Palco de diversos homicídios, Bento Gonçalves registrou dois casos que chocaram a população: o assassinato de uma gestante e a maior cachina da Serra dos últimos anos. São crimes emblemáticos e que ainda estavam sem resposta. Após meses de investigação, a Polícia Civil (PC) apresentou os resultados do inquérito encaminhado à justiça. Com o auxílio da tecnologia, a principal prova utilizada para colocar os autores na cena do crime foram os celulares. Dessa forma, os investigadores puderam fazer um mapa de onde os envolvidos estavam no momento do ocorrido, além de conseguirem acesso a áudios, mensagens e ligações.

De acordo com o delegado Álvaro Becker, Andressa Weber Erbice, de 24 anos, que estava grávida de sete meses, foi vítima de um crime passional, que envolveu, ao menos, seis pessoas com ligação familiar. O plano do assassinato foi orquestrado por uma ex-companheira do homem com quem a vítima mantinha um relacionamento. Todos os envolvidos foram ouvidos e nenhum deles confessou o crime. “Através de uma investigação se buscou, por meio dos celulares, trazer para dentro do inquérito a posição de todos eles naquele dia e naquela hora. Todos eles aparecem em algum ponto daquele local. Com isso, conseguimos colocá-los na cena do crime” diz.

Becker ressalta que também houveram inconsistências nos depoimentos. “Todos eles se ligaram para dizer como proceder, o que deveriam dizer na delegacia. Tudo isso foi levando a polícia a desconfiar da participação no crime. Eles também mentiam, dizendo que não estavam aqui”, observa. De acordo com o delegado, a mandante contratou o seu genro para executar Andressa.

O policial explica que o menor reside em Caxias do Sul e frequentava a cidade por causa do relacionamento com a filha desta mulher. O jovem chegou na casa de Andressa e se identificou como sendo Anderson, um conhecido. Quando ela abriu a porta, ele a alvejou com um tiro e ela caiu em um colchão onde estava deitada, depois o menor efetuou mais quatro disparos. “A vítima já vinha sendo ameaçada. Ela trabalhava com tele-entrega e escondia sua moto para ninguém saber onde estava”, explica o delegado.

Segundo Becker, Andressa morava na mesma rua da mulher que planejava sua morte e precisou se mudar por medo. Mas o delegado diz que nenhum dos envolvidos levava uma vida fora da lei. “O menor tem algumas passagens pela polícia em Caxias do Sul. Os demais, existe uma série de pequenos crimes, como ameaça e lesão. Nada que aponta que eles tenham uma vida de crimes”, ressalta.

Nas conversas ouvidas durante a investigação, há provas de que a mulher havia dito para o genro também matar o ex-companheiro, mas na hora ele não conseguiu. “A principal motivação foi a paixão dela por esse indivíduo. A mandante se sentia abandonada, inclusive falando que diversas vezes tentou reatar com ele, mas o homem preferia a Andressa. Com isso, houve essa frustração e ela fez esse crime bárbaro acontecer em Bento”, pontua.

A arma do crime não foi encontrada, mas o indivíduo que teria fornecido o objeto foi preso. A expectativa da polícia é que, nas apreensões feitas, ela seja encontrada. Becker não revela os nomes dos envolvidos, pois agora o caso está com o judiciário. “Indiciei pelo duplo homicídio qualificado, que foi feito de forma torpe, de emboscada, não dando chance que a vítima se defendesse. Pelo número de pessoas, leva a crime hediondo. Foi solicitada a internação do adolescente. Provavelmente vai ser decretada. Infelizmente, os outros devem responder em liberdade, tendo em vista que não têm antecedentes”, frisa.

Em áudio, um dos autores confessa chacina

Considerada a maior cachina na Serra nos últimos anos, a morte de cinco pessoas no Bar dos Amigos, no bairro Municipal, foi resultado da guerra entre dois grupos criminoso que brigam pelo domínio do tráfico de drogas na cidade. Segundo Becker, a ordem partiu de dentro do Presídio Regional de Caxias do Sul, onde estava Valdeni Alves da Silva, que se denomina chefe da facção que planejou a emboscada.

Depois do acontecido, com o objetivo de diminuir o acesso dele a celulares, foi feito o pedido da transferência de Valdeni para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas. “Foi através de escuta telefônica, quebra de sigilos e dados cadastrais e pelas denúncias que nos traziam que chegamos ao resultado da investigação. A chacina realmente foi conduzida pelo indivíduo que estava preso. Ele montou um grupo de pessoas para acabar com esses contrários. Parece que um dos que era para ser morto não estava no local”, explica o delegado.

