No interior de Bento Gonçalves, no pátio de um dos lares temporários para acolhida de animais abandonados, a voluntária da causa animal é cercada, por onde vai, por dezenas de cães, de todos tamanhos, idades e portes. Alguns, animados, pulam nas pernas, irremediavelmente sujando as roupas, ou se aproximam e deitam aos pés pedindo carinho.
Se nas ações e na aparência observamos a certeza de que são bem cuidados e recebem muito carinho, o olhar triste e a forma como alguns, mais receosos, ainda se afastam quando uma pessoa se aproxima revelam, no entanto, a situação de vulnerabilidade e de abandono que viviam antes de serem recolhidos. “Muitos demoram um tempo para acostumar com a gente, a maioria dos animais que recolhemos está muito acuada, e apresenta marcas da coleira no pescoço ou cicatrizes no corpo”, detalha Aline Godoy, voluntária da ONG Patas e Focinhos, que mantém na casa dos pais, mais de 20 cachorros na espera por adoção.
Somente até agosto deste ano, segundo Aline, a ONG já resgatou 108 cães e 110 gatos. Atualmente, estão com todos os lares temporários oferecidos por voluntários lotados. A situação se repete também em outras organizações de proteção animal. Apesar dos esforços, a demanda, destacam, é sempre maior que os recursos financeiros e estruturais disponíveis.
“O termo ‘maus-tratos’ se aplica também a pessoa que vê um animal atropelado ou desmaiado e não faz nada. É uma vida que está ali, pedindo por socorro”, A.C.
A situação das ONGS e o abandono animal em Bento
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há cerca de 30 milhões de animais abandonados em todo o Brasil. Ao mesmo passo, um levantamento inédito e recém-divulgado do Instituto Pet Brasil, destacou que outros 170 mil estão sob os cuidados de ONGS. Muito embora não exista nenhum relatório oficial sob os números de Bento Gonçalves, a realidade apontada pelas pessoas que se dedicam a acolher e mudar a vida de cães e gatos sinaliza que a realidade da cidade vai de encontro a apresentada nacionalmente. Atualmente, mais de 100 animais estão em lares custeados por voluntários.
Na Patas e Focinhos, são 33 cães e 30 gatos acolhidos em lares de voluntários; Na Amigos Pet, 13 cães em lares pagos, custeados pela ONG; Na Todos por um Focinho, outros 24. Todas estão lotadas e impossibilitadas de recolher novos animais. Apesar disso, juntas, recebem em média sete novas denúncias de animais abandonados por dia. “Já chegamos a ter 11 pedidos em um único dia. Tentamos sempre divulgar pelas redes para falar que tem um animal abandonado em tal local, para ver se alguém mais, além da ONG, pode adotar ou ajudar de algum modo. É impossível dar conta de tudo. Se for resgatar todas as denúncias que chegam até nós, não teríamos onde colocar tanto bicho”, sublinha Aline.
Entre atendimento veterinário e rações, a ONG tem um custo mensal de aproximadamente R$6 mil. O valor é custeado com os pontos de “troquinho solidário”, pedágios solidários, feiras, bingos e doações. De parte da Prefeitura, assinala, só recebem doações esporádicas de ração, resultantes da “Eu amo bicho”, evento promovido pelo Conselho Municipal do Bem-Estar dos Animais (Combea), e um número limitado de castrações, suficiente apenas para a demanda do primeiro semestre.
Na Amigo Pet, segundo A. C. (que preferiu não se identificar), o maior custo é referente aos lares temporários pagos. Atualmente, a ONG aluga um espaço em uma fazenda no interior de Garibaldi, ao custo de R$150 mensais por animal acolhido. “Gostaríamos de um espaço para os animais ou uma verba para custear o lar pago. Vivemos de doação e nem sempre conseguimos verbas para cobrir todas as despesas. No momento a Administração Pública nos ajuda com castrações e com ração repassada do “Eu amo bicho”, mas a quantia repassada não supre dois meses”, destaca.
Além de rifas, a ONG conta com “madrinhas e padrinhos” que pagam a “estadia” do animal escolhido até ele ser adotado, e uma parceria com outra ONG, a “Ações do Bem”, que faz a separação de tampinhas de garrafa pet para arrecadar fundos. A ação rende até R$700 mensais. “O resto é no desespero, no boca a boca. Pedimos ajuda para amigos, familiares, e vamos nos virando como dá”, exclama.
Segundo A.C., pelas limitações estruturais e financeiras da ONG, apenas são recolhidos os animais vulneráveis ou doentes. “Dos 13 que cuidamos atualmente, 10 passaram por maus-tratos. O último que recolhemos na rua foi um animal de mais de 10 anos, que deve ter ficado a vida toda amarrado, porque a corda da coleira já tinha criado uma ferida no pescoço e entrado na carne”, conta.
