Lojistas do bairro demonstram apreensão com as mudanças econômicas que as tragédias podem gerar, e o que já vem acontecendo perante a catástrofe. Apesar disso, enxergam o Botafogo como um bom ponto para empreendimentos, e que cresce mais a cada dia que passa

Empreendedores e lojistas do bairro já percebem as mudanças causadas pela catástrofe que o Rio Grande do Sul enfrenta desde o início do mês, seja pelo pouco movimento ou pela dificuldade de acesso a outros municípios. Muitos alegam que o ano de 2024 vinha em uma crescente econômica, e que a tragédia pode mudar este fator. Apesar disso, todos são unânimes nos elogios ao bairro, principalmente como um ponto comercial que se equipara ao Centro.

Régis Arcari, gerente comercial, conta que no mês de maio o faturamento baixou, mas acredita que as coisas irão melhorar

“O faturamento caiu um pouco em decorrência da tragédia”

Régis Arcari, 49 anos, é gerente comercial em uma loja de construção. Ele notava um crescimento positivo no ano de 2024 e explica que, diferente do que outros comércios sentiram, o ano estava sendo bem estável para a loja. “Nós estávamos vindo em uma crescente. O ano não começou como esperávamos, mas dentro de uma normalidade. Acredito que as questões políticas ainda estão muito fortes, e por ser uma eleição muito parelha, o país fica dividido. Até no momento da catástrofe o pessoal está polarizando de forma política. Então essa divisão fez o ano começar meio instável, mas o setor moveleiro, que é o nosso principal cliente, foi se mantendo em uma crescente. Nosso faturamento é linear. Claro que as expectativas são sempre de crescimento, e vínhamos em um entusiasmo muito bom, e infelizmente tivemos esse baque”, conta.


Com a crise causada pelas tragédias, muitas pessoas foram afetadas não fisicamente, mas mentalmente, com a situação tão próxima e, ao mesmo tempo, distante. “Outro aspecto é que nós moramos na parte urbana da cidade e não fomos afetados diretamente, mas temos esse sentimento como se estivéssemos vivendo essas perdas, e isso abalou o consumo, porque as marcenarias que atendemos fazem móveis para fora da cidade também, mas não há estrada para escoar nosso produto”, explica.

A dificuldade em enviar a produção tem sido bem alta, principalmente por conta dos muitos dias com as estradas interrompidas. “Tenho conhecidos na indústria moveleira que pararam a produção, porque têm capacidade de produzir, mas não há estradas para levar os produtos. Logo que aconteceu a enchente, nossa loja seguiu atendendo, mas pessoas que não haviam sido atingidas nos ligavam e nós avisamos que não conseguimos entregar. Então, nosso faturamento caiu um pouco, não foi nada alarmante, mas nós sentimos”, ressalta.

Arcari tenta se manter positivo e buscar saídas para que o faturamento melhore. “Há uma expectativa de que, quando a água baixar, as pessoas vão precisar consumir. As pessoas vão precisar comprar móveis, e aí nós vemos uma oportunidade. Tivemos também marcenarias que foram atingidas e tiveram suas máquinas afetadas, e já entraram em contato conosco para fazer a manutenção e compra de novas. Estamos caminhando”, constata.

O gerente comercial tem um grande carinho pelo bairro onde a loja está localizada, pois nasceu ali. “O bairro Botafogo cresceu bastante. Nasci e me criei neste lugar. Hoje não moro mais aqui, mas trabalho, e meu pai ainda mora. Digo para ele que está rodeado de tudo, pois tem desde bancos, farmácias, mercados, até lojas de materiais de construção. Costumamos dizer que o Centro é o local de tudo, mas o bairro Botafogo, para mim, é um dos mais completos que existe”, e acrescenta: “dá orgulho ver o bairro crescer. Claro que quem faz isso são as pessoas; se o comércio escolhe este local para pôr seu empreendimento, é porque viu que o bairro oferece facilidades”, conclui.

Tradição e comércio

Gelson Schenatto sentiu a economia bastante instável, e se preocupa com os próximos meses

Gelson Schenatto é sócio de uma empresa que vende bicicletas e artigos relacionados, fundada por seu pai em 1977. Com o passar dos anos, o mercado foi mudando, assim como a forma de vender. “A loja começou em 77 com nosso pai. Ele tinha uma grande dificuldade nas competições em encontrar uma loja que prestasse assistência para ele com peças. Claro que era muito diferente naquela época, a demanda era menor e não havia uma grande quantidade de produtos, então era bem difícil. Mas a loja foi acompanhando o mercado; aos poucos fomos nos introduzindo e dando outra cara para o negócio, mas tudo seguindo os passos do nosso pai”, esclarece.

