De aprendiz a líder de uma operação nacional, o empresário aposta em gestão profissional, profissionalização dos colaboradores e visão estratégica para a Anderle Transportes. Também na vice-presidência da Federasul a frente da ExpoBento deste ano, saiba mais em entrevista especial

A trajetória de César Anderle é, ao mesmo tempo, uma história de trabalho árduo, transformação empresarial e protagonismo comunitário. Filho de Luiz Anderle, fundador da Anderle Transportes, ele começa a trabalhar aos 14 anos, em meados da década de 1980, sem imaginar que, décadas depois, estaria à frente de uma operação que movimenta centenas de caminhões por dia e teria papel ativo na defesa do empresariado da Serra Gaúcha. “A empresa era pequena, a gente tinha só alguns caminhões, três, quatro, e precisava de uma pessoa para administrar. Quem cuidava da empresa era o meu pai, Luiz Anderle. Ele já não estava mais na estrada, cuidava da parte administrativa, e precisava de ajuda para controlar a burocracia: emissão de pagamentos, recebimentos, faturas, etc”, relembra.

O início foi marcado por longas jornadas. Anderle estudava à noite, trabalhava de manhã e à tarde, e muitas vezes estendia o expediente até altas horas. “Eu chegava do colégio por volta das 23h15min, fazia um lanche e ia direto para o escritório. Ficava até 1h30min, 2h da manhã. Éramos só eu, meu pai e minha irmã cuidando de tudo. Imagina fazer toda a parte burocrática em três pessoas”, descreve.

Naquela época, a empresa já transportava grãos, soja e farelo, principalmente da região de Vacaria, Lagoa Vermelha e Palmeira das Missões para Bento Gonçalves, atendendo a Bianchini, cliente fiel até hoje. “É nosso cliente há 53 anos. Isso mostra a importância de parcerias duradouras”, afirma.

Mas a estabilidade aparente foi ameaçada pela perda de mercado. O transporte, destaca ele, “é muito dinâmico” e exige inovação constante. “Meu pai sempre foi mais duro e não queria ouvir muitas opiniões. Somos uma família de seis irmãos, todos trabalharam na empresa, mas ao longo do tempo foram saindo ou sendo demitidos. A “mesmice” fez a gente ir perdendo mercado”, reconhece.

O ponto de virada aconteceu no final de 2003. A empresa já não dava lucro e estava endividada. “Financiamos caminhões já pagos, porque não tínhamos condições financeiras. Eu disse para o meu pai: precisamos mudar o conceito e a forma de trabalhar. E, principalmente, eu precisava de conhecimento”, relata.

O início não foi fácil. “O primeiro cliente que visitei, em Veranópolis, fechou a porta na minha cara. Disse: ‘Eu não preciso de vocês’. Na hora, pensei que o pai tinha razão, que eu ia ‘passear’. Mas não desanimei. Se eu tivesse desistido naquele momento, hoje estaria empregado em outra área”, aponta.

Para enfrentar o desafio, voltou aos estudos. Graduou-se em Processos Gerenciais pela Ftec (atual Uniftec), fez pós-graduação na Fundação Dom Cabral e uma série de cursos de dicção, oratória, postura e autoconhecimento. “Eu era tímido, achava que era muito ‘burrinho’. É a velha síndrome de vira-lata. Isso é algo que todos precisam desconstruir. Todos somos capazes”, defende.

Crescimento e profissionalização

Com novas estratégias, a empresa deu um salto. Hoje, a Anderle Transportes atua no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, no transporte de soja, milho, trigo, farelo e fertilizantes. Também abriu filiais em São Paulo, Mato Grosso, Rondônia, Goiás e Minas Gerais.

A frota própria é de 25 caminhões, mas o foco está na terceirização: cerca de 375 caminhões agregados, totalizando 400 veículos/dia. “Eu embarco, em média, três navios e meio por mês. Cada navio comporta 3.500 caminhões”, revela.

Para manter a eficiência, aposta na valorização dos colaboradores e na gestão profissional. “Temos boas acomodações, vários benefícios e um canal aberto de diálogo. Hoje, por causa do faturamento, somos auditados externamente. Isso é motivo de orgulho: desde 1963, mantemos o mesmo CNPJ e honramos o nome”, destaca.

