Quando eu era adolescente, achava o máximo decorar todas as capitais dos estados brasileiros e dos países do mundo — uma forma de provar que dominava algo, que tinha um saber que valia. Jogava Show do Milhão como quem coleciona sabedoria em pílulas. Mais tarde, me dediquei ao Duolingo, tentando aprender línguas como quem caça troféus de conhecimento. Também decorei a tabuada e letras desafiadoras como a de Faroeste Caboclo, com seus nove minutos de maratona verbal.
Hoje, tudo parece ter mudado. Vejo crianças, especialmente meninas, reproduzindo coreografias do TikTok com uma precisão invejável, absorvidas pelos vídeos infinitos do feed. Sabem cada passo da trend da semana, mas esquecem onde deixaram o brinquedo favorito, qual era o dever de casa ou onde está aquela roupa que amam. E isso não é exclusividade infantil. Nós, adultos, também esquecemos o que importa enquanto acumulamos informações inúteis, pensamentos aleatórios e distrações constantes. Vivemos conectados demais e presentes de menos.
Esse fenômeno tem nome: brainrot. Palavra do ano segundo o Dicionário Oxford, com tradução literal de “cérebro podre”. Mas, na prática, ela expressa muito mais: é o retrato de uma geração mentalmente sobrecarregada e emocionalmente exausta.
Estamos na era da atenção estilhaçada. A mente virou uma colcha de retalhos costurada por estímulos breves: vídeos, memes, reels, áudios, tutoriais, notícias alarmantes, promessas de transformação em 30 segundos. É uma avalanche constante e a cada deslizar de dedo, somos engolidos por mais uma onda.
No início, tudo parece inofensivo. É só mais um vídeo. Só mais um post. Só mais cinco minutinhos na tela. Mas, sem perceber, nossa mente se transforma em um feed sem fim. O pensamento vira um zapping mental: superficial, apressado, incapaz de fixar ou aprofundar. Pensar, de verdade, virou um esforço raro. Sentir, então, virou quase luxo. Porque sentir exige tempo. Exige silêncio. E o brainrot despreza o tempo e abomina o silêncio.
Não é que nos tornamos menos inteligentes. Apenas estamos mais distraídos. E isso tem um preço. A gente se sente cansado sem ter feito muito. Irritado sem razão. Vazio, apesar de tanto “conteúdo”. Ler um livro hoje parece um ato heróico. Focar por mais de 15 minutos? Quase uma lenda urbana. Nossa mente salta de uma ideia a outra como quem pula pedras soltas num rio: com pressa, sem firmeza, torcendo para não cair.
Enquanto isso, seguimos acreditando que estamos informados, engajados, produtivos. Mas, na prática, estamos fragmentados. Ansiosos. Entorpecidos. Nunca estivemos tão entretidos — e, paradoxalmente, tão vazios. O brainrot não dói: ele anestesia. Ele silencia a atenção, esvazia a presença, afasta a conexão real. E, quando por acaso o ruído externo cessa, o silêncio interno assusta. Porque o vazio que emerge é mais profundo do que gostaríamos de admitir.
Talvez o verdadeiro luxo dos tempos modernos seja conseguir se concentrar. Talvez o maior ato de rebeldia seja parar de rolar a tela, fechar os olhos e ouvir um pensamento até o fim. Talvez o antídoto para o brainrot seja reaprender o tédio. Desacelerar. Ficar em silêncio sem playlist. Ler sem pausar. Pensar com calma. Sentir por inteiro. Reaprender o valor do foco, do ócio, da presença.
Porque, quem sabe, nesse silêncio estranho e desconfortável, a gente reencontre a própria voz. E, com sorte, descubra que ela ainda tem muito a dizer.