Proposta segue para a Comissão de Constituição e Justiça e visa melhorar o ambiente escolar, restringindo o uso de dispositivos eletrônicos, com exceções para fins pedagógicos
A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira, 30 de outubro, um projeto de lei que propõe a proibição do uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos em escolas de todo o país, tanto em momentos de aula quanto durante os intervalos e recreios. A proposta, que segue agora para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), pretende restringir o uso de aparelhos eletrônicos nas instituições de ensino de todas as etapas da Educação Básica.
Caso o projeto seja aprovado pela CCJ, ele será encaminhado ao plenário para votação, antes de seguir para avaliação do Senado Federal. De acordo com o texto, o uso dos dispositivos será permitido somente para fins pedagógicos, didáticos, ou em casos específicos de acessibilidade, inclusão e saúde, sempre sob orientação de um professor.
Justificativas do projeto
O autor da proposta, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), ressalta que a medida tem como objetivo minimizar os impactos negativos causados pelo uso prolongado de telas por crianças e adolescentes. “A utilização das redes sociais de maneira indiscriminada pelas crianças causa distrações, e não permite a absorção do conteúdo”, afirmou o parlamentar, que espera ver o projeto aprovado pelo Senado ainda este ano.
O ministro da Educação, Camilo Santana, também manifestou apoio ao projeto, destacando a importância de a escola servir como espaço de cidadania digital, onde o uso de dispositivos tecnológicos seja voltado exclusivamente para fins pedagógicos. O Ministério da Educação (MEC) está em diálogo com Conselhos de Educação e outras entidades para desenvolver o modelo mais adequado ao contexto brasileiro.
Além da restrição ao uso de dispositivos eletrônicos, o projeto prevê a criação de espaços de escuta e acolhimento para alunos e funcionários que apresentem sinais de sofrimento psíquico, especialmente relacionados ao uso excessivo de telas e à nomofobia — uma condição de medo ou ansiedade gerada pela falta de acesso ao celular. Esses espaços visam oferecer apoio e cuidados voltados para o bem-estar emocional dos envolvidos.
Outra medida importante do projeto é a exigência de treinamentos periódicos para que os profissionais da educação estejam preparados para identificar e tratar sinais de sofrimento mental entre os estudantes. O deputado relator, Diego Garcia (Republicanos-PR), reforça que o projeto visa proteger as crianças e adolescentes de problemas de ordem individual e social que possam surgir pelo uso abusivo das tecnologias.
Países como França, Holanda e China já implementaram medidas de restrição semelhantes. Na França, o uso de celulares nas escolas é proibido para alunos de até 15 anos, inclusive nos intervalos. Na Holanda, os dispositivos eletrônicos são permitidos apenas se tiverem relação com atividades pedagógicas. Já na China, estudantes só podem levar seus celulares para a escola mediante solicitação dos pais, mas precisam deixá-los sob custódia dos professores durante as aulas.
A psicóloga clínica Sofia Sebben avalia que a proibição pode trazer impactos positivos tanto para a concentração dos estudantes quanto para o ambiente escolar. “Com essa medida, os alunos vão prestar mais atenção nas aulas e ter mais chances de socialização com os colegas, o que é fundamental na fase da pré-adolescência”, afirma.
Para Sofia a proposta como um avanço importante, mas alerta para os desafios que acompanham a implementação de uma medida dessa magnitude. “Em termos do que eu tenho conhecimento, sempre a criação de uma nova lei é algo que tem várias burocracias e precisa passar por várias instâncias. Os principais desafios, nessa fase final, vão ser a articulação entre as escolas e as famílias, pois será necessário um trabalho conjunto para que a medida realmente funcione,” comenta.
Ela destaca que a conscientização é importante, mas não suficiente. “Para além da conscientização sobre o uso, vai ser importante dar abertura para esses adolescentes falarem, pois muitos jovens e seus pais reconhecem os malefícios do uso excessivo e os conteúdos inadequados. Mas, mesmo com essa consciência, as pessoas ainda utilizam, então precisamos entender o que está faltando,” argumenta a psicóloga.
Sofia sugere que o desafio está em oferecer alternativas viáveis e atraentes para o uso excessivo de tecnologia, tanto para os adolescentes quanto para as famílias. “Será necessário promover alternativas que interessem aos adolescentes, expandindo também políticas públicas que valorizem atividades fora do mundo digital. Isso ajudará a equilibrar o uso e a minimizar o desenvolvimento de dependências tecnológicas,” explica.
