O assalto

Pois como eu faço todos os dias por volta da meia noite, ligo a “irradia” (Rádio para o pessoal da colônia e para quem o Bradesco é Bavaresco) para ouvir as últimas notícias e eu não acordar surpreendido, mas sim, bem informado. De repente lá estava Valdomiro Vaz Franco, que o Inter, nos áureos tempos, tinha trazido de Criciúma para a ponta direita. Empilhou feitos e gols, foi o campeão das vaias no Beira Rio até se firmar, ser aplaudido de pé e ir parar na seleção brasileira. Eu sei porque “EU ESTAVA LÁ”! Ele estava narrando, da janela do apartamento, o assalto ao Banco do Brasil de Criciúma. Dizia Valdomiro, que sempre na vida falou um português do Brasil mesclado com o português catarinense, que “as balas estavam se cruzando, vem chumbo de tudo que é lado”. O repórter perguntou: “mas tu tá vendo”? E ele, “sim, da janela do meu apartamento que fica na quadra do Banco, tô vendo tudo”. De repente ouve-se um estrondo e Valdomiro desapareceu. O repórter chamou “Valdomiro tu ainda tá ai”? “Sim, tô aqui, deu um estouro e eu me abaixei (o celular deve ter caído meio longe – observação minha), devem ter explodido o Banco, que loucura, que horror”. E assim eu fui me aprofundando, na madrugada adentro, dos acontecimentos, me lembrando, ao ouvir Valdomiro e seu jeito de falar, do Claudiomiro, “mortal” centroavante colorado, que também falava errado, a ponto de, numa entrevista, certa ocasião ao pedir ao repórter licença para fazer um agradecimento, disparou: “agradeço à Brahma, a Antártica que me mandou”. Ficou na história. Mas, tentando colocar mais um pouco de folclore noite adentro para poder dormir, me lembrei do TREMEA, zagueiro do Esportivo vindo do futebol amador. Alto, potente, vigoroso, “um armário” diriam, que em determinado momento foi promovido a Técnico, o Esportivo deve ter sido com Tremea, o primeiro Clube a aproveitar a prata da casa na função de técnico. Na primeira preleção aos atletas, Tremea passou um por um os jogadores, como um sargento fiscaliza a farda dos soldados, e depois falou de forma “italianada”: “bem gente o negócio é o seguinte: clareou chutou, o resto é com Deus”, numa visão tática de zagueiro, generalizada, do Goleiro ao ponta esquerda. Depois lembrei do CHAPARIN, técnico amador, vindo da Várzea, de profissão Mestre Pedreiro como poucos. Na primeira preleção como técnico do Esportivo CHAPARIN, o magnífico (Pedreiro) disse: “o que que eu posso dizer? Vamo lá e vamo joga”! E assim se fez, mas é preciso que se diga, por três jogos, a tática não deu certo. Bem, depois de meus pensamentos terem aliviado, dormi “ o sono dos justos”. Lá em Criciúma ninguém dormiu.

A bela Criciúma

Estive lá há uns três anos. Ao sair da BR 101, percorri o acesso de 15 quilômetros, uma estrada tipo Freeway, com quatro pistas, ricamente iluminada. Fiquei impactado e “puto da cara” com Bento. Como é que eles têm um acesso daqueles e nós não conseguimos sequer uma terceira pista para São Vendelino? Este acesso, mais o fato do Centro Histórico de Criciúma estar concentrado e com vias de acesso estreitas, constituiu uma condição favorável para sitiar o local de concretizar o assalto. A tática parece tão simples como a do TREMEA e do CHAPARIN, um carro incendiado no viaduto para impedir a vinda do auxílio policial, um carro incendiado na frente do quartel da Brigada para impedir a ação dos Policiais, e, de resto “clareou chutou, quer dizer, balas pra todo lado, impondo o terror à população e a polícia”. Qualquer zebra no assalto, certamente a ideia dos bandidos era invadir, na madrugada, o shopping (muito bonito e majestoso), com uns reféns e negociar o salvo conduto. Fugiram, deixando para trás, espalhados no chão, cerca de 800 mil reais. Quatro moradores, com a premissa de que “dinheiro achado não é roubado” recolheram e levaram para casa. Como assim, dinheiro achado? Foram sustentar a tese “não sabia quem era o dono” na cadeia.

