A visão do céu ou mesmo da arquitetura de alguns dos principais cartões postais de Bento Gonçalves como as Igrejas Cristo Rei e São Bento, para quem caminha pelas calçadas ou dirige pelas ruas da cidade, é normalmente entrecortada e quase emoldurada por um sem fim de quilômetros e quilômetros de cabos elétricos que se cruzam e se multiplicam em todas as direções. Uma confusão de fios de energia, telefonia, internet, alguns em uso e outros não, que se enrolam, pendem e se emaranham, acumulando-se sobre postes, gerando situações de risco e, sobretudo, alimentando a poluição visual que se estende para fachadas comerciais berrantes, banners, outdoors, entre outros.
Em 2014, foi instituída a Lei Municipal 5.889 que obriga à concessionária ou permissionária do fornecimento de energia elétrica do Município a realizar o alinhamento e a retirada de fios inutilizados nos postes, e a notificar as demais empresas que utilizam as estruturas como suporte de seus cabeamentos. No entanto, cinco anos após a sanção, na opinião do autor da norma, vereador Moisés Scussel (PSDB), nada foi feito efetivamente para controlar os excessos de fiação. “Primeiro, isso é algo que deixa a cidade muita feia; segundo, também pela questão da segurança. Temos inúmeros fios caídos que ficam pendurados no poste e não se sabe se são de energia elétrica ou telefonia. O objetivo da lei foi regrar essa situação e na época o Prefeito foi sensível à questão e a sancionou, mas infelizmente não passou disso”, lamenta.
Para o vereador, a solução passaria por uma fiscalização da rede elétrica por meio da atribuição de uma nova função aos fiscais que a Administração Pública já conta, mas destaca que a grande responsável pela situação é a companhia de fornecimento de energia elétrica. “Essa lei inspirou outras cidades da região e até do país. Bento foi pioneira, mas estamos deixando uma baita oportunidade passar por omissão, sobretudo, da RGE, que não se articulou para fazer esse trabalho e em parte do município que não cobra da companhia para que apresente uma solução”, destaca.
A Administração Pública também se diz ciente do problema e afirma estar em constante contato com a empresa responsável para que a lei seja cumprida. “Já notificamos a concessionária para que a situação dos cabos de telecomunicações seja resolvida, alguns problemas foram solucionados, porém ainda existe uma grande quantidade de cabos a serem regularizados”, afirma o secretário da Gestão Integrada e Mobilidade Urbana, Gilberto Rosa.
Ele destaca, ainda, que o maior desafio para a efetividade da legislação é a grande quantidade de empresas que instalam seus fios em postes de forma clandestina e sem autorização da companhia de energia, dificultando a identificação e a punição. No primeiro semestre de 2019, das 841 inspeções na rede elétrica da cidade, a RGE encontrou 202 ligações com alguma irregularidade, ou seja, 24,01% do total.
A fiação subterrânea
Se apressados e acostumados com o cenário que nos cerca, muitas vezes podemos não nos dar conta da poluição visual, uma caminhada mais atenta pelo centro de Bento Gonçalves evidencia o problema. Ao descer a Marechal Floriano em direção a Via del Vino, por exemplo, o contraste é evidente: da Saldanha Marinho para trás, os detalhes arquitetônicos dos prédios históricos como o da Prefeitura e mesmo a Igreja Santo Antônio, mais ao fundo, são praticamente ocultados pelos emaranhados de cabos de energia; da Saldanha Marinho para frente, os fios desaparecem e os prédios se revelam em sua totalidade.
A dissonância da paisagem não em um mero cruzar de rua não é ao acaso: passa pelo cabeamento subterrâneo dos fios elétricos da Via del Vino, único ponto da cidade a contar com este tipo de planejamento. Incluso no plano de revitalização da área que iniciou em 2011, a intervenção urbanística que retirou os postes e cabos que cruzavam a área, os realocando em galerias foi tido como uma forma de valorizar a estética da quadra e diminuir a poluição visual. “Através da lei federal, Estatuto da Cidade, que passou a ditar regras aos municípios quanto à preservação patrimonial encontramos na região central vários exemplares arquitetônicos e/ou de conjunto com características de resgate da nossa história”, assinala Magda Susana Ranzi Cobalchini, arquiteta da Prefeitura que esteve à frente do projeto. Para ela, contudo, o alto custo desse tipo de instalação é o que impede que o exemplo seja estendido para outros pontos do município.
Outro que destaca a importância da iniciativa é o secretário municipal do Turismo, Rodrigo Parisotto, que aponta a preocupação da pasta quanto à influência negativa do excesso de fios na imagem de um município turístico. “Sou extremamente favorável a isso, inclusive fizemos estudos de outras regiões para saber custos e também possibilidades para tal. Espero muito que em parcerias junto ao Governo Federal possamos realizar novas obras que visem uma nova configuração nesta questão de postes de luz”, prospecta.
Autor da Lei que regulariza o alinhamento dos fios da rede elétrica da cidade, Scussel, também chegou a propor o Projeto de Lei (PLO) 49/2015, que visava a instalação obrigatória de fiações subterrâneas em novos loteamentos. O PLO, porém, foi arquivado pelo autor. “Na época disseram que isso ia encarecer em muito o preço dos novos terrenos, principalmente lotes para habitação popular, pois temos um solo muito rochoso, que inviabiliza a abertura das valas. Entretanto, os túneis são abertos para redes de esgotos”, comenta o vereador. Ele acrescenta, ainda, que atualmente existe uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) que acabou por derrubar essa lei em alguns municípios onde ela já havia sido implantada.
Resposta da RGE
Por meio da assessoria de imprensa, a RGE disse que os fios excedentes nos postes de Bento Gonçalves são de propriedade das empresas de telecomunicações e cabe a elas a remoção do cabeamento. Afirmou, ainda, que a companhia somente retira fios, após tomar ciência dos fatos, em situações que ofereçam risco e que notifica as empresas compartilhantes dos postes sempre que verifica cabos fixados fora dos padrões.