Com atividades que vão desde desfiles até acampamentos temáticos, exploramos neste especial as raízes históricas, os eventos e as pessoas que mantêm viva a chama da tradição gaúcha
A Semana Farroupilha é um dos eventos mais significativos do Rio Grande do Sul, celebrado anualmente de 14 a 20 de setembro. Ela comemora a Revolução Farroupilha, um conflito que ocorreu entre 1835 e 1845 e que foi um dos maiores movimentos separatistas do Brasil. A revolução foi liderada por estancieiros e militares gaúchos insatisfeitos com as políticas do governo imperial brasileiro, especialmente em relação à taxação excessiva sobre produtos locais, como o charque.
A ideia de criar uma semana comemorativa surgiu em 1947, quando um grupo de jovens, conhecido como o “Grupo dos Oito”, teve a iniciativa de retirar uma centelha da “Chama da Pátria” durante o desfile de 7 de setembro em Porto Alegre e levá-la ao município de Viamão. Essa chama foi mantida acesa até 20 de setembro, data em que se celebra a Revolução Farroupilha. Esse ato simbólico marcou o início do que viria a ser a Semana Farroupilha, e a tradição de acender a “Chama Crioula” se espalhou rapidamente por todo o estado. A partir de então, a Semana Farroupilha passou a ser celebrada em diversos municípios gaúchos, com eventos que incluem desfiles, encenações históricas, danças, música tradicionalista e outras atividades culturais.
A comemoração é também uma exaltação da cultura e das tradições gaúchas, que durante a semana, acontecem diversas atividades culturais, como desfiles, acampamentos temáticos, apresentações artísticas, e outras celebrações que resgatam e promovem a história, os costumes, as vestimentas típicas, a culinária, e as tradições do Rio Grande do Sul.
Tradição e cultura gaúcha nas escolas
Neste ano, instituições de ensino de Bento Gonçalves estão organizando uma série de eventos e atividades que envolvem toda a comunidade escolar, desde os estudantes até os professores e diretores.
No Colégio Estadual Mestre Santa Bárbara, a Semana Farroupilha é marcada por uma programação diversificada, que inclui comidas típicas, brincadeiras tradicionais, futebol de bombacha, declamações, música, rodas de chimarrão e a divulgação da “14ª Tertúlia do Mestre” em diversas instituições de ensino do município. A diretora Margarida Mendes Protto destaca o trabalho dos alunos. “Eles estão envolvidos na organização e participação desde o início do projeto Tertúlia, e o resultado será uma culminância com apresentações e festejos durante a Semana Farroupilha”, diz.
Instituições e suas programações
No Instituto Federal do Rio Grande do Sul – Campus Bento Gonçalves, o Departamento de Tradições Gaúchas Cultura Sem Fronteira está promovendo uma série de atividades que vão desde apresentações de dança e chula em escolas municipais até oficinas culturais e um jantar-baile de encerramento. Destaque para a Mateada, a oficina de sensibilização poética com o poeta Gujo Teixeira, e a exposição “Memórias do Campus Bento – 65 anos”.
Já no Colégio Marista Aparecida, a Semana Farroupilha é celebrada através do projeto interdisciplinar “Pelas Trilhas do Rio Grande”, que inclui apresentações teatrais e uma grande festa de encerramento com apresentações culturais, brincadeiras e a comercialização de comidas típicas. O evento, aberto à comunidade, ocorre no dia 14 de setembro e promete envolver alunos e visitantes em uma imersão na cultura gaúcha.
Por fim, no Colégio Scalabriniano Nossa Senhora Medianeira, as celebrações serão marcadas por momentos de integração entre os alunos.
ABCTG
A programação desenvolvida pela Associação bento-gonçalvense da Cultura Tradicionalista Gaúcha (ABCTG), juntamente com os CTGs, Secretaria de Cultura e de Turismo e a Fundação Casa das Artes ocorre de 13 até 22 de setembro no município. Segundo o presidente da ABCTG, Antônio Carlos Menezes, a entrada nos bailes é gratuita para a população, pagando apenas o acesso ao parque, que é R$5. “A comida típica no buffet está 30 reais todos os dias, e nos dias 20, 21 e 22 vamos ter a venda de churrasco campeiro”, conta.