Presidente do Combea e voluntária da Todos por um focinho, Daiane de Mattos é outra que denuncia os inúmeros casos de maus-tratos dos animais encontrados nas ruas. “Não temos como acolher todos abandonados, então damos preferência aos bichos mais vulneráveis mesmo. São, comumente, casos de atropelamento ou de negligência quando são animais doentes ou desnutridos”, assinala. Ela destaca que toda forma de ajuda é bem-vinda à ONG, seja depósito bancário, ração, medicamento ou apadrinhamento, mas, o maior convite, assinala, é para a adesão de novos voluntários. “O que mais precisamos é voluntários. É uma tarefa difícil, mas compensadora. Estamos salvando algumas vidinhas e sabemos que vamos conseguir salvar ainda mais, com ajuda de todos”, projeta.
De acordo a fiscal do meio ambiente, Bianca Vieira, a fiscalização só autua em casos de maus tratos, enquanto encaminha as denúncias de abandono para as ONGs. “Se o animal está na rua nem atendemos, porque não temos como responsabilizar o dono, já que não conseguimos identificar o responsável”, destaca. Segundo ela, a fiscalização só autua os casos mais graves de maus tratos, nos demais, notificam e orientam os donos. Em casos extremos, os animais são recolhidos, tratados e encaminhados para ONGs, e o dono recebe uma multa de valor mínimo de R$1.293.
Políticas Públicas
Responsável por atender aos pedidos mais extremos de casos de maus-tratos, enviados pela Delegacia de Polícia e pela Polícia Rodoviária Federal, além do Corpo de Bombeiros, o Fiscal da Associação Riograndense de Proteção aos Animais e ao Meio Ambiente (Arpa), Jorge Luis Acco, defende a necessidade de um espaço de acolhimento para os animais encontrados nos bairros e nas rodovias. “Existe um ofício da Arpa no Ministério público (MP) há pelo menos sete anos, solicitando que o município crie um setor de recebimento de animais mau-tratados e atropelados. Isso é obrigado pela constituição e pelo código de postura do município e Bento não tem”, sublinha. Segundo ele, a associação atende mais de 15 casos por mês e, por falta de um espaço na cidade, os encaminha para outros municípios, como Garibaldi, Guaporé e Porto Alegre.
Apesar de confirmar o ofício encaminhado pela Arpa, o promotor de Justiça de Bento Gonçalves, Élcio Resmini Menese, destaca que ainda não há nenhuma demanda consistente que justifique uma ação do MP em relação ao Município. “Precisamos uma demanda que comprove a situação atual, onde estão os cães recolhidos, quantos são por mês, para aonde são levados. Se tivermos esses números, voltamos com o grupo de discussão para que a Administração Pública se convença que precisa de políticas públicas como um canil ou uma secretaria específica”, destaca.
Secretário interino do Meio ambiente, Henrique Núncio, confirma que ainda não há previsão para um local de acolhida na cidade, mas que o assunto está em debate no Combea. Destaca, ainda, o trabalho de educação feito em escolas, com palestras e apresentações de peça de teatro. “No ano de 2018, o Programa Posse Responsável atendeu 21 escolas da rede municipal. Além disso, o programa se estende também na Comunidade Terapêutica Rural com a confecção de casinhas para serem distribuídas. Em 2018, foram entregues 11 abrigos de cachorro e/ou gatos às famílias que não têm condições de adquirir”, sublinha.
Aponta por fim, a criação do “Eu Amo Bicho” e as castrações gratuitas oferecidas pela Prefeitura. “O Programa se destina ao desenvolvimento de ações de controle de natalidade destes animais e da conscientização da população sobre a propriedade responsável de animais domésticos, visando à prevenção de zoonoses. Em 2018, foram realizadas 1.140 castrações em gatos e cães”, finaliza.
Como Ajudar
. Patas e Focinhos:
A ONG aceita doações em conta por depósito, transferência ou boletos mensais. A ajuda pode ser destinada também pelo aplicativo Angels, disponível para disponível para download em sistemas Android e iOs. Além disso, a Ong conta com caixas de “troquinho solidário” em nove pontos da cidade: Recanto dos Animais, Atacadão Pet, Tabuleiro Agro Pet, Buckel Agro Center, Agropecuária Botafogo, Ferranelo Agro Pet, Furlanetto Agro Pet, Kerber Agro Pet e no Recanto Nativo. Para mais informações, acesse a página “Patas e Focinhos”, no Facebook.
. Todos por um focinho:
Além de doação de ração, os interessados podem ajudar com valores mensais superiores a R$20 por meio de boletos, ou apadrinhando um dos animais da organização. As doações também podem ser efetuadas pelo aplicativo Angels. Para mais informações, acesse a página “Todos por um Focinho”, no Facebook.
. Amigos Pet:
Além de ajuda financeira, a ONG recolhe tampinhas plásticas vendidas para a reciclagem. Para mais informações, acesse as páginas “Amigos Pet” e “Ações para o bem”, no Facebook.
Alguns amigos a procura de um novo lar
Amigos Pet
Patas e Focinhos
Todos por um focinho
Denuncie:
Em caso de maus-tratos entre em contato pelo pelo “Fala Cidadão”: 0800 979 6866