Quando seu pai abriu a loja, o Botafogo não se parecia em nada com o que é hoje, pois havia poucas casas e até mesmo comércios. “Ele sempre nos contou que foi o primeiro comércio da rua e hoje nosso bairro é muito mais comercial do que residencial nas avenidas. Para o empreendedor, creio que é um lugar fantástico. A parte negativa é que os imóveis se tornam caros, mas é o preço que se paga por ter uma boa localização,” constata.

Ele entende que o ano estava oscilando bastante, com momentos de alta, mas também compreende que os próximos momentos podem não ser favoráveis. “Na situação econômica, notamos muitos altos e baixos; não sabemos muito bem como agir, então há necessidade de ter cautela. Nosso segmento é repleto de semanas boas e ruins. Nossas expectativas são de que os próximos meses sejam difíceis para o estado inteiro, principalmente para quem lida com o comércio local e não a nível Brasil,” conclui.

Há 44 anos empreendendo

Helenir Bedin disse que o feriado de Dia das Mães, um dos mais lucrativos, foi bastante diferente dos outros anos

Helenir Bedin, 64 anos, trabalha há 44 anos com comércio de roupas. Começou a empreender aos 24 anos e hoje conta com duas lojas, uma delas situada no bairro Botafogo. “Era muito jovem quando comecei. Trabalhava em uma farmácia naquela época e, a convite do meu ex-marido, abrimos uma loja aqui no Botafogo. Começamos pequenos e devagar, mas em 1981 eram outros tempos; qualquer porta que você abrisse era fácil. Era a famosa ‘barriga no balcão’ e esperar o cliente, porque ele vinha. Agora, temos que correr muito atrás do cliente. Hoje em dia, as compras são feitas no mundo todo, não apenas em Bento Gonçalves. Estamos em um momento de nos reinventar, dar atenção às mídias sociais” relembra.

Com o passar dos anos, ela rememora quais foram as principais dificuldades que encontrou. “Foram muitas mudanças. Tivemos crises econômicas como o Plano Cruzado e o Cruzeiro Novo. Depois veio a pandemia, quando pensamos que iria quebrar tudo, mas foi mais fácil passar pela pandemia do que pela semana passada. Agora as coisas estão voltando à normalidade, porque as pessoas estão menos chocadas. O ano estava crescendo comparado ao ano passado, com crescimento às vezes de até 10%. Agora vamos aguardar o final do mês, mas o Dia das Mães preocupou bastante, pois é a segunda data que mais vende, e essa catástrofe toda ocorreu na semana que antecede esse feriado. Os estragos ainda estão sendo revelados, mas já vimos que foram muitos, e nos resta ajudar nossos companheiros que estão fragilizados e perderam tudo,” realça.

Com toda a bagagem que carrega, Helenir tenta manter a calma neste momento e focar em estratégias que a ajudem comercialmente, mas também não se esquece de colocar a solidariedade em primeiro lugar. “Nesses 44 anos no comércio de Bento Gonçalves, enfrentamos diversos desafios e estamos agora com mais um por conta dessas chuvas e enchentes. Precisamos enfrentar isso com tranquilidade. Temos feito promoções, trazido novidades e estamos compreendendo as necessidades das pessoas ao fazer campanhas de arrecadação de roupas e alimentos. Atualmente, estamos arrecadando brinquedos e ursinhos de pelúcia para que as crianças nos abrigos possam ter algo para brincar,” conta.

Para o futuro, a empresária acredita que há a necessidade de o Governo Federal criar planos que façam a economia do estado não parar de girar. “O momento econômico está preocupante, porque muitas pessoas perderam o emprego. Mas vejo que muitas empresas já estão se recuperando e precisam da ajuda do Governo Federal. Acredito que essas linhas de crédito que eles estão anunciando vão colocar a economia para girar,” constata.

“Escolhemos o bairro porque o fluxo de pessoas é alto”

Loraine Dias da Silva, 35 anos, é gestora de um restaurante que abriu com sua mãe. “Faz três anos que temos o restaurante no bairro. Começamos em casa e depois decidimos abrir no Botafogo para ter mais visibilidade. Hoje, há muitos comércios e empresas no local, o que nos favorece muito”, explica. Ela complementa: “Acredito que o bairro continua crescendo. Novos bancos estão abrindo, e novos comércios estão sempre surgindo,” realça.

Loraine observa que o ano estava sendo muito bom para os negócios, mas sabe que após a tragédia que assola o estado, há o perigo de isso mudar. “O ano estava sendo bom. Tivemos muito crescimento e procura. Claro que toda essa tragédia vai afetar, mas antes disso estávamos achando o ano muito próspero. Por enquanto, não sentimos um impacto, mas acredito que, querendo ou não, haverá um impacto. Nossa região foi mais afetada no interior; na cidade não, mas a questão do transporte, indústrias, infelizmente pode resultar em uma queda,” conclui.