Para Becker, a motivação é clara: briga de facções. Uma que se diz mais poderosa que a outra está cometendo esses crimes. Sem divulgar o nome do criminoso que gravou o áudio sobre a chacina, o delegado diz que ele foi preso por outro crime, em um mandado de busca e apreensão em Veranópolis. O indivíduo teria um ferimento na mão. A PC tinha a informação de um dos autores da cachina havia sido alvejado e teria buscado atendimento médico em Erechim. Foi através dele que se chegou nos demais participantes do crime. “Em seu aparelho telefônico haviam dados que forneceram informações para identificar os autores. Foi montado o sistema de monitoramento dos celulares”, explica.

Foi no celular desse indivíduo que os investigadores encontraram o áudio onde ele dizia que um dos mortos tinha uma arma de rajada, igual da sua, e confirma que foi ferido no confronto. Becker diz que já foram identificados dois participantes e há suspeitas contra outra dupla, porém ainda não há provas suficientes. A expectativa é que elas sejam encontradas nos celulares que ainda não foram analisados. A principal vítima seria Robert. Ele era um dos assassinos da outra facção. Apenas um dos executores está preso, Nilson Santana Nunes, detido por causa de um assalto que ocorreu em Bento após as mortes.

Tecnologia a favor da investigação

Durante a investigação, os celulares foram essenciais enquanto prova. O delegado explica que a análise desses aparelhos deve sempre ser autorizada pela justiça. “Tudo depende da tecnologia e do profissional que utiliza. Se não tiver legalidade, qualquer prova cai por terra. Todo veículo onde tem privacidade, a gente tem que ter autorização”, ressalta.

Ele esclarece que, toda vez que um celular é apreendido, é preciso realizar pedido para a poder acessar o material. “Às vezes, a própria justiça nega, por questões de intimidade, aí a gente não consegue acessar. O celular, algumas vezes, é apreendido e não podemos olhar o que tem nele. A não ser que a pessoa venha aqui e disponibilize o aparelho voluntariamente”, ressalta.

Relembre os casos

Gestante morta

Andressa Weber Erbice, 24 anos, grávida, foi atingida por disparos de arma de fogo na noite do dia 21 de maio, no bairro Santo Antão, depois que indivíduos desceram de um veículo Gol, cor branca, placas de Veranópolis, que estava em situação de furto/roubo. Após os disparos, os criminosos embarcaram no carro e fugiram em direção ao bairro Botafogo. A vítima foi socorrida com vida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e encaminhada em estado gravíssimo ao Hospital Tacchini, onde ocorreu uma cesariana de emergência. A mãe e a criança faleceram.

Chacina

No dia 7 de junho, por volta das 22h, cinco homens foram mortos a tiros dentro do Bar dos Amigos, localizado no Bairro Municipal. De acordo com testemunhas, seis pessoas chegaram ao estabelecimento atirando contra o grupo que lá estava.

Apreensão em “quartel-general” de facção

Uma ação da Brigada Militar (BM) resultou na prisão de cinco pessoas e na apreensão de drogas e forte armamento na noite de terça-feira, 24. O fato ocorreu por volta das 22h, no KM2, na localidade de Tuiuty. No local foram presos quatro homens e uma mulher, além da apreensão de drogas, armamento, munição, veículos e celulares. Segundo Becker, um dos suspeitos estava entre os detidos nesta ação. “Esse local era o “quartel-general” dessa facção. As armas devem ser encaminhadas para perícia para verificar quais foram utilizadas em homicídios acontecidos na cidade”, afirma.

“Estamos perdendo para eles”

Em um desabafo, o delegado disse que os criminosos estão muito mais organizados, armados e equipados. “Na medida que a gente vai se aprofundando nas investigações, vemos que tem essa briga das facções em busca de território, porque a cidade é próspera para o tráfico. Estamos perdendo para eles”, diz.

Ele ainda cobra o governo estadual, pedindo para que olhe para Bento. “Cada dia que a gente chega na delegacia, tem um homicídio a mais para investigar”, afirma. Com apenas dois investigadores, Becker diz que a PC faz “das tripas coração” para poder dar conta do trabalho. “A cidade também precisa falar mais alto sobre o presídio que está aí, pronto, e não está funcionando”, finaliza.