Logística e modais

Mesmo atuando no transporte rodoviário, Anderle defende com veemência a integração entre diferentes modais. Para ele, o Brasil precisa ampliar e interligar ferrovias, hidrovias e rodovias para reduzir custos e aumentar a competitividade. “O caminhão é caro. A ferrovia leva muito mais carga e reduz custos. O Brasil precisa conectar rodovias, ferrovias e transporte fluvial. O caminhão faria apenas trechos curtos, e o trem ou o navio cuidariam do longo percurso. Isso reduziria o custo por tonelada”, argumenta.

Ele cita exemplos no Rio Grande do Sul que poderiam ser explorados, como a navegação pelo rio Taquari, rio Jacuí e Lagoa dos Patos. “É totalmente contra o meu setor, mas, para reduzir o custo logístico no país, precisamos que esses modais se conectem”, reforça.

O empresário lembra que um caminhão leva cerca de 32 toneladas, enquanto um navio pode transportar 60 mil. Por isso, defende que investimentos em trens e hidrovias, embora altos no início, compensam no longo prazo. “No transporte de commodities, como soja, milho e trigo, isso é fundamental. O Brasil alimenta uma em cada cinco pessoas no mundo e não pode abrir mão de soluções mais eficientes”, diz.

Ao falar sobre as rodovias gaúchas, Anderle não hesita: “Eu sou a favor do pedágio”. Ele recorda que a introdução das praças de cobrança melhorou a condição técnica do asfalto e aumentou a segurança. “A máquina pública é ineficiente, tem muitos cargos, corrupção e desvios de verbas. O pedágio é de vital importância.”

No entanto, critica a falta de concorrência nas concessões recentes. “Infelizmente, só uma empresa quis pegar, a CSG. Sem concorrência, não houve pressão para reduzir tarifas. O desconto foi irrisório, 1,2%, quando poderia ter sido 30% ou 40%. Hoje temos um dos pedágios mais caros do Brasil em alguns trechos”, avalia.

Atuação na Federasul

Além da liderança empresarial e do engajamento comunitário, Anderle participa 2018 da Serra Gaúcha na Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), hoje como vice-presidente regional da Serra Gaúcha. A entidade é uma das mais influentes do Estado, funcionando como um “guarda-chuva” que reúne 204 associações, sindicatos e câmaras de comércio, congregando mais de 94 mil CNPJs em diferentes setores, indústria, comércio, serviços, agronegócio e até áreas como arquitetura. “Quando uma empresa prospera, não é só o empresário que ganha. São dezenas, às vezes centenas de famílias que dependem desse sucesso”, afirma. “A Federasul trabalha justamente para melhorar o ambiente de negócios, independente do setor, porque quando o CNPJ se mantém saudável, isso garante renda e emprego para muitas pessoas físicas”, conta.

O peso político da entidade é considerável. Anderle explica que a força da Federasul vem da representatividade e da capacidade de mobilizar a opinião pública, influenciando decisões no Legislativo. Ele cita uma frase presente no livro Associativismo Empreendedor, usado internamente: ‘Enquanto a economia se move por confiança, a política se movimenta pela opinião pública’. “Quando conseguimos envolver os políticos no debate e convencer a sociedade, aumentamos a chance de mudar decisões que afetam diretamente as empresas e, por consequência, toda a população”, ressalta.
Um exemplo foi a mobilização contra o aumento do ICMS no Estado, quando o governo pretendia elevar a alíquota de 17,5% para 19,5%. “Foi uma briga intensa. Mostramos que esse aumento prejudicaria a competitividade e conseguimos manter a alíquota como estava. Isso só foi possível pela abrangência da Federasul e pelo diálogo direto com deputados e senadores”, relata.

O vice-presidente regional destaca que a atuação não se limita à Serra. “Nosso olhar é coletivo. Defendemos pautas que beneficiam todas as regiões do Estado. E essa abrangência faz com que o impacto das nossas discussões seja muito maior perante deputados, secretários e até ministros”, avalia.
A interlocução com grandes líderes empresariais também é frequente. “Os assuntos que tratamos não são superficiais. São temas que realmente impactam o comércio, a indústria e o futuro econômico do Rio Grande do Sul”, conclui.

Porto de Arroio do Sal

Para Anderle, a construção do porto marítimo em Arroio do Sal é uma oportunidade de reduzir custos e ampliar a competitividade do setor produtivo da Serra Gaúcha. “Quanto mais opções tivermos, melhor. Hoje o Rio Grande do Sul tem só um porto, o de Rio Grande, enquanto Santa Catarina tem sete”, compara.

