação de mão de obra, Postal afirma que, anualmente, o problema do custo persiste. “Além de tudo, esse ano temos uma dor de cabeça a mais. Algumas vinícolas estão trabalhando com uma tabela paralela, não querendo cumprir o preço mínimo da uva para os produtores. Isso é vergonhoso para todo o setor, é um desrespeito com os agricultores. É não valorizar todo o trabalho de um ano, é humilhar o nosso produtor rural. Além disso, com os problemas acarretados pela contratação de mão de obra terceirizada na última safra e a insegurança que ronda a próxima, ou as próximas colheitas, vai se elevar ainda mais os custos de produção, porque antes, se os agricultores faziam a contratação de uma forma, agora vai ter que ser de outra. Isso precisa ser levado em conta, porque os gastos com contador, com o pagamento de todos os encargos, medicina do trabalho, os contratos para a prestação do serviço, vão encarecer, sem dúvida alguma. Precisamos que as vinícolas, aquelas que não valorizam os produtores, porque não são todas, que olhem de uma forma diferente. Logo ali na frente eles vão ter muita dificuldade, principalmente quem não tem mais condições de permanecer e continuar cultivando o nosso produto tão nobre que é a uva”, diz.

Contratos temporários

Como Presidente do Sindicato, Postal dá algumas dicas e conselhos para os agricultores que precisam contratar serviços temporários, a fim de evitar transtornos. “Sempre busquem as informações com quem é especializado no assunto. Quando se trata da parte rural, busquem informações junto ao Sindicato. Nós temos departamento jurídico que pode orientar. Se nós não tivemos a informação no momento, iremos em busca. Temos uma equipe que nos orienta na parte de contabilidade também, e isso é importante. Temos cursos disponíveis para quem tem interesse em fazer a própria contratação, para buscar as melhores orientações. Mas é muito importante ter todo o cuidado de não fazer nada se não tiver certeza do que está fazendo”, garante.

Incentivo

Postal destaque que, como em qualquer segmento econômico, a situação não é fácil para ninguém. “Os custos estão cada vez maiores, a margem de lucro para muitos é menor. Tudo precisa ser colocado na ponta do lápis. É necessário diferenciar quais são os gastos da propriedade e quais são os da casa. Fazer uma espécie de contabilidade, para ver se realmente a pessoa está tendo lucratividade ou não naquela atividade é de grande importância. Nós nos deparamos com muitos agricultores que dizem que não sobraram nada durante a safra, mas se perguntar o que fizeram com o dinheiro, pagaram plano de saúde, fizeram uma viagem, trocaram de carro. Isso não são despesas da produção. O agricultor precisa sobreviver sim, ter seu lazer, seu conforto, mas isso é consequência do que ele produziu. Fazer uma viagem, comprar um carro novo é diferente de adquirir um trator, que ele vai usar na propriedade, que vai ter sua depreciação. Então tem que colocar tudo no papel para não ter surpresas quando fechar as contas.

Também é preciso acreditar na agricultura. “Porque principalmente para nós, a agricultura familiar não é só um meio de produção. É um meio de vida. Estamos inseridos na comunidade onde trabalhamos, vivemos, produzimos. Nós cuidamos do meio ambiente, daquela nascente que tem na nossa propriedade, do riacho que passa ao lado, os animais que circulam pelas nossas parreiras, nossas hortas, nossas plantações. Não é uma montagem. Isso é nossa vida. Isso é qualidade de vida”, finaliza o presidente.

Texto: Mônica Rachale