A prática de tatuagens e piercings em cães e gatos está oficialmente proibida no Brasil. A medida, sancionada recentemente, tem como objetivo combater maus-tratos e coibir procedimentos estéticos que colocam em risco o bem-estar dos animais. A nova legislação considera tais intervenções como crueldade, salvo em casos estritamente veterinários e com finalidade terapêutica ou de identificação. A decisão reforça a proteção dos direitos dos animais e responde a denúncias crescentes de práticas abusivas motivadas por modismos nas redes sociais.
A lei passou a valer a partir da sanção, no dia 17 de julho. Assim, quem fizer tatuagens e piercings com fins estéticos em cães e gatos poderá ser condenado a pena de detenção de três meses a um ano, além do pagamento de multa.

Juliara Hoger, médica veterinária dermatologista

Os efeitos nos animais
De acordo com Juliara Hoger, médica veterinária dermatologista, esses procedimentos impactam a saúde psicológica do pet. “Colocam o animal em uma situação de dor, desconforto, estresse, medo desnecessários e sem fundamentos médicos”, explica.
Além disso, esses procedimentos podem levar a complicações mais sérias, tais como infecções bacterianas e fúngicas graves, de acordo com a especialista. “Podem contribuir para uma infecção de pele grave em decorrência do próprio equipamento, rejeição da tinta ou metal, e da atuação de profissional não habilitado. Isso fere os princípios do bem-estar animal”, salienta Juliara.

Diferenças entre a pele animal e a humana
A pele dos animais apresenta diferenças significativas em relação à pele humana, tanto na estrutura quanto nas funções.
A pele dos animais, como cães e gatos, é significativamente mais fina e sensível do que a humana, especialmente na camada da epiderme, o que os torna mais vulneráveis a lesões, infecções e reações adversas. Essa sensibilidade é agravada pelo fato de a pele estar coberta por uma densa pelagem, que já cumpre naturalmente funções de proteção térmica e sensorial. Diferentemente dos humanos, que possuem glândulas sudoríparas distribuídas por todo o corpo, os animais contam com poucas dessas glândulas e regulam sua temperatura corporal principalmente por meio da respiração. Além disso, a pele animal reage com maior intensidade a substâncias como tintas e metais, elevando os riscos de inflamações, rejeições e complicações em procedimentos invasivos.
De acordo com a médica veterinária, a espessura da camada de pele de cães e gatos é mais fina do que a dos humanos. “Qualquer perfuração mínima pode atingir camadas mais profundas e causar muito mais dor, além de expô-los a uma diversidade de bactérias e fungos sensíveis a quaisquer processos inflamatórios. E como não compreendem o procedimento, podem lamber ou morder o local e agravar a lesão”, conta.
Riscos a longo prazo
A realização de tatuagens e a colocação de piercings em cães e gatos pode ocasionar sérios riscos à saúde do bicho, segundo Juliara, como:

  • Inflamações crônicas com tratamentos antibióticos prolongados;
  • Formação de queloides;
  • Infecções;
  • Alergias recorrentes;
  • Trauma psicológico que compromete o bem-estar, levando ao estresse contínuo, automutilação e aversão ao manejo/toque.

Ética
Quando se fala em procedimentos estéticos em animais, estão sendo violados os direitos deles, como informa Juliara. “Considero que a realização desses procedimentos é eticamente inaceitável. Violam princípios fundamentais do bem-estar animal, uma vez que impõem dor, estresse e riscos à saúde sem qualquer benefício clínico. Animais não são objetos decorativos, e submetê-los a intervenções meramente estéticas compromete sua dignidade e ignora seu direito a uma vida livre de sofrimento desnecessário. “Como profissionais da saúde animal, nosso dever é zelar pelo bem-estar físico e emocional dos pacientes, sempre priorizando o respeito à sua integridade”, pontua.
A médica explica que intervenções são necessárias apenas para fins de saúde. “Interferências são necessárias para fins diagnósticos, tratamentos e prevenção ou melhora da saúde e qualidade de vida do animal, desde que realizadas com ética e conhecimento técnico”, alega.
Já os procedimentos para fins estéticos não trazem benefício algum. “Especialmente quando invasivos e causadores de dor ou sofrimento, são práticas prejudiciais e totalmente desnecessárias, de interesse puramente humano e sem respeito para com a vida animal”, salienta Juliara.
Para a médica, a proibição de tatuagens e piercings em cães e gatos representa um avanço importante na proteção dos direitos e do bem-estar animal. “Nossa classe reconhece que são procedimentos invasivos, dolorosos e desprovidos de qualquer justificativa clínica”, alerta.

Antropomorfismo
Muitas pessoas passaram a tratar seus pets como uma extensão de si mesmas, uma tendência cada vez mais evidente nas grandes cidades e nas redes sociais. Esse comportamento, conhecido como “antropomorfismo”, ocorre quando atribuímos características humanas aos animais, como sentimentos, desejos e até preferências estéticas. “Na minha opinião como profissional e como humana, está associada a uma visão antropocêntrica e muitas vezes distorcida da relação entre humanos e seus pets. Algumas pessoas tratam os animais como extensões de sua própria identidade ou estilo e ignoram que eles são seres sencientes, com necessidades distintas e incapazes de consentir com tais práticas”, menciona a veterinária.
Além disso, ela enfatiza a necessidade de informações sobre o assunto. “Há também uma falta de informação quanto aos riscos físicos e emocionais envolvidos, além de uma cultura que, por vezes, ainda valoriza a aparência acima de tudo”, esclarece.

Cuidado responsável
Cuidar de um animal vai muito além de oferecer abrigo e alimentação, é um compromisso que exige responsabilidade, consciência e afeto genuíno. É essencial que os responsáveis cuidem de seus pets da forma correta. “Gostaria de reforçar aos tutores que o verdadeiro cuidado com os animais vai além da aparência. Envolve respeito, empatia e muita responsabilidade. Animais não são acessórios ou objetos de expressão estética, são seres sencientes, que confiam em seus tutores para zelar por seu bem-estar físico e emocional”, expressa.
Em um contexto em que práticas estéticas em animais têm gerado debates e preocupações, a prioridade deve ser sempre o bem-estar dos pets. Nesse sentido, a conscientização sobre cuidados responsáveis se torna ainda mais importante. “Proteger nossos pets é garantir que todas as decisões tomadas em relação a eles priorizem sua saúde, segurança e qualidade de vida. Esse é o maior ato de amor e respeito que podemos oferecer”, destaca.

Como denunciar
De acordo com a médica veterinária, as denúncias podem ser realizadas junto às delegacias de polícia e delegacias ambientais. “Também é possível acionar o Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) do estado, especialmente se houver envolvimento de profissionais da área. É importante reunir o máximo de informações possíveis, como fotos, vídeos e o local, para apurar o caso o mais rápido possível”, conclui.