Nos primeiros seis meses de 2024, Bento Gonçalves registrou 114 armas de fogo no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), segundo informações da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do RS. O total representa uma redução quando comparado ao período anterior. De 2022, até junho de 2024, foram registradas 1.379 armas, com uma tendência de queda ao longo dos últimos três anos. A mudança nas regras de registro, implementada pelo Decreto nº 11.615 de julho de 2023, é apontada como um dos fatores principais desta redução.

A Diretoria de Fiscalização destacou que pistolas, revólveres e espingardas continuam sendo as armas mais comuns registradas por civis. Embora o Rio Grande do Sul ainda lidere o ranking nacional de registros de armas, a base histórica de registros já existente no estado ajuda a explicar a posição de destaque, mesmo com a queda observada.

O impacto das novas regulamentações

Com a introdução de novas medidas restritivas, o processo de aquisição de armas se tornou mais rigoroso. Atualmente, para que um civil possa adquirir uma arma de fogo, é necessário, primeiramente, obter um Certificado de Registro (CR) junto ao Exército Brasileiro, o que exige comprovação de idoneidade e ausência de antecedentes criminais. Isso inclui a apresentação de certidões das Justiças Federal, Estadual e Militar. A aquisição e posse são regulamentadas por portarias específicas, como a Portaria nº 166 – COLOG/C Ex, de dezembro de 2023, que detalha os passos para os colecionadores, atiradores e caçadores excepcionais.

Mudanças nas regras de registro são um dos principais fatores da queda no número de armas no estado

Para o processo são necessários os seguintes documentos: de identificação pessoal; comprobatório de idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais das Justiças Federal, Estadual ou Distrital, Militar e Eleitoral, referentes aos locais de domicílio dos últimos cinco anos do interessado; comprobatório de ocupação lícita; comprobatório de residência referente aos locais de domicílio dos últimos cinco anos do interessado; comprobatório de capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo, na forma do §5º do art. 15 do Decreto nº 11.615/2023; comprobatório de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo credenciado pela Polícia Federal; declaração de não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal; declaração de que a sua residência possui cofre ou lugar seguro, com tranca, para armazenamento das armas de fogo desmuniciadas de que seja proprietário, e de que adotará as medidas necessárias para impedir que menor de dezoito anos de idade ou pessoa civilmente incapaz se apodere de arma de fogo sob sua posse ou de sua propriedade; comprobatório de pagamento da taxa de aquisição de Produtos Controlados pelo Exército (PCE) e comprobatório das participações em treinamentos e competições para o atirador desportivo.

Registros de armas no estado

O Rio Grande do Sul teve uma redução no registro de armas de fogo para defesa pessoal, tendo em 2021, 9.510 novas armas registradas no primeiro semestre, 6.852 registros em 2022 no mesmo período, 2.836 em 2023 e 2.393 nos primeiros seis meses deste ano.

Em comparativo com 2021, o estado teve uma redução de 75% no número de registros. No entanto, o RS ainda lidera o ranking. Das 9.948 novas armas de fogo registradas no primeiro semestre de 2024 no Brasil, 2.393 delas estão no Rio Grande do Sul. Atrás do RS, vêm Espírito Santo, com 1.285, e Goiás, com 1.109. Esse é o menor patamar estadual desde 2013, quando foram 2.091.

Já os registros do primeiro semestre em âmbito nacional, representam diminuição de 88% em relação ao mesmo período de 2021, quando 81.731 novas armas foram registradas no país. Os dados são do Sistema Nacional de Armas (Sinarm).

Fatores sociais e históricos

Aline Passuelo, doutora em Sociologia e professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), reforça a complexidade por trás do armamento civil. Segundo ela, o histórico do estado do Rio Grande do Sul como uma área de fronteira e suas raízes rurais são fatores históricos que sustentam a ideia de que possuir uma arma é sinônimo de segurança. “Durante grande parte da nossa história, o estado foi rural e afastado dos grandes centros de poder, o que fortaleceu a noção de que a autodefesa era necessária para a proteção das estâncias. Mas claro, esse sentimento é compartilhado em muitas outras regiões do Brasil e do mundo, havendo, por muitas vezes, uma desconfiança que as instituições não dão conta de garantir a segurança”, comenta.

Ela destaca, no entanto, que esta percepção pode ser equivocada, já que a posse de armas por civis não implica em segurança garantida. “A formação contínua que forças de segurança recebem, tanto em termos de treinamento quanto de experiência no uso de armas, não se aplica à população em geral, o que aumenta os riscos em situações de emergência. O uso indiscriminado de armas por pessoas sem essa formação pode aumentar as chances de fatalidades. Desta forma, é importante se controlar e monitorar as armas que circulam no país”, observa Aline.

Além disso, Aline reflete sobre o impacto do medo social e da desigualdade. “A violência é multifatorial, e em uma sociedade marcada por desigualdades crescentes, o medo e a sensação de insegurança muitas vezes levam indivíduos a acreditar que ter uma arma em casa é a única forma de proteção. Esse imaginário se fortalece diante da persistência de altos índices de criminalidade”, conclui.