A Geração Z, composta por jovens nascidos entre a segunda metade da década de 1990 e o ano de 2010, está mudando significativamente os padrões de consumo de bebidas alcoólicas buscando reduzir ao máximo tal produto em seu cotidiano
A Geração Z, composta por jovens nascidos entre a segunda metade da década de 1990 e o ano de 2010, está mudando significativamente os padrões de consumo de bebidas alcoólicas. Segundo o estudo “O Dossiê das Bebidas”, realizado pela MindMiners, apenas 45% dessa geração consome bebidas alcoólicas, uma porcentagem menor em comparação com as gerações anteriores, como os millennials (57%), a Geração X (67%) e os baby boomers (65%).
A pesquisa da MindMiners, que ouviu três mil pessoas em nível nacional, revela que a diminuição do consumo de álcool entre a Geração Z está ligada a várias razões. A principal delas é a falta de interesse, apontada por 58% dos entrevistados. O sabor das bebidas é outro fator significativo, mencionado por 35% dos jovens, seguido pelo desagrado com os efeitos do álcool (30%), a busca por uma melhor qualidade de vida (19%) e motivos religiosos (17%).
Com a conscientização crescente sobre os efeitos negativos do álcool e outras bebidas açucaradas, a Geração Z está optando por alternativas mais saudáveis. A água é considerada a bebida mais importante para a saúde por 84% dos respondentes, seguida por bebidas à base de leite (74%) e sucos naturais (58%).
A pesquisa indica que, entre todas as categorias de bebidas alcoólicas, a cerveja lidera com 44% das preferências, seguida pelo vinho (37%) e destilados (36%). No entanto, a conscientização crescente sobre os efeitos do álcool tem levado muitos jovens a explorar alternativas. As cervejas sem álcool, por exemplo, são conhecidas por 82% dos entrevistados, e 47% já experimentaram alguma. Essa tendência representa uma oportunidade significativa para o mercado de bebidas sem álcool, especialmente quando 57% dos entrevistados estão dispostos a pagar mais por bebidas que promovem benefícios à saúde.
Impacto nos jovens
Bernardo Marcolin, de 19 anos, é um dos jovens da Geração Z que não é adepto ao consumo de bebidas alcoólicas. O jovem experimentou uma vez e não gostou do gosto e da sensação que o álcool trouxe, por isso decidiu parar de beber. “Provei uma vez, e o sabor e a sensação que ele proporcionou nunca me chamaram atenção. Prefiro um suco ou água, é melhor para meu corpo”, revela.
Ele acredita que as outras gerações tinham contato com bebidas mais leves como cervejas e depois iam provando outros tipos. “Particularmente, acredito que não tenha mudado muita coisa em relação a diminuição do consumo de bebidas entre as gerações. Nas gerações anteriores, o pessoal geralmente tinha o primeiro contato com o álcool com cervejas, já hoje em dia, é com destilados, que são muito mais fortes e de fácil acesso”, explica.
Ele mostra uma certa preocupação em relação ao consumo do álcool, pois para ele os jovens têm começado a consumi-lo muito cedo e não entendem os riscos que pode trazer para o corpo humano. “Acredito que as pessoas continuam a começar a ingerir cada vez mais cedo, seja com a ciência dos pais ou escondido dos mesmos, pela pressão social. Eu particularmente não sinto pressão nenhuma em relação ao uso de álcool, mesmo estando rodeado de amigos que bebem”, conta.
Para finalizar, o jovem deixa um recado. “A maioria das pessoas escolhem beber por causa dos meios em que estão inseridos, e não sobre a vontade de beber. Além dos benefícios a curto prazo em não beber, como o financeiro, existe o a longo prazo, onde seu corpo não vai sofrer com os problemas que o álcool traz. Seguir um estilo de vida saudável é muito mais vantajoso”, conclui.
Impacto no mercado
A tendência de redução no consumo de álcool apresenta desafios e oportunidades para o setor de bebidas. Rodrigo Arpini Valerio, diretor de marketing e vendas da Vinícola Aurora, observa que o mercado está se adaptando rapidamente. “A Aurora está monitorando essa mudança há cerca de dois anos e já lançamos produtos específicos focados nesse público, incluindo duas opções zero álcool”, comenta. A vinícola também está ampliando sua linha de produtos sem álcool, com planos de lançar mais quatro itens até o final do ano.
