Último jogo profissional do Bento Vôlei ocorreu na Superliga 2016/2017. A reportagem conversou com ex-atletas para descobrir o que estão fazendo atualmente
Se você é fã de voleibol, talvez lembre dos animados jogos do time profissional do Bento Vôlei que costumavam lotar o Ginásio Municipal. O desporto na cidade tem uma história de mais de 40 anos. Desde a década de 1970, as categorias de base, tanto no naipe masculino quanto no feminino, desenvolviam a prática. O masculino sempre competiu defendendo as cores do Clube Esportivo Bento Gonçalves, já o feminino competia sob a sigla de vários clubes.
Foi na década de 1990, porém, que os resultados do trabalho realizado ao longo dos anos passaram a se destacar mais regularmente com a conquista de vários campeonatos estaduais em todas as categorias, desde o mini vôlei até o adulto. Em 1999, foi cumprida mais uma etapa do planejamento inicial: criada a Sociedade Educativa, Cultural e Poliesportiva Bento Gonçalves, o Bento Vôlei.
Os resultados conquistados levaram a equipe adulta masculina a participar de um dos campeonatos mais importantes do mundo: a Superliga Nacional, sendo um dos clubes que integrava a seleta lista de times. Em virtude da falta de aporte financeiro e a crise instaurada, o último jogo profissional foi na competição de 2016/2017.
Em 2021, o clube conta com quatro equipes de base, feminino e masculino: sub-11, antigo mini vôlei, sub-13 (mirim), sub-15 (infantil), sub-18 (infanto-juvenil). A reportagem do Jornal Semanário conversou com ex-atletas de destaque na época de ouro do clube: o treinador Mauricí Jacobs, o ponteira Dante Trevisan e o técnico e líbero Fernando Rabelo.
Recurso estadual aprovado
Na quinta-feira, 26, o governo do estado aprovou o projeto do Bento Vôlei, por meio do Pró-Esporte RS. Será viabilizado um montante de R$ 369.276,84. Com isso, será possível retomar os projetos sociais no município.
De acordo com Jacobs, serão seis núcleos em diferentes pontos da cidade para iniciação e inclusão social a cerca de 350 crianças.
Mauricí Jacobs: amor ao esporte
O treinador Mauricí Jacobs, 59 anos, é uma figura bem conhecida no meio desportivo há quatro décadas. Sua paixão vem desde novo. Na juventude, não podia ser diferente, cursou Educação Física e iniciou como treinador na escola Mestre Santa Bárbara.
No ginásio do Sesi havia um grupo de adolescentes que praticavam voleibol. “Na época, estava na universidade, começaram a me convidar para participar de competições. Vindo de Portugal, o professor Francisco Ferreira me convidou para ser auxiliar técnico. Ganhei uma equipe e continuei com essa história de treinador. Nunca pensei nessa função, mas as coisas foram acontecendo. Fiz cursos da Federação Gaúcha e da Confederação Brasileira e, hoje, sou nível 4, técnico internacional”, conta.
Em 1999, ano de criação do Bento Vôlei, ele passou a trabalhar com a equipe feminina para competições estaduais. “Nessa época, eu tinha times formados por meio da prefeitura. Filiei a Associação de Funcionários na Federação para poder participar. Então, migramos para competir”, lembra.
O esporte abriu muitas oportunidades para o treinador, que pôde conhecer diversas partes do mundo e atuar fora do país durante muito tempo, como em Portugal, Uruguai e Colômbia. “O vôlei é parte da minha vida”, afirma, emocionado.
Na carreira profissional de Jacobs, o difícil é numerar a quantidade de jogos e competições que participou e os momentos mais marcantes. Um em específico, no entanto, não sai da memória. “Em 2009, quando fui campeão da Taça de Portugal, em um clube que nunca havia vencido um título nacional. Era o Clube Desportivo Ribeirense. Repercutiu no país inteiro, teve transmissão na televisão e na recepção, de volta para casa, teve banda marcial e desfile no caminhão dos Bombeiros. Isso nos classificou para disputar o campeonato europeu. Foi um ano de muitas conquistas”, recorda.
Seu último jogo como treinador da equipe profissional foi na Superliga 2016/2017. Atualmente, volta às quadras como coordenador técnico dos projetos do Bento Vôlei e integra o Conselho Municipal de Esportes.
Jacobs é casado com a artista plástica Carem Poletto, com quem tem um filho de 20 anos, Enrico, formado em Ciências Aeronáuticas. Além do esporte, gosta de cultivar hortaliças e frutas orgânicas no tempo livre. “A natureza para mim é uma terapia. Quando não estou envolvido com o vôlei, estou desopilando na colônia”, comenta.
O uniforme
Na época, o time não tinha patrocinador, pois não havia retorno de mídia. Sendo assim, cada atleta adquiria seu próprio uniforme. “Não existia as camisetas baby look, então eram as maiores, estilo masculina. As cores mantiveram, desde o início, azul e branco, acredito que também fazendo referência ao Esportivo (clube de futebol)”, recorda Jacobs.