O papel do CTG na manutenção das tradições
O CTG Laço Velho tem desempenhado um papel fundamental na preservação e promoção da cultura gaúcha em Bento Gonçalves. Segundo o patrão Sérgio de Toni, o grupo se dedica diariamente à cultura, em diferentes departamentos. “Contamos com professores de história e um elenco de mais de 200 crianças nas invernadas, além dos departamentos artístico, campeiro, cultural e de jogos”, explica.
Os valores mais importantes que o CTG busca transmitir, segundo de Toni, são a união e o respeito. “Aqui, convivemos como uma grande família. Os membros devem respeitar uns aos outros e valorizar a educação. O núcleo familiar participa ativamente, desde pais e avós até os pequeninos que ficam por aqui, criando um agradável ambiente familiar”, conta.
O Laço Velho é afiliado ao Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) e à primeira região tradicionalista. O patrão destaca que o CTG é um dos pioneiros nessa afiliação. Sobre o papel dos jovens no Centro de Tradições Gaúchas, de Toni observa que eles são diferenciados: “Aqui, eles aprendem a ter uma conduta exemplar. A convivência entre pais e filhos dentro do CTG é algo único, e eles podem aprender muito, desde tocar instrumentos musicais até participar das invernadas e do departamento cultural, em que estudam a fim de participar das provas tradicionais”, comenta.
Cada departamento possui seus próprios responsáveis, o que permite uma administração eficaz. “No departamento artístico, por exemplo, temos a Josliane de Freitas como coordenadora geral, o departamento campeiro é liderado por Vinicius Barp, já no artístico, temos a Vânia Borba Rodrigues e a Marilene Tomasin. No departamento de jogos, o Miguel Gaieski coordena”, explica de Toni.
Ele também menciona a participação do CTG em eventos fora da cidade, representando Bento Gonçalves em competições e buscando troféus em diversas categorias. “Temos as invernadas pré-mirim, mirim, juvenil, adulta e xirú, elas competem em rodeios e eventos em municípios do Estado. Recentemente, fomos a Santa Maria, onde conquistamos o terceiro lugar com a invernada mirim”, explica, orgulhoso do trabalho desenvolvido.
Para o futuro, o patrão vê a necessidade de manter as invernadas e departamentos ativos, afirmando que a continuidade das tradições depende disso. “Um CTG sem invernadas e sem cultura vai perdendo sua essência. Estamos aqui para dar uma nova perspectiva para as crianças, e oferecer um ambiente saudável onde possam aprender e crescer dentro do tradicionalismo,” conclui.
Os desafios financeiros são uma preocupação constante, especialmente com a falta de apoio externo, mas o Laço Velho tem conseguido sobreviver graças a eventos como bailes e formaturas, ao alugar o salão. Sobre suas metas, de Toni menciona o desejo de construir um novo complexo com salas de ensaio, museu e auditório, e destaca a importância de continuar o trabalho que mantém viva a tradição gaúcha. “Meu desejo é que o CTG Laço Velho e as tradições gaúchas continuem a crescer e se fortalecer, sempre mantendo viva a cultura que une famílias e gerações”, finaliza.
Alvorada Gaúcha
O patrão do CTG Alvorada Gaúcha, Claimar Zonta, destaca o envolvimento do grupo na comunidade, principalmente durante a Semana Farroupilha. “Estamos colaborando com a ABCTG e outros CTGs da cidade para promover eventos, como a Semana Farroupilha e o rodeio de maio, que acabou sendo cancelado devido às chuvas. Contribuímos ajudando outras entidades a promover suas atividades”, afirma. Além disso, o CTG tem uma atuação cultural significativa, apoiando a comunidade, especialmente em momentos de crise, como nas enchentes recentes. “Fizemos campanhas de doação e arrecadação de alimentos para ajudar quem foi afetado”, complementa.
Zonta também menciona os desafios enfrentados após a pandemia, especialmente no que diz respeito às invernadas. “Estamos nos reestruturando. A pandemia dispersou nossas invernadas, e hoje temos apenas a invernada campeira, que nos representa nos rodeios. Estamos trabalhando para mobilizar as invernadas artísticas, trazendo as crianças e suas famílias de volta ao CTG”, explica.
