Nos tempos de “Barracão City”, até os 12 anos, quando então vim morar na cidade, eu não emitia conceitos sobre beleza, não tinha essa de “diga espelho meu, haverá alguém mais lindo do que eu”? Fugia de qualquer espelho, eram meus inimigos mortais. Acontece que eu tinha, na parte frontal dos cabelos, um redemoinho que eu detestava e me complexava. Vez por outra, de forma oculta, chegava até o espelho de lado e, com cuspe, tentava dar um jeito no redemoinho. Ele meio que se ajeitava mas, quando secava, ficavam os cabelos grudados, era horrível. Eu detestava o Gel e a Glostora da época, entrei no ramo da perfumaria pela grife (?) AVON, já quando citadino. Cá pra nós, eu aproveitava melhor o cuspe do que o Sóbis, o encanto feminino que pertence à Miss Erechim, e que vive dando cusparadas em campo com a Tv tendo o prazer de filmar. Quando vim para a cidade, a minha dor de ouvido lancinante, fruto de uma infecção violenta, e meu redemoinho, de repente, não mais do que de repente, desapareceram. Meu pai Almir sempre quis o melhor para mim; melhor Colégio (Aparecida), e, de repente, colocou na cabeça, preocupado com meu futuro profissional, que eu devia fazer um curso de datilografia no Colégio Medianeira, considerada “a melhor escola de datilografia do estado”, equivalente hoje ao melhor curso de computação. Como o curso era concorrido, só tinha um horário, das 13:00 às 14:00 horas.
Lá ia eu, com meus chinelos de dedo (aqueles fedorentos que viviam saindo do pé), porque meus pés estavam ainda inchados com a lide da colônia (?), tudo numa boa, como já falei pra vocês eu era assumido, “duro como uma rocha”. Ao meu lado esquerdo, um catatau de cem folhas, que era o manual datilográfico. Na minha frente, uma Super Reminghton preta, assustadora. A instrutora, uma irmã, baixinha, magra, invocada, que tinha sempre na mão uma régua e ela tinha o prazer de flagrar os alunos olhando para o teclado, o que era proibido, só podia olhar o manual. Ela me flagrava, me dava umas reguadas, era bullying e castigo para o bem. Mas, o inimigo mesmo estava ao lado, na escada. Às 13:30 era hora das alunas subirem para a aula, a escada era em forma de L, todos os dias um grupo de 15 alunas parava na escada e lá vinha o jogral: “COITADINHO, TÃO BONITINHO E DE CHINELO DE DEDO”. Naquele momento a máquina de escrever era minha melhor amiga. Eu olhava pra ela, não olhava pro lado e balbuciava “O SENHOR É MEU PASTOR, NADA ME AFETARÁ”, e tirava de letra a tentativa de “humilhação”. Peguei o lado bom da coisa, comecei a ter consciência da minha beleza.
Ao ver o belo -na opinião da galera feminina colorada- Sóbis cuspir em campo, lembrei de tudo que estou escrevendo hoje, fui ao mural fotográfico que mantenho aqui na empresa com registros da minha vida vivida e cheguei à conclusão que “eu era bonito mesmo”, a beleza do Sóbis é “fichinha” diante de minha beleza da época, há claro, contravérsias. Eu era mais bonito que o Sóbis, tinha um aproveitamento melhor do meu cuspe, ralei mais do que ele para vencer (vencer? Não terminei o processo ainda) na vida, eu me amo, se a pessoa não se gosta, como vai gostar dos outros? Minha mãe era linda quando casou aos 16 anos, minhas filhas são lindas, minhas netas princesas, no entanto, “beleza não põe a mesa” dizia meu avô Henrique. Por outro lado “quem ama o feio, belo lhe parece”. Tive muitas amigas que não eram padrão de beleza, no entanto irradiavam uma beleza interior fantástica, e uma simpatia indescritível. Uma delas foi minha “professora” de dança nos bailes do Clube Aliança. Ela balbuciava “um pra cá, dois pra lá, dois pra frente, um pra trás”, e assim me tornei bailarino, há contravérsias.
Eu tinha sonhos de “belo Antonio”, queria ser piloto da FAB, queria ser artista de cinema, queria ser locutor de rádio, queria ser jogador de futebol. Nada disso deu certo, fiz o teste de locutor na Rádio Difusora com o Aloar Griggio, minha voz era fanha (tinha um desvio no septo), reprovado. Jogador de futebol, no máximo o que eu consegui foi ser ponta direita do time aspirante do Juvenil que me rendia dividendos com a galera feminina da arquibancada. Eu não cuspia que nem o Sóbis mas vivia caindo em campo, chamando a maca (na verdade era padiola) “elas ficavam todas sensibilizadas”, será porque eu era bonito ou “perna de pau”? O sonho de ser artista de cinema virou ilusão, imaginem, quando eu assistia filme de índio torcia para os índios, quem iria me contratar? Piloto da Força Aérea Brasileira? Meu sonho acabou quando fui fazer exame médico em Canoas e fui reprovado em função daquela infecção nos ouvidos que prejudicou minha audição. E minha “carreira” de piloto civil acabou no meio de uma roça de milho num bairro de Nova Prata. Assim, tudo o que eu fiz, inconscientemente, diga-se, usando minha beleza e com a minha beleza, não deu certo, nem sequer ela acentuou minha vaidade e meu orgulho, não houve tempo para festejá-la sequer. Quando vou para o agora GALETO DI PAOLO e vejo aqueles guris com seus redemoinhos e seus chuca chucas artificiais, quando eu vou para shoppings e vejo as crianças com seus penteados diferenciados, vou pedindo logo o endereço do cabeleireiro, minha ideia é recriar o meu redemoinho nos meus cabelos brancos, que não crescem tanto muito menos a ponto de eu poder fazer, por exemplo, um “rabo de cavalo”.
Chego à conclusão que eu não deveria ter detestado tanto o meu redemoinho, eu estava adiante do tempo e não sabia. Diabos, como diria meu avô. Ah, preciso dizer que, concluído o curso de datilografia na melhor escola do estado, eu precisava comprar a melhor máquina de escrever que estava no mercado. Assim, fui à COMABE e comprei uma Triumph Gabriele 10, alemã, importada, na qual estou escrevendo esta coluna, para depois ser revisada, digitada e publicada. Comi “o pão que o diabo amassou” para pagá-la. Quanto à beleza, não me ajudou, minha vida tem sido até hoje como a de um toureiro espanhol, feita de “sangue, suor e lágrimas”, tradução, de muito trabalho e sacrifício, sem trabalho e sacrifício ninguém chega a lugar nenhum. Olhem para o lado e digam, quantos jovens hoje que se dispõem ao sacrifício? Diabos, eu ia escrever nesta coluna que a beleza do Henrique não pôs a mesa e que a beleza de Bento não põe a mesa tanto assim e… acabou o espaço, fica para a próxima.