Nos últimos tempos, os bebês reborn têm conquistado grande destaque nas redes sociais, despertando curiosidade e fascínio. Essas bonecas hiper-realistas, minuciosamente criadas para reproduzir cada detalhe de um recém-nascido, desde as dobrinhas da pele até o cabelo implantado fio a fio, vêm ganhando espaço não apenas como itens de colecionador, mas também como companhias e até ferramentas terapêuticas.
Quando Surgiram
A arte de criar bonecas realistas surgiu nos Estados Unidos na década de 1990. Naquela época, artesãs começaram a transformar brinquedos comuns em réplicas impressionantes de bebês humanos. Elas utilizavam técnicas avançadas de pintura, aplicavam cabelos fio a fio (enraizamento) e ajustavam o peso e a textura para replicar fielmente a aparência e o toque de um bebê de verdade. O propósito era atender tanto a colecionadores quanto a pessoas que buscavam as bonecas para fins terapêuticos.
Preço
Além da controvérsia em torno de seu uso, os bebês reborn também chamam a atenção pelos seus valores. O custo para adquirir uma dessas bonecas hiper-realistas pode variar significativamente, começando em mil reais e atingindo impressionantes 15 mil reais. Essa expressiva faixa de preço não é aleatória; ela reflete o meticuloso processo de criação e os materiais empregados na confecção de cada peça.
O principal fator por trás do alto investimento necessário para ter um bebê reborn é o detalhamento. Quanto maior o nível de realismo que inclui desde veias aparentes e tonalidades de pele variadas até a inserção fio a fio de cabelos, mais complexo e demorado se torna o trabalho do artesão.
A confecção artesanal é outro pilar que justifica os valores. Diferentemente de bonecas produzidas em massa, os reborns são feitos individualmente, com técnicas de pintura e modelagem que replicam a aparência de um recém-nascido. Essa dedicação manual exige tempo e grande habilidade.
Por fim, a qualidade e a origem dos materiais também pesam no custo final. Silicone de alta qualidade, tintas especiais que não desbotam e até mesmo mohair (cabelo de cabra angorá) para imitar os fios de cabelo de um bebê contribuem para a durabilidade e o realismo da boneca, elevando seu valor de mercado.
Viralização
A febre dos bebês reborn, ganha um novo contorno nas redes sociais e divide a internet. O que antes era um nicho de colecionadores, agora se expande para um público adulto que, em muitos casos, as trata como filhos. Relatos e vídeos mostram essas “mães” levando os reborns para passeios em parques, consultas médicas simuladas, trocas de fraldas e até mesmo para dormir, imitando a rotina de cuidados com um bebê de verdade.
A tendência, embora não seja completamente nova, ganhou força e visibilidade nas últimas semanas, gerando uma onda de discussões online. Enquanto para os adeptos essa prática representa uma forma de afeto, companhia ou até mesmo um alívio para a solidão e a ansiedade, muitos internautas desaprovam veementemente. As críticas variam desde a alegação de que o comportamento é “anormal” ou “estranho” para adultos, até questionamentos sobre os limites entre a fantasia e a realidade.
O que está por trás da polêmica?
A principal fonte de controvérsia reside no choque entre a percepção da boneca como um objeto inanimado e o tratamento dado a ela como um ser vivo. Para os críticos, a linha tênue entre o hobby e a imersão excessiva no mundo dos reborns gera desconforto e estranhamento. Por outro lado, defensores da prática argumentam que se trata de uma forma válida de expressão pessoal, que não causa mal a ninguém e que pode oferecer conforto emocional a quem a adota. A discussão levanta questionamentos sobre a individualidade, as diferentes formas de lidar com a afetividade na sociedade contemporânea e o papel das redes sociais na amplificação de comportamentos e tendências. A popularidade dos bebês reborn entre adultos, seja como simples coleções ou como verdadeiros “filhos de plástico”, parece ser um fenômeno que ainda renderá muitos debates.
