Pesquisadores alertam: comportamento é reflexo da poluição dos oceanos

Em meio ao emaranhado de galhos, raízes e lama dos manguezais do Norte do Brasil, um tom de azul vibrante salta aos olhos. Não se trata de uma flor rara ou de uma plumagem exótica, mas de fios de nylon, cordas de pesca e pedaços de plástico entrelaçados nos ninhos de aves como o japiim (Cacicus cela) e o bem-te-vi (Pitangus sulphuratus). Esses materiais, antes estranhos à natureza, agora fazem parte da arquitetura cotidiana da fauna costeira amazônica, e funcionam como um sinal de alerta sobre o estado crítico do meio ambiente.

Um estudo inédito do Observatório do Lixo Antropogênico Marinho (Olamar), com publicação prevista na Marine Pollution Bulletin, identificou a presença de resíduos plásticos em 14 ninhos distribuídos entre Amapá, Pará e Maranhão. Os materiais predominantes são cordas e linhas de pesca, normalmente descartadas após o uso.

Dados recentes da Universidade Federal do Pará (UFPA) revelam que 67% dos ninhos de japu-preto analisados entre 2022 e 2023 no litoral paraense contêm plásticos. Em áreas de manguezal, o índice chega a 100%. O fenômeno se repete em outras regiões brasileiras: no Rio de Janeiro, por exemplo, 61% dos ninhos de atobás-marrons estudados apresentavam resíduos, especialmente materiais de pesca.

O fenômeno não é exclusividade da região norte, no Rio Grande do Sul, embora não existam levantamentos quantitativos recentes, há registros crescentes de aves como a cambacica utilizando cordões, papéis e plásticos urbanos na construção de seus abrigos, o que indica que a contaminação por resíduos também alcança ecossistemas locais, inclusive áreas urbanizadas da Serra Gaúcha.

A substituição de cipós e galhos por resíduos plásticos não é apenas uma curiosidade científica, é um retrato contundente da crise ambiental que se alastra por todos os biomas. Para pesquisadores e ambientalistas, esse comportamento representa uma tentativa de adaptação forçada, que traz sérias ameaças à biodiversidade e reforça a urgência de medidas contra a poluição marinha e terrestre.

Um comportamento adaptativo, mas prejudicial

De acordo com o biólogo Maurício Bettio, docente da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e especialista em ecologia, a utilização de plástico pelos pássaros não indica necessariamente uma adaptação positiva. “Naturalmente, as aves não utilizariam elementos artificiais para construir os ninhos. Então, pode-se dizer que a presença de plástico é uma evidência de que elas estão sendo prejudicadas, apesar de aparentarem algum nível de adaptação ao ambiente artificial”, explica.

Segundo ele, a semelhança em cor, textura e flexibilidade entre galhos e fios sintéticos faz com que as aves confundam os materiais. A escassez de fibras naturais, agravada pelo desmatamento e urbanização das áreas costeiras, também contribui para o comportamento. “Alguns tipos de plástico ainda podem emitir odores que se assemelham aos de elementos naturais ou até de alimentos, o que atrai ainda mais os animais”, complementa o biólogo.

Ameaça invisível aos filhotes

Os riscos são diversos e graves. Bettio detalha que filhotes podem ingerir pedaços de plástico por engano, o que leva a desnutrição, lesões internas e morte. Há também casos de emaranhamento: “Tanto os filhotes quanto os adultos podem se enrolar nos fios plásticos e comprometer sua mobilidade, gerando ferimentos ou impedindo o voo”, alerta.

Além disso, o uso de plástico compromete a estabilidade dos ninhos, que ficam mais frágeis e vulneráveis a chuvas ou ventos fortes, colocando em risco a sobrevivência das ninhadas.

Contaminação que vai além das aves

A presença de plásticos em ambientes naturais representa risco para toda a cadeia alimentar. “As aves contaminadas podem ser presas mais fáceis e carregar toxinas que se transferem a predadores. As substâncias liberadas pelos plásticos podem ainda afetar répteis, mamíferos e insetos”, destaca Bettio.

O pesquisador lembra que, em um manguezal do Maranhão, encontrou um caranguejo preso em uma armadilha de plástico descartado. “O plástico realmente mata. Precisamos de políticas públicas urgentes para lidar com essa poluição e mitigar seus impactos”, defende.

Bioindicadores da degradação ambiental

O comportamento observado nas aves é, segundo os especialistas, um alerta ambiental evidente. “A simples presença de plástico nos ninhos já configura um indicativo da poluição na área. Isso reflete a escassez de materiais naturais e a degradação do habitat”, afirma Bettio.

Experiência semelhante foi registrada na Alemanha, onde o pesquisador participou de um monitoramento de aves urbanas. “Nos locais com menos vegetação, as aves usavam mais plástico nos ninhos. Foi uma prova direta de como nossos hábitos de consumo afetam o meio ambiente”, relata.

Problema global, soluções locais

Embora o foco do estudo esteja na Amazônia, o pesquisador alerta que esse cenário se repete em outros biomas. “Na Serra Gaúcha, por exemplo, as enchentes severas resultam em degradação das áreas de preservação permanente. Tanto aqui quanto lá, vemos os efeitos das mudanças climáticas e das ações humanas pressionando os ecossistemas”, pontua.

Para enfrentar a crise, Bettio defende ações urgentes em várias frentes: redução do uso de descartáveis, incentivo à reciclagem, pesquisa em materiais alternativos ao plástico e educação ambiental. “Campanhas de conscientização têm poder de transformar comportamentos. É essencial envolver a sociedade nesse processo.”

Escolhas cotidianas que constroem o futuro

Na avaliação do biólogo, cada cidadão pode fazer sua parte. “Está em nossas mãos reduzir o uso de plásticos descartáveis, separar os resíduos corretamente, reutilizar embalagens e repensar hábitos de consumo. O futuro é decidido nas pequenas escolhas do dia a dia”, afirma.

Ele finaliza com um convite à reflexão: “Hoje falamos dos impactos nos ninhos das aves, mas amanhã os afetados podem ser nós. Ainda temos tempo de escolher um caminho diferente, um caminho que garanta bem-estar para a humanidade e para todas as espécies que dividem conosco o planeta”, conclui.