A nomofobia e a saúde mental dos estudantes
A nomofobia, que é o medo de estar desconectado do celular, é uma preocupação central para os defensores do projeto De acordo com Sofia Sebben, a medida visa diretamente esse tipo de dependência, mas ela reforça que é fundamental que o ambiente escolar esteja preparado para acolher e auxiliar os estudantes nesse processo. “Acredito que, se o projeto for aprovado, será necessário agir rapidamente, pois sabemos que é uma preocupação constante para professores e pais. Contudo, será imprescindível criar espaços onde os jovens se sintam à vontade para compartilhar suas dificuldades. Somente com essa escuta ativa e acolhimento, a adaptação à nova realidade escolar será positiva,” afirma Sofia.
O acolhimento é essencial para que esses jovens se sintam apoiados no processo de adaptação à nova realidade, ajudando-os a desenvolver uma relação mais saudável com a tecnologia. Para a psicóloga, profissionais capacitados devem acompanhar o impacto emocional da medida nos estudantes. “É essencial que eles sintam que suas opiniões são valorizadas e que os adultos realmente se importam com seu bem-estar emocional”, destaca Sofia.
Para Sofia, o apoio das grandes empresas de tecnologia será essencial para o sucesso dessa medida. Ela sugere que os desenvolvedores de aplicativos e redes sociais devem colaborar com o governo para tornar os ambientes on-line mais seguros para os adolescentes.
Essa articulação entre empresas, escolas e famílias poderá ajudar a construir uma abordagem mais completa e eficaz para lidar com os desafios do uso excessivo de tecnologia.
Ela destaca que os dispositivos eletrônicos, embora possam ser benéficos em certos contextos, frequentemente criam uma barreira na comunicação entre alunos e professores, além de favorecerem o isolamento social em um momento de vida em que o contato com os pares é essencial para o desenvolvimento emocional. “Interagir com os colegas e professores é essencial nesse período. Um ambiente escolar sem interrupções de dispositivos eletrônicos favorece as trocas interpessoais, o que é muito importante para a formação emocional e social dos alunos”, explica a psicóloga.
Sofia também ressalta que é importante individualizar a abordagem, lembrando que alunos com TDAH ou autismo podem se beneficiar do uso controlado dos dispositivos em sala de aula, auxiliados por monitores. “Não podemos tratar todos de forma homogênea. Para alguns, a tecnologia é uma ferramenta de acessibilidade e aprendizado”, afirma.
Uma oportunidade para repensar o ensino
Para Sofia, a implementação da proibição oferece uma chance para refletir sobre o papel da escola na formação dos cidadãos. Ela acredita que, para ser eficaz, a proibição deve ser acompanhada de investimentos na valorização dos professores e na qualidade do ensino, como ocorre em países que já implementaram políticas semelhantes. “Retirar o celular é um primeiro passo, mas é fundamental que o ambiente escolar também se transforme, valorizando a educação e os profissionais que a sustentam”, afirma.
A expectativa do ministro da Educação é de que o projeto possa ser aprovado ainda neste ano, permitindo a implementação das novas regras o mais rápido possível. Se a medida for sancionada, as redes de ensino precisarão adaptar suas estruturas e capacitar seus profissionais para atender às novas exigências.
Visão dos educandários
Para Margarida Mendes Protto, diretora do Colégio Mestre Santa Bárbara, a proibição é uma medida importante para a melhoria do ambiente escolar e da concentração dos estudantes. “Acreditamos que essa medida é fundamental para o bom andamento das atividades pedagógicas, pois muitos alunos ainda não conseguem fazer o uso correto do celular, o que acaba interferindo no aprendizado”, explica.
Margarida aponta que a conscientização dos alunos e pais será um desafio, bem como o monitoramento do uso dos dispositivos. “Os estudantes podem resistir à mudança, mas, com o engajamento de toda a comunidade escolar, acredito que conseguiremos promover um ambiente mais propício ao aprendizado”, pontua.
Entre os benefícios da proibição, Margarida menciona o aumento da concentração e a melhoria na qualidade do ensino, além de reforçar os laços entre os estudantes e o diálogo em sala de aula. “Ao deixarem de acessar redes sociais e conteúdos fora do contexto escolar, os alunos poderão se concentrar mais no conteúdo e fortalecer seu nível de aprendizagem”, diz.
A diretora ainda destaca que, embora o celular seja uma ferramenta valiosa para fins pedagógicos, ele não é a única. Segundo ela, existem alternativas eficazes que dispensam o uso de dispositivos eletrônicos para o desenvolvimento de atividades educacionais.
No Colégio Mestre Santa Bárbara, a diretora confirma que a escola já possui espaços e profissionais preparados para atender alunos que apresentem questões emocionais. “Estamos preparados para dar suporte a esses estudantes, mas a conscientização das famílias sobre a importância dessa medida é crucial para que a lei tenha um impacto positivo e duradouro”, afirma.