As facções e seus “panochas”

Tive um Professor, na Escola de Polícia, que dizia assim: “se queres prender bandido, pensa como bandido, eles têm 24 horas do dia para pensar no planejamento do crime, enquanto nós, policiais, trabalhamos as 24 horas do dia”. “Assim, pare e pense como bandido”. Esse conselho me ajudou um dia. Deixei a casa da praia numa noite de sábado para jantar na casa da minha filha, uma ausência de duas horas. Roupas, pertences pessoais, documentos, dinheiro, tudo ficou lá. Na volta, vi a janela aberta, toquei buzina do carro, se alguém estivesse dentro sairia. Passado um tempo, entrei, familiares no carro. Dos meus pertences, as roupas que “levo para passear”, documentos, dinheiro, tudo havia desaparecido. Com a ideia de que no dia seguinte iria a Delegacia, deitei e comecei a pensar, me lembrei do conceito do Delegado Pacheco “pensa como bandido”. E comecei a pensar no que iria fazer se fosse o bandido ladrão. Pularia, com tudo, o muro e, no lado do vizinho, um habitual ausente, examinaria tudo e bolaria um plano para levar embora. Apanhei uma lanterna, pulei o muro e lá estava minha pasta, meu talão de cheques, meus documentos, menos o dinheiro, excepcionalmente uma quantia elevada, setecentos reais. Emocionado, recolhi tudo, menos insatisfeito porque recuperara os documentos e voltei para a cama. Voltei a pensar: e as minhas roupas? O que eu faria com elas se fosse bandido? Bem, não sairia com elas, não eram poucas, madrugada adentro pelas ruas de Xangri-Lá. As esconderia e viria buscá-las um pouco por vez, à noite, diante da ausência do vizinho. Levantei de novo, lanterna na mão, pulei o muro, lembrei de uma enorme seringueira e disse: “estão lá”. Dito e feito, estavam todas empilhadinhas, separadas “prontas para embarque nos dias seguintes”. Recolhi tudo, toda esta operação durou três horas, fui dormir tranquilo, os setecentos reais foram apenas um detalhe. Estavam comigo meus documentos e minhas roupas. Os bandidos sabiam o que estavam fazendo, observaram, planejaram, sabiam dos hábitos, do vizinho, dos meus deslocamentos.

O preparo e o aparato policial

Foram tantos os assaltos a bancos, foram tantos os sequestros, os crimes orquestrados por facções, especialmente de São Paulo, que entendem sermos um Estado com potencial econômico rico e um sistema policial não aparelhado o suficiente, que concentram sua atuação criminosa, forma intensa, também por aqui. De tanto levar pancada, com o andar da carruagem e, levando em conta como os bandidos agem, pensam e acionam suas táticas criminosas, homens e armas, a polícia se uniu e organizou, criando inclusive Batalhões Especiais, unindo forças interestaduais, informações, logísticas, unindo todos os organismos de combate ao crime organizado de tal forma que, cedo ou tarde, todos caíam nas malhas da justiça. Pode fugir, eventualmente, do alcance da Inteligência da Brigada – que é muito eficiente – um assalto como o de Criciúma onde a violência ilimitada e as armas poderosas, fugiram de qualquer previsibilidade. Eu fico imaginando esses bandidos comprando favores por 5, 10, 15 mil, conseguindo uns “panochas”, verdadeiros soldados do terror em troca de uma renda de 500 mil ou um milhão, fazendo seus churrascos ouvindo músicas Hits tipo BOATE AZUL e contando, uns para os outros, o que vão fazer com o dinheiro. Mas são uns “panochas” mesmo. Uns circulam lá por Canoas na BR, com carro com placa de São Paulo, foi o suficiente. Outros pelas praias no sul de Criciúma. Em algumas horas a polícia sabe quem fez acontecer, onde e como as coisas aconteceram. Infelizmente o imponderável acontece, mas estamos bem aparelhados e organizados. Nós cidadãos temos que ter cuidado, pensar sempre como bandidos, olhar, observar, deduzir, analisar as possibilidades de ação criminosa. O resto, como diria TREMEA, “fé em Deus,” e confiança na ação policial.