Amizade de infância é daquelas que o tempo dobra com carinho e guarda num bolso secreto do coração. A gente cresce, muda de cidade, forma família, troca de emprego, mas aquele elo permanece, teimoso e bonito. Por sorte e por cultivo nosso, as minhas resistem firmes — mesmo com milhares de quilômetros entre nós. Nascemos e crescemos nas mesmas ruas, estudamos juntas até o segundo grau na época, gostamos e brincamos das mesmas coisas, nunca brigamos e, mesmo com caminhos diferentes, sempre voltamos ao mesmo lugar.
Mas o triste da vida adulta é que cada um segue o seu rumo e, muitas vezes, vai pra longe da casa da infância. Triste pra mim, fico feliz por cada uma delas. Já são uns oito a nove anos que o grupo das sete mulheres se distanciou. Nesse período, mensagens trocadas entre risadas, filhos nascendo, mudanças de CEP, novidades e muitas piadas, até conselhos sobre os bebês, e depois de todo esse tempo conseguimos um feito quase histórico: reunir todas, todas mesmo, num domingo de dia das mães. Não por acaso, hoje o papel que nos une ainda mais é o de sermos mães. O filho mais velho da amiga que engravidou primeiro fez dez anos, a caçula, 5 meses. A nossa vida é renascimento mesmo!
De sete que éramos, viramos dezesseis com os filhos e vinte e dois com os cônjuges — uma verdadeira convenção das memórias com sabor de infância e cheiro de bebê gostoso. Mas como toda amizade tem um pouco de discórdia, foi aí que começou a briga. Não por ciúmes, nem por birra de criança (pasmem, são todos muito comportados!), mas por algo muito mais sério: qual de nós mora no melhor lugar.
A primeira candidata, Aline, levantou-se com pose de Garota Verão (que nostalgia!), cheiro de mar e protetor solar e declarou:
— Litoral catarinense. Não tem igual.
Desfiou elogios às praias de areia branca, ao custo de vida “mais baixo” de onde mora, ao clima sempre agradável e às frutas vendidas na beira da estrada. Por um momento tive inveja de quem mora ao lado de Bombinhas e de Balneário Camburiú e, claro, que tive que concordar com ela. Quem não gostaria de morar onde normalmente só se passa as férias?
A segunda, Sheila, há anos paulistana convicta, riu com leve desdém.
— Gente, vamos combinar. Em São Paulo tudo funciona. Tudo. 24h por dia!
Começou a listar restaurantes, serviços, eventos culturais, metrôs, aplicativos, shoppings e, entre um gole e outro de café, nos informou que o supermercado dela entrega até de madrugada. Convenceu alguns, amedrontou outros.
As demais opinavam, falam de lugares que já conheciam e fizemos planos de onde mais poderíamos ir juntas, talvez com algumas Kombi’s para caber todo mundo e assim foi a tarde.
Mas, eu, escorpiana que sou, que nasci e cresci aqui no coração da Serra Gaúcha, não podia perder a chance: será que é arrogância demais achar que vivo no melhor lugar? Talvez. Mas se amar nossa cidade for soberba, que me chamem de altiva.
Aqui, minha gente, a gente tem frio de congelar pensamento e calor de derreter a paciência. Tem uva, vinho, pão colonial e queijo de verdade. Tem Expobento, tem Fenavinho, tem o Vale dos Vinhedos e os Caminhos de Pedra. É cidade pequena, mas desenvolvida. A gente se cumprimenta na rua, sabe quem é filho de quem e faz fila para comprar cuca na padaria. Aqui, a escola tem nome de rua e a rua tem nome de gente que todo mundo conheceu.
Talvez não tenha praia. Talvez o supermercado não entregue de madrugada. Mas temos um pôr do sol que pinta de laranja até a alma. E temos o frio — esse mesmo que obriga a gente a tomar banho correndo, mas também aproxima abraços.
Agora, veja bem, não estou dizendo que é melhor. Mas também não tô dizendo que não é. Também temos arredores lindos a conhecer, como Gramado, Canela, Garibaldi, Monte Belo, São Francisco de Paula. E o papo se desenrolou até bem tarde, eu sempre com o contra-argumento na ponta da língua.
A verdade? A verdade é que nenhuma de nós ganhou a discussão. E ainda bem. Porque o melhor mesmo é isso: poder visitar todas essas terras, dormir em colchão emprestado das amigas, conhecer a cultura alheia, rir das manias diferentes e, no fim, voltar pro que a gente chama de lar.
E o mais bonito: sem perder as amizades! Todas riram, concordaram e combinamos a próxima viagem para alguns desses lugares maravilhosos em que moram.
Fantástico, né?