Um dos principais desafios, segundo a diretora, será garantir o apoio das famílias para que essa lei seja eficaz. “A colaboração de pais e responsáveis será essencial para conscientizar os estudantes sobre os benefícios da proibição, não só para o desempenho acadêmico, mas também para a saúde mental e o bem-estar geral dos alunos”, explica Margarida.
Para que a proibição seja bem-sucedida, a diretora acredita que será necessário um trabalho conjunto entre escola, família e redes de apoio. A instituição já vem promovendo debates e atividades educativas sobre o uso responsável das tecnologias, o que, para Margarida, é um passo importante em direção a uma cultura de responsabilidade digital.
Se o projeto de lei for sancionado, as redes de ensino precisarão adaptar suas estruturas para atender às novas exigências, incluindo a capacitação de seus profissionais e a criação de ambientes de acolhimento. Para Margarida e outros educadores, a medida é um avanço necessário para promover um ambiente escolar mais focado na aprendizagem e no desenvolvimento de cidadãos mais conscientes do uso da tecnologia.
O Colégio Aparecida, já tem implementado o uso de celulares somente para uso pedagógico. Segundo a instituição; “apesar de ainda não haver a proibição formal do uso dentro do colégio, os aparelhos são permitidos somente nos horários de recreação. Durante as aulas, o uso é feito somente com orientação pedagógica dos professores, do contrário, a orientação é que os eletrônicos sejam guardados, em modo silencioso, nas mochilas”, destaca.
A orientadora educacional do Colégio Medianeira, Giseli Ribeiro, considera a medida como positiva para o ambiente escolar, pois acredita que a ausência dos celulares estimulará os estudantes a interagirem mais entre si e participarem ativamente das discussões em sala de aula. “A proibição dos celulares é positiva, pois os alunos vão ter mais tempo para interagir entre si, desenvolver habilidades de comunicação interpessoal e criar um ambiente mais focado no aprendizado”, comenta.
Giseli aponta três principais benefícios com a proibição: aumento da concentração dos estudantes, interação direta entre colegas e professores e redução da dependência de comunicação digital. Para ela, a restrição ao uso de celulares permitirá aos alunos estarem mais presentes e focados no “aqui e agora”, aproveitando melhor o momento de aprendizado. “Com menos distrações, teremos alunos mais focados e determinados no aprendizado”, afirma.
Apesar dos benefícios, Giseli acredita que a implementação da lei trará desafios, especialmente no que diz respeito à resistência dos alunos e, em alguns casos, até dos professores. “O desafio será superar a resistência à mudança, tanto de docentes quanto de discentes”, comenta. Segundo ela, a escola já tem regras claras para o uso dos dispositivos em sala de aula e utiliza caixas de armazenamento para os celulares durante o período das aulas, além de contar com alternativas tecnológicas para fins pedagógicos, como tablets e laptops.
Para a orientadora, a adaptação dos estudantes e dos professores exigirá o estabelecimento de regras bem definidas e um diálogo constante. “Na prática, é preciso estabelecer regras claras, incentivar a socialização sem o celular e oferecer suporte contínuo aos docentes para que possam lidar com essa transição de forma eficaz e sensível”, destaca.
O projeto de lei também se preocupa com os impactos do uso excessivo de telas na saúde mental dos alunos. Nesse sentido, está prevista a criação de espaços de acolhimento nas escolas, para que estudantes e funcionários possam receber apoio em casos de sofrimento psíquico relacionado ao uso de tecnologia. “A escola se preocupa com o uso excessivo de telas e seu impacto na saúde mental dos jovens; por isso, já temos um espaço reservado para lidar com o socioemocional dos estudantes”, afirma.
A proposta de oferecer treinamentos periódicos para que professores e funcionários estejam preparados para identificar e lidar com sinais de sofrimento emocional também é vista como essencial. Giseli acredita que, com o suporte adequado, os professores estarão mais aptos a acolher e orientar os estudantes na adaptação à nova realidade. “É fundamental que cada escola forneça treinamento adequado e suporte contínuo para que os docentes possam lidar com essas questões de forma eficaz e sensível”, enfatiza.
Giseli acredita que um equilíbrio entre a restrição ao uso de telas e a educação sobre o uso consciente da tecnologia é fundamental. “A questão não é simplesmente ‘proibir’ ou ‘liberar’, mas criar um ambiente seguro e educativo onde a tecnologia possa ser usada de maneira equilibrada e positiva”, conclui.