Quase metade das crianças são de descendência estrangeira: Haiti, Venezuela, Chile, Panamá e Guiana Francesa
Já imaginou ser matriculado em uma escola onde ninguém fala a mesma língua que a sua? Essa é uma realidade presente em muitas escolas do Brasil, que recebem alunos estrangeiros. A educação para essas crianças e o diálogo com as famílias é um desafio para os educandários. Em Bento Gonçalves, a Escola Municipal Infantil Primeiros Passos, tem quase 50% dos estudantes de outras nacionalidades, por isso, contratou um profissional fluente na língua dos alunos para facilitar a aprendizagem dos pequenos e a comunicação com os pais.
Atualmente a escola atende 141 alunos, entre zero e seis anos. Desse número, embora nem todos tenham nascido em outros países, quase metade são de descendência estrangeira: Haiti, Venezuela, Chile, Panamá e Guiana Francesa. A maioria dos pais se comunica utilizando o dialeto crioulo, alguns falam em francês e poucos em português.
A diretora da instituição, Andréa Coser Cesca, conta que a comunicação, principalmente com os familiares, não era uma tarefa fácil. “A gente não compreendia a língua deles e nem eles entendiam a nossa. Muitas vezes, os pais vinham com alguém que fala mais o português, para auxiliar na nossa conversa, com um interprete para ajudar, mas era bem difícil”, afirma.
Para mediar a comunicação entre escola, alunos e famílias, surgiu a ideia de contratar um profissional fluente em francês. A chegada do supervisor pedagógico Dejair Bento, em 2020, transformou o que antes era uma dificuldade, em alegria. “Facilitou muito com a chegada dele. A comunicação é bem mais efetiva. Agora, eles se sentem muito pertencentes, chegam felizes na escola. Muitas vezes é a gente que recebe, mas eles querem falar com o Dejair, porque sabem que vão ser mais compreendidos”, assegura.
Embora nem todas as crianças falem, devido à pouca idade, o sentimento positivo que nutrem pelo profissional é nítido nas ações: ao vê-lo, muitas correm para abraça-lo. A reciproca é verdadeira. “Sou feliz, porque consigo ajudar nossa escola e as famílias que precisam se comunicar. Essa demanda vem de muito tempo, quando cheguei, elas (direção) me diziam que mandavam sinal de fumaça, faziam de tudo e não conseguiam ter uma comunicação efetiva com os pais”, relata.
Na prática
Na escola, o tempo inteiro é falado em português. Quando algum aluno não compreende o que está sendo dito, Dejair entra em cena. “As crianças do jardim A e B, que são os maiores, ainda tem algumas dificuldades de comunicação, então, de vez em quando, entro nas salas, junto com as professoras, para fazer uma interlocução, a mediação de alguma situação que não estão compreendendo, falando em francês”, explica.
Contudo, Dejair destaca que a maioria deles já compreende bem a língua brasileira. “As crianças aprendem muito rápido, escutam e estão inseridas nesse ambiente que fala português. A nossa intenção não é conversar em francês com eles, porque no Brasil falamos em português. Claro, algumas vezes, quando a comunicação não está fluindo, falo em francês. Esse é o processo que estamos fazendo aqui na escola”, salienta.
O supervisor também afirma que muito provavelmente esses alunos se tornarão bilíngues. “Temos que destacar que nem todos falam o francês, mas eles têm o dialeto deles, que se aproxima muito, que chamamos de segunda língua, até porque a gente não sabe se eles vão voltar ou não (para o país de origem)”, defende.
Importância do acolhimento
Com a chegada do Dejair, famílias e alunos descendentes ou estrangeiros, começaram a sentir-se mais acolhidos na escola. “A gente cuida muito para que as famílias pertençam a essa comunidade. Acho que a palavra é essa, acolher as pessoas que vieram de um país com muitas dificuldades e que encontraram muitos obstáculos na nossa região, mas que veem essa luz no final do túnel, que não é no final, mas no início mesmo, de poder conversar, de vir até a escola e ter alguém que fale com eles, que compreenda. Esse é o grande diferencial”, frisa.
Incentivo dos pais
Dejair ressalta que é importante que os pais, em casa, falem em português, para ajudar as crianças no processo de aprendizado. “Esse é o nosso trabalho, incentivar as famílias para se apropriarem da língua e passarem para as crianças também, porque elas vão se alfabetizar em português e se tudo der certo e continuarem aqui (Brasil), vão para o ensino fundamental aprender a nossa língua”, defende.