Com formato de pen drive, o Dispositivo Eletrônico para Fumar, que está em sua 4ª geração, atrai jovens e leva o nome popular de vape. Os malefícios, de acordo com médico, são similares aos do cigarro tradicional e, podem ser até piores pela falta de estudos a longo prazo
Vetado para venda no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009, o cigarro eletrônico voltou a entrar em discussão. Isso porque a entidade abriu formulário para que contribuições técnicas e científicas mostrassem os efeitos do uso do dispositivo para fumar, para assim decidir se o veto segue ou se será possível a fabricação e comercialização dos vapes em território nacional.
Com o tempo, a tecnologia foi avançando e o Dispositivo Eletrônico para Fumar (DEF) mudou forma, tamanho e composição. Entre os quatro modelos que já existiram, o primeiro era descartável e tinha formato do cigarro convencional. O segundo, parecido com uma caneta, contava com cartucho que poderia ser recarregável. Os dois primeiros, entretanto, eram reprovados por demorarem para entregar a nicotina.
Já o terceiro passou a ser recarregável, com a possibilidade de modificar as substâncias e proporcionar satisfação parecida com o tradicional. Os cigarros eletrônicos da 4ª geração são os mais modernos e têm formato de pen drive, com cores diversas e sais ácidos de nicotina, o que intensifica a possibilidade de vício. Por conta da modelagem diferente, alcança o público jovem.
De acordo com o médico de família e comunidade do Hospital Tacchini, Gabriel Ferreira Tognon, o vape pode viciar por conta da nicotina. “Não recomendamos troca para alguém que queira parar de fumar para o eletrônico, até porque não temos conhecimento a longo prazo dos malefícios que ele traz. Há pouco tempo, a gente imaginava que pudesse ser vantajoso, mas ele tem um grau de dependência talvez até superior ao cigarro habitual, porque a pessoa tem mais facilidade para fumar e sempre a indústria do tabaco traz alternativas para melhorar e aumentar a dependência e o uso das substâncias”, explica.
Para Ferreira, pelo DEF ser de fácil utilização e propagado nas redes sociais, a divulgação que era feita no início da comercialização dos cigarros tradicionais tem sido feita na mesma intensidade atualmente. “Estão repetindo o mesmo tipo de propaganda, usando os jovens, pessoas mais descoladas e legais fumando”, salienta.
O coordenador médico do Prevenire sublinha que apesar de ser mais prático, o vape tem malefícios iguais aos do cigarro tradicional. “Tem outros problemas que a gente nem sabe, porque não existem estudos a longo prazo com esse tipo de material. O narguilé também tem o mesmo prejuízo, apesar de passar por água, não existe uma filtragem das substâncias”, destaca.
Consequências
Conforme Ferreira, a dependência em relação ao cigarro certamente é uma das mais difíceis de tratar e combater, pois a hora de parar é complicada. “Problemas pulmonares também estão associados ao uso. Uma coisa bastante preocupante é que alguns modelos conseguem fornecer uma dosagem de nicotina muito maior do que um cigarro normal. E agora, diferente do que aconteceu com as primeiras gerações desse tipo de produto, eles se distanciam cada vez mais daquele formato de cigarro. Hoje eles parecem um pen drive, e isso facilita o uso em colégios, ao transporte, à utilização de maneira mais discreta, e acaba aumentando o uso em ambientes que são menos propícios a isso”, esclarece.
Além da nicotina, o DEF pode conter alguns tipos de metais como estanho e chumbo, entre outros, e também alguns compostos não encontrados nos cigarros normais, como óleo canabidiol e os derivados da cannabis, planta da qual é feita a maconha. “Isso também pode ser uma porta para o uso de outros tipos de substâncias”, realça.
O médico evidencia que a recarga dos cartuchos obtidos de forma ilegal ou informal podem conter substâncias contaminadas que estão associadas, especialmente o acetato de vitamina E, a lesões pulmonares. “Além de vários outros tipos de doenças pulmonares, como é possível acontecer uma pneumonia eosinofílica”, enfatiza.
Tais lesões, para pessoas das faixas etárias mais jovens, podem piorar os sintomas a longo prazo e, inclusive, fazer com que doenças respiratórias como tosse e asma se tornem permanentes. “Podem ocorrer também queimaduras por problemas no dispositivo, porque ele esquenta. Assim como explodem as baterias dos celulares, pode acontecer com esse tipo de dispositivo. Ademais, ainda não há uma estatística em relação ao risco de câncer de boca e de língua, mas é algo preocupante”, aponta.
É muito importante salientar, de acordo com Ferreira, que com o decorrer do tempo o prejuízo para a saúde de quem fuma é inestimável e para parar de fumar o cigarro tradicional, o recomendado não é aderir a um novo vício, mas utilizar terapias já conhecidas. “Como medicações, uso de nicotina por outros meios que não esse dos cigarros eletrônicos. Mas, caso não seja possível, a gente não sabe o risco do uso”, ressalta.
Retrocesso no país
A Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), divulgada pelo Ministério da Saúde em 2021, mostra que a frequência de adultos fumantes nas capitais do país foi de 9,1%, sendo o maior percentual no sexo masculino, contabilizando 11,8%, do que no feminino, 6,7%. Os dados mostram também que no total da população, a frequência de fumantes tendeu a ser menor entre os adultos jovens, com menos de 34 anos de idade, e entre idosos com 65 anos e mais.
Os dados brasileiros de diminuição no número fumantes evoluíram muito com o passar dos anos. O médico de família e comunidade destaca que, certamente, essas vitórias que o Brasil teve, pois é um dos países com melhores resultados na questão de parar de fumar, podem retroceder em virtude do uso do DEF, caso a Anvisa aprove a fabricação e venda em território nacional. “Hoje é proibido o cigarro em praticamente todos os lugares públicos fechados. Isso acaba incentivando e trazendo as pessoas a usarem novamente, de maneira mais prática, rápida. A gente sabe que a relação da dependência com o cigarro é muito mais complexa, tem os fatores psicológico e químico. Trocar um vício pelo outro não vai ser a resposta mais adequada. A gente sabe que não é seguro, que pode ter lesões pulmonares, mas, não temos estudos que fizeram acompanhamento de pessoas por 20 ou 30 anos”, finaliza.
Venda ilegal pode ser denunciada
O coordenador da Vigilância Sanitária de Bento Gonçalves, Luciano Calegari Ribeiro, afirma que até agora, não foi encontrado o vape nas tabacarias da cidade. “Caso nos deparemos com produtos dessa gama, o procedimento é o mesmo para qualquer tipo de item sem licença da Anvisa: advertência do estabelecimento e a orientação para fazer o recolhimento do mesmo e cessar a comercialização. Em casos mais graves, o produto é recolhido e o estabelecimento autuado. As denúncias podem ser feitas pelos canais da ouvidoria do município”, esclarece.
Tratamento no SUS
Para quem deseja parar de fumar, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento gratuito, com medicamentos como adesivos, pastilhas, gomas de mascar (terapia de reposição de nicotina) e bupropiona.
Para saber onde procurar atendimento, basta ir aos postos de saúde ou à Secretaria de Saúde do município para informações sobre locais e horários de tratamento.
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