Dante Elias Trevisan: uma carreira internacional de sucesso
Nascido em Garibaldi, ele se mudou para Bento Gonçalves ainda criança e foi no projeto Recriar, no Clube São Bento, aos nove anos, que descobriu o que queria ser quando crescesse: jogador de voleibol. O pai sempre o incentivou a fazer algum esporte e a escolinha que funcionava no clube se tornou um gatilho para isso – ficava próximo de sua casa.
Após concluir o Ensino Médio, se dedicou totalmente à atividade física. Revelado pelo Bento Vôlei – e um dos principais nomes da equipe durante a época de ouro –, o ponteiro teve passagens importantes por equipes da Itália, Turquia, Emirados Árabes e Porto Rico, além de clubes nacionais.
Apesar de sempre ter em mente que jogaria até os 40 anos, a carreira encerrou cinco anos antes, após sofrer uma lesão no ombro direito durante uma partida. Ele se recuperou na temporada seguinte, mas a falta de ritmo e a idade forçaram um afastamento definitivo.
Trevisan elenca três momentos marcantes em sua carreira profissional. “Passei cinco anos na categoria de base na Seleção Brasileira e, no último ano, terminamos o ciclo como campeões mundiais juvenil. Os outros foram nas duas finais da Superliga, como campeão e vice com Minas (Tênis Clube)”, destaca.
Projetos concomitantes
O ex-atleta é casado com a dentista Daniele Aver Bortolini, com quem tem uma filha de cinco anos, a pequena Maria Luiza. De aprendiz a mestre, Trevisan retorna às quadras do Ginásio Municipal de Esportes com a inicialização do voleibol às crianças de nove a 13 anos.
Aos 40 anos, ele gasta sua energia também em um projeto pessoal, em parceria com os colegas de carreira, Alexandre Bergamo e Rodrigo Rivoli. No centro de lazer, é possível praticar esportes de areia, como tênis, vôlei e futebol, além de treinos funcionais.
Estado não tem campeonato adulto
Sobre o cenário atual do voleibol, o esportista é enfático ao afirmar que está mal há tempo. “O Rio Grande do Sul não tem campeonato adulto e nem juvenil, não tem mais time na Superliga. Talvez um dos motivos pelos quais nas Olimpíadas deste ano ficou bem abaixo do esperado. No geral, vejo alguns esportes mais bem estruturados no país, como o basquete e futsal. Uma vez que o vôlei sempre esteve no pódio na Seleção, em teoria deveria estar muito bem, mas acho que não é o que acontece”, opina.
Fernando Rabelo: paixão de gerações
Natural de Taquara, o técnico Fernando Rabelo, 55 anos, trabalhava em Maringá, no Paraná, quando recebeu a ligação de Francisco Ferreira, o “Chico”, treinador do Bento Vôlei, em 1999, dizendo que precisavam de um líbero.
O fascínio pelo desporto veio de família. O mais novo de sete irmãos ficava admirado ao ver os mais velhos voltarem dos jogos contando as vitórias, dramas e derrotas. “Os três homens sempre estavam envolvidos no meio esportivo, eram muito competitivos. Com o tempo, passei a jogar com eles, mas optei pelo vôlei”, menciona.
Não é à toa que o momento mais marcante foi aos 17 anos: o campeonato Vôlei Mania com a família. “Era na areia, promovido pelo grupo RBS. Tinha várias etapas, começou em janeiro e terminou em fevereiro, cada praia gaúcha fazia o seu campeonato, quem vencia jogava a final em Tramandaí. Perdemos de 18 a 16, no tie-break, ficamos em segundo lugar. Foi muito marcante”, recorda.
Nos anos de 2004 e 2005, vestiu a camiseta do Bento Vôlei. Um ano depois, teve uma dupla função como líbero e preparador físico na Universidade de Caxias do Sul, no campus-sede. Foi neste momento, que Rabelo percebeu que não havia mais motivação para jogar, aos 40 anos. “No final da temporada, o técnico da época, José Paulo Peron, me pediu qual função eu gostaria de permanecer, fiquei como preparador. Depois disso, atuei por mais quatro anos nessa posição”, esclarece.
Ao voltar a Bento, ficou fora do desporto por cinco anos trabalhando com treinamentos comportamentais. No ano seguinte, foi chamado para a retomada do Bento Vôlei, como técnico na Liga B.
Hoje, Rabelo está como presidente do Conselho Municipal de Esportes e inspira adolescentes do sub-15 e sub-18 femininos. “Se a gente conseguisse propiciar a atividade física para tudo e todos, tenho certeza de que o envolvimento com drogas seria menor. Muito dele vem da necessidade e da dependência de uma oportunidade para pessoas com um baixo poder aquisitivo. Deveríamos massificar isso, porque o esporte educa, protege, dá valores. Hoje, isso não é explorado pela política pública”, pondera.
Rabelo fora das quadras
“Existe?”, responde. O técnico se descreve como uma pessoa sossegada. “Dentro da minha tranquilidade, curto comer bem, música e estar com a minha namorada. Sou um cara simples que gosta de coisas simples”, destaca.
Fotos: Franciele Zanon