Faz dois anos que a churrasqueira da casa dos meus pais não é acesa. São mais de 700 dias sem o cheiro de carne assando no ar — e não é pelo preço da carne, nem por defeito na estrutura. É que, desde que meu pai partiu, a casa mudou. Ficou mais silenciosa. A alegria espalhada entre a fumaça e as risadas deu lugar a um vazio discreto, mas constante.
Nunca mais nos sentamos todos juntos, rindo da vida sem grandes razões. A comida era só desculpa: o que importava era o encontro, as piadas sobre futebol, as pequenas brigas que acabavam em risos e as comemorações improvisadas. Ninguém fazia o galeto como o meu pai. Mesmo que meu sogro seja um excelente assador, aquele sabor — o da infância, da presença, da memória — nunca mais voltou. A rua também percebeu: nunca mais viu fumaça subindo da casa da minha mãe.
Lembro que, nos nossos aniversários, mesmo se caíssem numa terça-feira qualquer, a churrasqueira acendia. Era o jeito simples e sincero do meu pai celebrar: um bom churrasco, um envelope com dinheiro simbólico, uma garrafa de espumante, sobremesa e, claro, aquela maionese caseira que nunca faltava. Teve um tempo em que ele fazia churrasco às sextas. Eu ficava triste por perder por causa das aulas de inglês ou da faculdade. Então, ele passou a assar só aos domingos. E domingo virou sagrado. Não precisava de motivo. Era só o prazer de estar junto. Às vezes, até os vizinhos vinham assar carne. Amigos passavam, tomava-se um chimarrão ou uma caipira, tocava uma música gaúcha no rádio. Era festa. Festa da vida, mesmo sem sabermos que cada uma daquelas poderia ser a última.
Com o tempo, a churrasqueira virou enfeite. Está ali, intacta, mas muda. Carrega em si o cheiro do que já foi, a lembrança de mãos que sabiam exatamente a hora de virar a carne, de quando a brasa estava pronta, de que 11:30 era a hora de tirar a carne. Ela permanece, silenciosa, como um relicário. O silêncio dela é o eco de uma ausência. E, talvez, seja esse o luto mais profundo: não apenas pela perda de alguém, mas pela interrupção dos pequenos rituais que tornavam a vida mais leve, mais nossa. Aqueles momentos que a gente só entende a importância quando deixam de acontecer.
Porque é assim: para todo mundo, um dia, chega a última vez. Pode ser o último churrasco com o pai. Ou outro momento qualquer. Triste é saber que a vida é feita de despedidas disfarçadas de rotina. Por isso, celebre. Aproveite. Reúna. Ame. Abrace. Aqueça a churrasqueira e o coração como se fosse pela última vez. Porque um dia, inevitavelmente, será. E tudo o que resta são fotos, memórias e a eterna dúvida: agradecemos a Deus por termos vivido tudo isso… ou choramos por não poder viver mais?
Aproveite a jornada. Porque uma hora, o fogo se apaga. E o que antes era encontro, vira saudade. Sempre tem a última vez!