A empresa, inclusive, percebeu uma queda significativa na venda dos vinhos no ano passado, ligando um alerta para a iminente mudança que está ocorrendo. “Como categoria, o vinho teve uma queda de consumo no ano passado. Mas não é apenas no mercado brasileiro, mas também no mundo. E nós observamos com preocupação essa queda, justamente porque essa geração se aproxima da idade adulta de consumo de bebidas alcoólicas, mas se percebe que eles estão bebendo menos”, explica.
A adaptação vai além dos produtos. As estratégias de marketing foram reestruturadas para alcançar a Geração Z, utilizando plataformas como TikTok, Instagram e YouTube, além de trabalhar com influenciadores digitais. “Nós utilizamos os canais mais atuais para chegar na Geração Z. Vamos assim, partindo do TikTok, do próprio Instagram, ainda se trabalha muito forte a questão do Facebook, mas o YouTube está se mostrando uma ferramenta muito eficaz para a comunicação nesse público e na divulgação. Outra questão muito forte que nós utilizamos é a influência, a questão dos influenciadores, já que hoje em dia os canais digitais da internet têm muito mais audiência. Então estamos trabalhando com esse público muito específico, que é um nicho que queremos apostar porque depende do estilo do influenciador que conversa diretamente com o público que queremos atingir”, afirma Valerio.
Para atrair um olhar do novo público, a vinícola se faz presente em eventos, com seus tradicionais produtos e com suas nove linhas, buscando agradar todos os públicos. “No ano passado, levamos para a Festa do Queijo, que teve em Calo Barbosa, as opções tradicionais da Aurora: o moscatel, os vinhos, o suco de uva e, inclusive, incluímos o zero álcool, que foi um sucesso. Porque muitas pessoas acabam não podendo beber, e beberam só o refrigerante ou o suco de uva. Quando o produto é o zero álcool, pode brindar, com a sensação de estar com o espumante. E não é só a geração Z que está consumindo esses produtos com menos álcool ou com zero álcool. As pessoas de idade mais avançadas também estão consumindo porque percebem que é um produto diferente e que elas podem ter a mesma sensação de brindar, só que sem o efeito do álcool”, explica Valerio.
Para ele, a principal dificuldade de conversar com esse novo público é de como chegar até ele. “A principal dificuldade é chegar até a Geração Z, porque, com tantas opções, tu ser uma você é como ganhar um prêmio. Você tem que despertar o que uma pessoa consome. Quando você chega em algum link patrocinado ou está no feed e aparece uma propaganda, as pessoas não se atentam a ela. Para atingirmos a geração mais jovem trabalhamos muito percebendo qual é o meme do dia, qual é a tendência que está acontecendo”, relata.
A vinícola acredita que a tendência para os próximos anos é de uma diminuição no álcool dos produtos. “A expectativa para os próximos anos é o consumo de bebidas com muito menos álcool, então, aqueles vinhos com muito álcool, 14, 15, 16% de álcool, não serão tão populares nesse público. E aí sim, as bebidas com álcool baixo, entre 5 e 10 e 11% terão uma maior possibilidade, o espumante por exemplo, ele é muito bem aceito ainda por essa geração, porque tem uma questão de frescor, que combina muito com o clima brasileiro. E fora isso, essa questão, uma pessoa que não quer beber, não vai buscar produto alcoólico”, conclui.
Na Vinícola Garibaldi, o gerente de marketing e enoturismo Maiquel Vignatti também destaca a importância de inovar para atrair os jovens consumidores. “Há uma tendência de consumir menos e consumir melhor, talvez diferentemente do que era com as gerações passadas. Isso até por acesso a mais informação e por, digamos, novos sensos de responsabilidade social. Quanto ao consumo de vinho no Brasil, ele vem crescendo levemente entre os jovens. O que precisamos é estar sempre inovando para que essa e as vindouras gerações tenham sempre o vinho no ‘share’ de seu consumo de bebidas. Estamos sempre atentos às tendências de mercado e buscamos alinhar nossos produtos ao perfil desses novos consumidores. Isso inclui lançar vinhos com menos teor alcoólico e bebidas sem álcool, como o Prosecco Zero”, explica Vignatti.