Entenda
De acordo com Raquel Conte, Psicóloga Clínica e Professora do Mestrado Profissional em Psicologia da UCS, as motivações psicológicas de pessoas adultas estarem adquirindo bebês reborn com o intuito de cuidar como seus filhos são muitas. “Por trás de um fenômeno social existem sujeitos imersos em uma cultura e sociedade que merecem ser olhados em suas subjetividades. A maternidade em nossa sociedade é algo impregnado de valores morais, religiosos e sociais que performam o papel e a função das mulheres, por exemplo, em exercerem papéis de cuidado desde muito cedo, como se essa fosse a linha de referência de suas existências”, esclarece.
Além disso, muitas mulheres têm o sonho de serem mães e não conseguem, ou até mesmo perdem seu bebê e encontram na boneca uma forma de afeto e carinho. “Algumas talvez se encontrem em falta, num vazio de existência que precisam materializar suas angústias através da fantasia ou delírio de uma ocupação a um outro, com o qual podem controlar, sem necessariamente se sentirem que podem abandonar ou ainda se culpabilizar por algum fracasso”, explica a psicóloga.
Além disso, os bebês reborn podem ser utilizados como escape, ou até mesmo fuga da realidade após passarem por um trauma ou até mesmo luto, assim como a busca por suprir uma dor, de acordo com a psicóloga. “Como qualquer relação com um objeto imaginário, se a sua função for a de substituir vínculos com a realidade, isso pode ser um sinal de pedido de ajuda”, pontua a psicóloga.
A especialista ressalta que o apego a esses objetos, quando extremo, pode indicar uma dificuldade em lidar com a solidão, perdas ou até mesmo a busca por um controle que não se encontra na vida real. A linha entre o hobby e a necessidade de apoio profissional, portanto, reside na forma como a pessoa interage com o mundo ao seu redor.
Segundo a psicóloga, é importante ressaltar a necessidade de observar quando a idealização e o apego excessivo a objetos, mesmo que inanimados, começam a distorcer a percepção do mundo real e a gerar dificuldades no dia a dia. “A ajuda profissional pode vir sempre que o sujeito sentir prejuízos no seu funcionamento social, de trabalho ou outras atividades. Acreditar que um boneco tenha necessidades reais de uma criança real, por exemplo, foge da realidade e a fantasia passa a ser dominante, distorcendo a realidade. Isso preocupa”, alerta.
Relação da criança com bebês reborn
Se para os adultos os bebês reborn se tornaram objeto de debate e até de preocupação psicológica, no universo infantil, essas bonecas hiper-realistas também encontram um lugar, mas com nuances diferentes. A relação das crianças com os reborns, embora possa parecer um reflexo do comportamento adulto, é vista por especialistas sob a ótica do desenvolvimento lúdico e da importância do “faz de conta”. Para as crianças, o ato de brincar com bonecas é fundamental para o desenvolvimento de diversas habilidades. “As crianças usam da fantasia para brincar e a brincadeira é extremamente útil e saudável para as crianças. No entanto, é preciso que se mantenha o juízo crítico daquilo que é real ou não. A confusão desses limites exige uma atenção especial”, explica a psicóloga.
Práticas Terapêuticas e os bebês reborn
Além do colecionismo e do afeto, os bebês reborn têm encontrado espaço como ferramentas terapêuticas em diferentes contextos. O realismo dessas bonecas pode evocar respostas emocionais profundas, tornando-as úteis em terapias para idosos, especialmente aqueles com demência ou Alzheimer. Nesses casos, o ato de cuidar de algo que se assemelha a um bebê pode estimular memórias afetivas, reduzir a ansiedade e a agitação, e proporcionar uma sensação de propósito e conforto emocional. “Acredito que o uso do bebê reborn pode cumprir uma função importante, porém, se acompanhado por uma ajuda profissional que possa representar e nomear acerca de qual sofrimento se trata”, como destaca Raquel.