Primeiros casos em granjas e zoológico acendem sinal vermelho no setor

O mês de maio de 2025 marca um momento crítico para a avicultura brasileira. O país confirmou seus primeiros casos de gripe aviária de alta patogenicidade (H5N1) em aves comerciais, acendendo um alerta em toda a cadeia produtiva e provocando medidas emergenciais do governo.

O primeiro foco foi identificado no dia 15 de maio, em uma granja de reprodução da empresa Vibra Foods, em Montenegro, no Rio Grande do Sul. Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a propriedade foi imediatamente isolada e cerca de 17 mil aves foram abatidas como parte do protocolo de contenção. Quatro dias depois, um novo caso foi confirmado no Zoológico de Sapucaia do Sul, onde aproximadamente 100 aves silvestres, incluindo cisnes, morreram devido à infecção.

Além dos focos confirmados, há seis casos suspeitos em investigação, dois em granjas comerciais nos estados de Tocantins e Santa Catarina, e quatro em criações de subsistência no Ceará, Pará e também no Rio Grande do Sul.

Plano de contenção em andamento

Para conter a propagação do vírus, o Mapa executa um rigoroso plano de contingência. Entre as ações estão o isolamento das áreas afetadas, o abate sanitário das aves, a destruição de mais de 1,7 milhão de ovos da granja de Montenegro, barreiras sanitárias, estações de desinfecção e monitoramento intensivo das propriedades vizinhas e de aves silvestres. O governo estima que serão necessários 28 dias, a partir do início das ações, para controlar o surto.

Exportações em risco

O Brasil, maior exportador mundial de carne de frango, já enfrenta restrições comerciais. Países como China, União Europeia, México e Argentina suspenderam temporariamente as importações de produtos avícolas brasileiros. O governo solicitou à China que limite o embargo apenas à região afetada, mas ainda aguarda uma resposta oficial.

O bacharel em economia Lucas Machado Stedile

Segundo Lucas Machado Stedile, bacharel em Economia pela UCS e avicultor, o impacto pode ser severo, principalmente no Rio Grande do Sul. “O principal impacto está no risco de restrições às exportações, considerando que aproximadamente 55% da produção do estado é destinada ao mercado externo”, alerta.

Ele acrescenta que a suspensão das exportações faz com que a produção seja redirecionada ao mercado interno, pressionando os preços para baixo e comprometendo a rentabilidade das empresas. “Isso afeta toda a cadeia, desde os produtores de insumos até os frigoríficos e cooperativas”, explica.

O impacto vai além dos prejuízos empresariais e afeta diretamente o emprego e a economia local. “Empresas precisam reduzir o ritmo produtivo, cortar custos e, por consequência, realizar demissões. Isso gera uma retração econômica que atinge transporte, comércio, serviços e a arrecadação municipal”, ressalta Stedile.

Saúde humana em observação

Apesar da gravidade entre aves, até o momento não há registros de infecção humana por H5N1 no Brasil. Um trabalhador da granja de Montenegro chegou a ser isolado por precaução, mas testou negativo.
A Dra. Isabele Berti, infectologista do Hospital Tacchini, afirma que o risco real de transmissão existe, principalmente para profissionais que atuam diretamente em aviários com aves contaminadas ou que lidam com carcaças e dejetos.

Ela reforça que os sintomas iniciais da gripe aviária em humanos são semelhantes aos de outras gripes: “Febre alta, tosse, mal-estar e dores no corpo são sinais de alerta”, destaca. “É fundamental que qualquer pessoa com quadro gripal busque atendimento médico, principalmente se tiver tido contato com aves doentes”, orienta.

Quanto à vigilância local, a médica explica que os protocolos seguem as diretrizes do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual da Saúde. “Até o momento, Bento Gonçalves e região não registraram casos suspeitos, apesar da proximidade com Montenegro. Mas estamos em estado de alerta”, reforça.

A infectologista Isabele Berti

Orientações e cuidados

As autoridades de saúde orientam a população a evitar contato com aves mortas e a manter rigorosa higiene após qualquer eventual exposição. “Se encontrar aves mortas, não toque. E se tiver contato, lave bem as mãos com água, sabão e álcool”, recomenda a Dra. Isabele.

Ela também destaca o uso de máscaras e a busca por atendimento médico diante de qualquer sintoma gripal. Sobre o consumo de alimentos, a médica esclarece que não há contraindicação para carne ou ovos de aves, desde que sejam bem cozidos e de procedência certificada. “Evitem alimentos mal processados ou sem origem conhecida”, adverte.

Ela ainda alerta para o potencial de mutação do H5N1, o que poderia aumentar a capacidade de transmissão entre humanos. “Quanto maior a circulação, maior o risco de mutações. Por isso, o controle rigoroso é essencial”, salienta.

Vacinas e prevenção

Atualmente, não há vacina específica contra o H5N1. “Temos vacinas para outras cepas de influenza A, e é fundamental que a população esteja vacinada contra elas”, explica a infectologista. Ela lembra que o RS já enfrenta surtos de outras gripes e vírus respiratórios, como o vírus sincicial em crianças, o que torna ainda mais urgente a atualização vacinal.

Diante do cenário, Stedile afirma que o foco deve ser no reforço das medidas sanitárias e na diplomacia comercial. “Não há uma política emergencial específica para surtos como esse. As linhas de crédito rural existentes ajudam, mas o essencial é evitar novos focos e negociar com os países para restringirem embargos apenas às regiões afetadas”, defende.