Ele elogia a estrutura de Rio Grande, mas aponta que a distância até a Serra eleva custos de frete e pedágio. “O Porto de Arroio do Sal vai beneficiar especialmente indústrias e comércios locais. Vai reduzir quilômetros rodados e, consequentemente, custos logísticos e de pedágio.”

O novo terminal, segundo ele, precisará definir seu foco, grãos sólidos, contêineres ou cargas líquidas, mas acredita que, pela proximidade com o polo industrial, o modal de contêineres seja mais vantajoso. “Toda a indústria serrana manda produtos para o Porto de Rio Grande. Se mandar para Arroio do Sal, diminui custo e tempo.”

Ele também projeta efeitos indiretos: “Vai haver necessidade de duplicar a Rota do Sol e, possivelmente, pedagiá-la no futuro, mas acredito que a tarifa será mais baixa que a que se paga indo até Rio Grande.”

Economia e tributação

Ao falar sobre o cenário econômico e tributário, Anderle começa pela pauta internacional. Apesar das recentes discussões sobre taxações impostas por outros países, ele esclarece que, no momento, a sua empresa não está diretamente afetada no setor de grãos. “Nós não exportamos grãos para os Estados Unidos. Nosso foco de exportação é o suco de laranja para esse mercado, e esse produto ficou fora da taxação. O que poderia nos impactar seriamente seria uma sanção vinda da China”, afirma.

O alerta não é infundado. Segundo ele, mais de 90% da soja brasileira tem como destino o mercado chinês, que também compra grandes volumes dos Estados Unidos, devido à elevada demanda por proteína. Qualquer atrito diplomático com o país asiático poderia gerar consequências imediatas para o agronegócio brasileiro.

Para ele, existe um risco geopolítico crescente de isolamento. “Se Estados Unidos e Europa resolverem restringir comércio com o Brasil, mesmo que parcialmente, o impacto será profundo. O problema é que o próprio governo parece minimizar esse perigo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a dizer que as exportações para os EUA representam apenas 4% da nossa economia, mas isso é um erro grosseiro. Só o setor moveleiro responde por 16%, e é uma cadeia que inclui Bento Gonçalves, Santa Catarina, Paraná e outros polos exportadores”, critica.

No plano interno, o empresário é direto: “O governo está gastando demais e desrespeitando o teto de gastos. Isso aumenta a pressão para criar novos impostos e, em dois anos, já foram 37 tributos majorados ou criados.” Ele cita como exemplo recente o IOF, que passou de zero para 3,5%, medida que, segundo ele, gerou bilhões em arrecadação. “Parece pouco para cada pessoa, 7 ou 8 reais por cidadão, mas no total é um volume gigantesco que poderia ficar no bolso da população e circular na economia”, observa.

Anderle considera que essa política fiscal alimenta um círculo vicioso: mais impostos para cobrir gastos excessivos e pouca eficiência na aplicação dos recursos. “O rombo da corrupção vai acabar sendo pago pela população produtiva. O caso recente de fraude no INSS é emblemático. Em vez de investigar e punir, o governo evita instalar CPIs, e isso mina a confiança e desestabiliza a economia”, afirma.

Na sua avaliação, a má gestão política é o pano de fundo dessa fragilidade econômica. Para ele, o Brasil tem potencial para ser uma potência, mas está preso a modelos de governo com viés assistencialista que, na prática, desincentivam o trabalho e o empreendedorismo.

Bento Gonçalves

Ao avaliar o cenário político de Bento Gonçalves, Anderle demonstra aprovação à atual gestão municipal, ainda que reconheça espaço para melhorias. “No meu entender, o governo está indo muito bem. Claro que não está 100% correto, sempre há pontos a melhorar, mas está combatendo quem não quer trabalhar, mesmo tendo condições físicas e intelectuais para isso. Empresas e vagas existem; por que não trabalhar?”, questiona.

Segundo ele, a administração tem sido criteriosa ao preservar benefícios para quem realmente necessita, como pessoas com deficiência ou doenças que as impedem de trabalhar, mas vem coibindo distorções. “Temos casos de pessoas em sinais de trânsito, fazendo malabares, que poderiam estar empregadas. Muitas, além das gorjetas, possivelmente recebem Bolsa Família. Isso desestimula o trabalho formal e a cidadania”, comenta.

