Nascido em 7 de fevereiro de 1924, no então distrito de Guaporé, Valdyr João Peron teve uma infância marcada pelo trabalho e pelas transformações sociais do século XX. Aos quatro anos, sua família muda-se para Bento Gonçalves, onde seu pai consegue emprego na Salton, empresa que se torna parte fundamental de sua trajetória. “Naquela época, os caminhões eram carroças puxadas por mulas. Os automóveis eram os cavalos”, relembra.
Crescendo próximo ao trabalho do pai, Peron teve contato desde cedo com a rotina da empresa. “Eu praticamente cresci dentro da Salton. Acompanhava os empregados na fábrica de salame, na cantina de vinho e no abate de porcos”, conta. Sua educação formal começa cedo, e ele lembra com humor dos desafios: “Minha mãe me levou para a escola porque eu incomodava muito em casa. Até colocaram uma cadeira ao lado da professora para me manter quieto”, comenta.
Ainda criança, presencia momentos históricos, como a Revolução de 1930 de Getúlio Vargas. “Eu me sentei nas escadarias da igreja de onde morava e vi os chamados ‘jagunços’ indo para o combate. Essa cena nunca esqueço”, recorda. Aos 21 anos, serve o Exército durante o final da Segunda Guerra Mundial, sendo enviado a Passo Fundo para treinamentos, mas retorna antes do embarque, pois o conflito chega ao fim. “O transporte era feito na carroceria de um caminhão cheio de rapazes. Para nós, parecia uma diversão, mas a realidade da guerra era muito diferente”, reflete.
Em 1939, sua família se muda para Ibiraiaras, onde a Salton possuia uma serraria. “Meu pai foi à frente para derrubar o mato e construir a casa. Depois que estava tudo pronto, ele voltou para nos buscar”, relata. Foi lá que Peron começa a administrar a serraria e consolida sua carreira no ramo da madeira. “Eu comandava o pessoal da serraria que ia trabalhar lá, que depois passou a se chamar Madeireira Salton”, diz.

Amor, família e juventude nos bailes
Além do trabalho, Ibiraiaras também se torna palco de sua vida pessoal. Casa-se com Olímpia (in memoriam) em 27 de abril de 1951, formando uma família com oito filhos. “Tive muitas amizades, mas minha maior companheira foi Olímpia. Gostava muito dela, e nós ficamos juntos até sua partida em 2016”, relembra. Ele se lembra com carinho do momento em que pediu a mão da esposa em casamento. “Marquei com o pai dela para conversar no domingo. Ele concordou e disse que na Semana Santa combinaríamos melhor. Mas, na quinta-feira, ele sofreu um infarto e faleceu. Nunca imaginei que isso aconteceria”, comenta.
Antes do casamento, Peron aproveita ao máximo a juventude. “Eu adorava os bailes, principalmente os gaúchos, onde íamos de bota, bombacha e lenço no pescoço. Tenho até fotos da nossa turminha de carnaval, porque eu não perdia um carnaval! Naquela época, eu tinha o meu par. Minha namorada, Olímpia, que não dançava, então eu disse para ela: ‘Eu gosto de dançar, vou dançar com umas amigas que gostam também’. Ela me liberou sem problema e me disse: ‘Pode dançar, só tem que respeitar’”, relembra, com humor. “Mesmo gostando de dançar com outras pessoas, eu sei que não trocaria ela por nada nesse mundo”, revela.
Desafios e recomeços
Em 1964, a família retorna a Bento Gonçalves, acompanhando a expansão da Salton. “Foi nesse período que vivemos uma das maiores tristezas da nossa vida, a perda do meu filho César, em 1966”, lamenta. “Voltamos para Bento em 1964, e pouco depois César faleceu. Foi uma perda devastadora para todos nós”, conta.
Após anos dedicados à serraria, Peron passa a trabalhar com outros negócios do setor madeireiro, administrando a empresa herdada por sua esposa. “Nosso trabalho era fabricar caixas de madeira para transportar vinho. Tudo era feito manualmente, e eu sempre ajudava quando via alguém com dificuldade no serviço”, destaca.
Um dos momentos mais difíceis de sua trajetória profissional foi o incêndio que destruiu a serraria da Salton. “Foi um incêndio que destruiu tudo, incluindo os grandes pavilhões. Tivemos que reconstruir do zero. Foi um período muito difícil, mas seguimos em frente”, pontua.
Depois de se aposentar, dedicou-se à agricultura. “Comprei um sítio na rota do Vale dos Vinhedos e comecei a trabalhar com parreiras. A terra sempre fez parte da minha vida”, diz. Até hoje, visita o local nos fins de semana. “Durante muitos anos, ia todos os dias. Hoje, minha irmã me leva, e almoçamos em família”, conta.
Além dos negócios, Peron também atua na cooperativa Tamandaré, onde chegou a ser presidente. “Fiquei na administração por 14 anos. Quando percebi que a dívida era impagável, decidimos liquidar a cooperativa. Foi uma decisão difícil, mas necessária”, afirma.

O segredo da longevidade
Mesmo após os 100 anos, ele se mantém ativo. “Fui presidente da cooperativa até quase os 90 anos. Sempre tive objetivos, acho que isso me manteve de pé”, diz. Sobre o segredo da longevidade, afirma: “Nunca fumei, sempre tomei uma tacinha de vinho por dia e nunca parei de trabalhar”, diz. Ele conta um episódio marcante da infância: “Meu pai, que fumava, me proibiu de fumar. Mas um dia ele me viu escondido e me deu uma cintada. Aquilo me marcou, e nunca mais fumei”, comenta com humor.
Ao refletir sobre a vida, Peron destaca a importância da família e do respeito ao próximo. “O melhor conselho que posso dar aos jovens é: façam o bem e nunca façam o mal a ninguém. O respeito é tudo”, afirma. Hoje, aos 101 anos, ele continua cercado por filhos e netos, celebrando uma vida repleta de histórias e aprendizados. “Minha vida teve momentos difíceis, mas no geral foi boa. E se depender de mim, vou morrer contente também”, finaliza.