Segundo ele, a entidade desempenha um papel importante na formação dos jovens, ensinando tradições como declamação, música e dança, além de estimular habilidades que refletem em outros aspectos da vida, como o desempenho escolar.
Apesar dos desafios, Zonta acredita em um futuro promissor para o CTG. “Queremos muito retomar as invernadas artísticas e estamos trabalhando forte para isso. Quando as crianças participam, os pais acabam se associando e fortalecendo nosso quadro social”, diz ele. O patrão também comenta a importância das parcerias entre as entidades tradicionalistas da cidade. “Estamos unidos na construção da Semana Farroupilha deste ano. Embora seja um evento mais curto do que o habitual, ele está bem condensado com várias atrações”, diz.
Zonta ressalta a participação das escolas durante a Semana Farroupilha. “Os alunos visitam o parque, têm palestras sobre indumentária, laço e preparo de chimarrão. Esse é o primeiro contato de muitas crianças com o CTG, o que muitas vezes resulta em sua futura participação nas invernadas”, conta.
Por fim, ele acredita que será uma Semana Farroupilha marcante. “Acreditamos que será uma bela semana, com muitas atividades e, desta vez, o tempo deve colaborar. Algumas coisas ainda precisam ser ajustadas, mas o trabalho que estamos desenvolvendo, junto com as outras entidades, vai fortalecer o tradicionalismo gaúcho”, conclui.
Participação do público
A Semana Farroupilha reúne gaúchos de diversas áreas que celebram a cultura e o tradicionalismo. Para a biomédica Hadassa Gomes, o evento é “uma oportunidade de refletir sobre a história regional e fortalecer os laços comunitários”. Ela participa das festividades nos CTGs, aproveitando a música, dança e pratos típicos, além de visitar feiras de artesanato para aprender mais sobre a cultura local.
A microempreendedora Elis Regina vê na Semana Farroupilha um impacto positivo no comércio. “As boinas artesanais vendem muito nesta época”. Já a dona de casa Josielhe Gonçalves destaca a importância de transmitir os costumes às futuras gerações. “Vou me pilchar e participar dos jantares e bailes no CTG, como faço todos os anos”, relata.
O líder comunitário Ivanir José Franco reforça a importância de envolver a família e a comunidade durante a Semana Farroupilha. “Participamos acampando em família todos os anos. Um dos meus filhos está na campeira do Gaudério Serrano e compete no torneio de laço, enquanto o outro é mais artístico, gosta de tocar violão e acompanhar os grupos de dança”, conta. Ele também sugere melhorias, como acampamentos mais acessíveis e shows que atraiam o público e as entidades tradicionalistas. “Para nós, essa participação é essencial, pois fortalece nossa conexão com a cultura gaúcha”, afirma.
Adriano Mejolaro Pietrobon, empresário, também compartilhou suas experiências. Para ele, a Semana Farroupilha é um período aguardado por todos os gaúchos. “É um momento para relembrarmos e celebrarmos a nossa tradição, festejar as nossas conquistas, com orgulho de sermos gaúchos”, comenta.
Ele participa todos os anos e, neste ano, planeja levar seu filho Bernardo, de 1 ano e 5 meses, para aprender desde cedo a cultivar a tradição. Sobre o sentimento de compartilhar essa cultura, Pietrobon afirma: “A cultura gaúcha é muito bonita e o sentimento é de muito orgulho. Admiro quem trabalha para que essa tradição não se perca”, enfatiza.
Pietrobon também fala da importância da semana tanto em sua vida pessoal quanto profissional. “É um período de confraternização com amigos, através de almoços, bailes e rodeios. É um mês muito aguardado para o comércio, pois as pessoas renovam suas pilchas e encilhas”. Ele ainda relembra momentos marcantes, como a realização da Semana Farroupilha na ABCTG, em 2009 e 2011, junto com seu primo. “Foi uma experiência muito bacana, e ver a comunidade empolgada e participando em peso foi o que mais nos deixou felizes”, declara, com entusiasmo.