Ainda assim, Anderle sugere que a prefeitura olhe com mais atenção para os bairros industriais, como São Valentim e Tuiuty. “É preciso melhorar acessos, segurança e infraestrutura para atrair moradores e trabalhadores. Se as ruas são ruins e a segurança é fraca, as pessoas não se sentem motivadas a vir para cá. E essa região é justamente onde a cidade tende a crescer, já que não há mais áreas disponíveis no sul do município”, alerta.

No turismo, o empresário vê avanços, mas defende ações mais agressivas de promoção. “A Secretaria de Turismo tem feito bons passos, mas precisamos dar continuidade ao trabalho de divulgação nacional e internacional. Hoje, Bento ainda é visto como destino de passagem para quem vai a Gramado e Canela. Precisamos nos tornar destino final”, afirma.

Ele propõe ampliar a presença da cidade em feiras, campanhas no centro do país e no exterior, além de explorar nichos pouco trabalhados. “Temos gastronomia, hospitalidade e indústria de ponta. Por que não criar um roteiro de visitas a grandes empresas, como a Todeschini, para despertar o interesse de novos investidores? Isso geraria um turismo de negócios e ampliaria a renda local.”

Na lista de prioridades para manter Bento como referência regional, Anderle inclui melhorias na mobilidade urbana. “Precisamos urgentemente de corredores logísticos que liguem o sul ao norte da cidade. É necessário eliminar pontos de estacionamento para dar fluidez ao trânsito, resolver gargalos entre bairros e investir em obras como um viaduto ligando a Av. Planalto à Travessa Antônio Ducatti, desafogando a região do Shopping L’América”, sugere.

Ele ainda defende acordos com a concessionária ferroviária Rumo para aproveitar o antigo traçado do trem, transformando-o em rota para transporte turístico e urbano. “Seria possível conectar o sul e o norte de Bento, até a estação de Jaboticaba, gerando um atrativo turístico e melhorando a mobilidade”, sugere.

Outra demanda apontada é a expansão de creches nos bairros industriais, medida que, segundo ele, facilitaria a vida de famílias trabalhadoras e atrairia mão de obra para essas regiões. “Pais e mães se sentiriam amparados pelo município e pelas empresas, criando um ambiente mais favorável para o desenvolvimento econômico e social”, conclui.

ExpoBento e Fenavinho

O sucesso da ExpoBento e da Fenavinho em 2025 pode ser atribuído a uma combinação de credibilidade, planejamento minucioso e trabalho coletivo. Para o coordenador da feira, “é um produto do CIC, muito bem conduzido pela entidade. Essa credibilidade faz com que todos que procuram a Feira, sejam expositores ou visitantes, vejam uma exposição de qualidade, que entrega coisas positivas”, diz.

O público recorde deste ano, com mais de 281 mil pessoas, demonstra o alcance e a força do evento. “Tivemos bastante estacionamento, recorde de expositores e a agroindústria vendeu muito bem. O volume de negócios divulgado foi de R$60 milhões, mas na prática o número ultrapassa os R$70 milhões, considerando o ticket médio e compras diferenciadas de visitantes”, explica.
O envolvimento das equipes também foi determinante. “Trabalhei como voluntário, assim como todos os diretores e vice, vestindo a camiseta da feira como se fosse nossa. Nosso lucro era ver a comunidade satisfeita com o que entregamos. Além disso, contamos com assessorias profissionais que garantem que as diretrizes dos diretores sejam executadas de forma eficiente, junto à administração do CIC, que cuida da parte burocrática”, detalha.

A Fenavinho se destacou como um diferencial dentro da ExpoBento. “Criamos um espaço sofisticado, acolhedor, com luzes semelhantes às de restaurantes. Foi um cenário de comemoração dos 150 anos da Imigração Italiana, com gastronomia e vinhos das principais vinícolas da região”, afirma. Cerca de 40% dos expositores renovaram sua participação, reforçando a credibilidade do evento.

O aprendizado pessoal também foi significativo. “Percebi a importância de delegar. Montei um time profissional, idôneo e comprometido, e confiar neles permitiu que inovassem e executassem suas funções com autoridade e segurança. Isso contribuiu diretamente para o sucesso da feira”, explica. Sobre o futuro, ele reforça a importância da continuidade e preparação da próxima edição: “Orientei meu sucessor a continuar delegando, contratar pessoas pelo feeling e antecipar as reuniões iniciais para planejar a feira com mais antecedência. Acreditar nas pessoas e expandir a divulgação são pontos essenciais para mantermos o sucesso da ExpoBento e da Fenavinho”, conclui.