Estar conectado com a nova geração é o principal fator que une a marca ao consumidor. “A gente tem buscado formas de trafegar onde o jovem está trafegando, seja através de rede social, seja através do rádio, do jornal, do enoturismo, enfim, sempre levando a mensagem de uma forma disruptiva, de acordo com as campanhas que a gente cria e atrelado à árvore de decisão desse consumidor, pensando justamente em qual produto numa ele vai optar. Então, a nossa comunicação está sempre buscando ajudá-lo nessa tomada de decisão, porque o que mais importa é essa questão de gerar experiência, mas ao mesmo tempo também fazer com que ele escolha o nosso produto. É isso que a gente tem buscado fazer e transcrever para o consumidor, para essa geração Z e para as outras gerações, porque temos produtos que atendem a todas as gerações e geram diferentes experiências. Então, o nosso portfólio atende a diversos públicos e não a um específico”, relata.
O consumo pela perspectiva sociológica
Nos últimos anos, têm surgido debates sobre a mudança nos hábitos de consumo de álcool entre a geração Z. Para entender melhor esse fenômeno, conversamos com Jonathan Henriques do Amaral, de 38 anos, sociólogo e professor do IFRS – campus Bento Gonçalves.
Jonathan destaca que a própria ideia de “geração” exige cuidado, pois indivíduos nascidos na mesma época histórica não necessariamente compartilham as mesmas experiências de vida. Diversos fatores como país de origem, região, classe social, sexo e origem étnico-racial influenciam significativamente os padrões de consumo de álcool. ‘“Acredito ser necessário ter cautela com essa informação. Segundo o estudo Covitel 2023, feito pela Universidade Federal de Pelotas e pelo Instituto Vital Strategies Brasil, com abrangência nacional, em torno de 32% dos entrevistados de 18 a 24 anos relataram já ter consumido álcool abusivamente. Foi a faixa etária na qual se verificou maior prevalência do consumo abusivo, em comparação com as demais”, explica.
Ao discutir a busca por bem-estar e qualidade de vida entre a geração Z em comparação com as gerações anteriores, Jonathan cita novamente o estudo Covitel: “Há um número significativo de pessoas de 18 a 24 anos com excesso de peso (40%). Houve um aumento nos índices de obesidade nessa mesma faixa etária, o tempo passado em frente a telas é bastante alto e os hábitos de alimentação são piores do que os de pessoas mais velhas. Além disso, é alto o percentual de jovens que já experimentaram o cigarro eletrônico e alucinógenos, como a maconha”, diz.
Jonathan expressa ceticismo sobre o interesse crescente da geração Z por bebidas sem álcool e de baixo teor alcoólico e aponta para a necessidade de avaliar o consumo de outras substâncias prejudiciais. Em relação às dietas saudáveis e práticas de sustentabilidade, ele observa: “Acredito que sejam vários fatores que impactem no consumo de álcool: o fácil acesso a essas bebidas, propagandas, convivência com pessoas que bebem, fatores genéticos. O consumo de frutas e legumes, por exemplo, é mais baixo na faixa etária de 18 a 24 anos; acima dos 65 anos, é muito maior. Por outro lado, o consumo de refrigerantes e sucos artificiais tende a ser maior entre os mais jovens”, explica.
Quanto aos possíveis impactos psicológicos e sociais de uma geração que consome menos álcool, Jonathan adverte que os dados indicam o contrário: “Certamente haveria impactos positivos, mas não me parece que seja esse o caso”, diz.
Jonathan acredita que, se o consumo continuar nos níveis atuais, o mercado de bebidas alcoólicas seguirá aquecido. Ele também ressalta a necessidade de conscientização desde cedo para qualquer mudança significativa nos hábitos de consumo de álcool. Sobre como a indústria de bebidas alcoólicas pode se adaptar às mudanças de comportamento da geração Z, Jonathan afirma. “Creio que a indústria esteja auferindo lucros bem significativos com a venda de bebidas alcoólicas a pessoas dessa faixa etária, que seguem consumindo essas bebidas de forma significativa.” Quanto ao futuro dos hábitos de consumo, ele prefere não especular, destacando que dependerá dos desenvolvimentos futuros.