Após forte estiagem na região, em 1905, cartão postal do Vale dos Vinhedos é conhecido por ter vinho e palha na mistura usada para unir os tijolos da construção
Há 113 anos, em 5 de agosto de 1907, a comunidade do distrito do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, erguia a capela Nossa Senhora das Neves, sem ao menos imaginar que mais tarde se tornaria um ponto turístico da rota. Seu grande diferencial: vinho foi um dos materiais para levantar a construção.
Em fevereiro de 1905, os moradores da linha Leopoldina, no interior de Bento Gonçalves, colheram a melhor safra de uva dos últimos anos. De forma artesanal, começaram a fabricar os tijolos da nova capela. No entanto, um problema impedia o início das obras: uma forte estiagem assolava a região e a água disponível ficava muito distante do local. Por causa disso, não era possível fabricar a argamassa para os tijolos. Surgiu, então, a ideia de amassar o barro (na época não era utilizado cimento, mas barro amassado com os pés) com vinho, já que a colheita estava próxima e o existente seria substituído pelo novo. A bebida foi adicionada à palha de trigo formando a liga empregada para unir os tijolos.
A história é confirmada por Rui Stefani, 75 anos, que fez parte da restauração da capela, em 2019. “Quando estava mexendo no reboco, a cor era de vinho. Claro, que com o tempo, ficou escuro”, lembra. Stefani se dedica há 40 anos à paixão de pintar igrejas e esculpir peças religiosas na região e fora do Estado.
A igreja está localizada na Via Trento, a seis quilômetros do centro da cidade. Quem entra na capela, ao levantar os olhos, ou até mesmo no altar, nota a arte de Stefani nas paredes, no teto, no chão e nos vitrais. Além de contar a história da santa e de quando Jesus transformou a água em vinho durante um casamento, em Canaã, o artista esculpiu a via sacra e demais adereços dispostos no púlpito e na porta de entrada e pintou o externo dela. A reforma da igreja durou cerca de 90 dias e foi feita com a ajuda financeira da comunidade e da Mitra Diocesana.
Stefani relata que fez questão de pintar um painel para contar a história da construção da capela Nossa Senhora das Neves. “Fiz a minha criação, conforme eu lembro dos fatos que me contaram. Então, pintei as mulheres fazendo o ‘colación’ (café da manhã), a palha queimando no forno para fazer a base dos tijolos, crianças brincando, cavalos como meio de transporte, pois não tinha caminhão”, cita.
Esse amor pelas tintas começou ainda quando era muito pequeno. “Enchia meus cadernos de trás para frente com desenhos” diz. Na juventude, Stefani trabalhou com próteses e fundição de materiais, o que facilitou, mais tarde, a utilização com madeira e ouro, por exemplo, nas artes.
A iniciativa de restauro foi feita pelo subprefeito do distrito, Marciano Batistelo, que expôs a importância da igreja para a comunidade. “A fé católica faz parte da cultura dessas famílias, perpetuando ainda nos dias de hoje, e por ela ter sido construída dessa forma (com vinho), é motivo de muito orgulho para os moradores do Vale dos Vinhedos, por se tratar de um cartão postal da nossa cidade. Os turistas procuram muito para ter uma lembrança desse local”, reconhece.
A fé católica faz parte da cultura dessas famílias, perpetuando ainda nos dias de hoje. Marciano Batistelo, subprefeito do Vale dos Vinhedos
Selo de indicação de procedência
Única região do Brasil a conquistar Indicação de Procedência, o Vale dos Vinhedos é o roteiro certo para quem deseja conhecer a cultura da uva e do vinho. A conquista do Selo de Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (I.P.V.V.) garante a origem com qualidade do que é produzido na região, distinguindo dos demais. Somente podem evidenciar os vinhos elaborados com as uvas provenientes do distrito e engarrafados na sua origem, além de serem aprovados em testes realizados por um grupo de especialistas composto por técnicos da Embrapa Uva e Vinho e da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale).
Abertura para visitação
Há tempos, Remy Valduga levava visitantes à capela para contar histórias antigas da comunidade, de dificuldades daquele tempo e das alegrias de uma mesa farta, da construção da igreja, entre outros. De acordo o subprefeito “a nossa luta, agora, é deixar aberta para visitantes. É o cartão postal do Vale. Durante a reforma, apareciam seis, sete turistas querendo conhecer a capela”, destaca.
Fotos: Franciele Gonçalves