Dificuldades em dar continuidade nos estudos remotos só aumentam desde o início da pandemia. Pais consideram quantidade de conteúdo excessiva
Desde março, o mundo tem enfrentado diversas anormalidades diante da pandemia global. O cancelamento das aulas presenciais nas escolas foi determinado para assegurar a saúde das famílias, mas mudou drasticamente a rotina dos pais e das crianças.
A dificuldade em proporcionar educação de qualidade para os filhos tem sido uma reclamação recorrente dos responsáveis, por não terem a mesma aptidão dos professores para ensinar. Além disso, nenhuma instituição de ensino estava preparada para esse momento, dificultando a elaboração repentina de um método de ensino à distância.
A mãe de um dos alunos da rede estadual em Bento Gonçalves, que prefere não ser identificada, explica os desafios enfrentados diariamente com o método remoto de educação. “Todos fomos pegos de surpresa e ninguém estava preparado para isso. Nós, mães e pais, estamos enfrentando toda essa questão diariamente. A maior dificuldade é a quantidade de atividades, que tem sido exaustiva. Confesso que estamos com as matérias atrasadas e sempre preocupados pelo acúmulo de tarefas, porque mesmo sendo descrito como fazer cada lição, as dúvidas surgem. Por mais que a gente ajude, não temos o mesmo entendimento que um professor preparado para exercer esse trabalho. Nos sentimos confusos, assim como nossas crianças”, explica.
O drama de algumas famílias pode ser ainda maior, é o caso da empresária Val Santin. “Minha filha está no 3° ano, tem nove anos. No ano passado, ela repetiu uma série porque tem transtorno de processamento auditivo. Ela não é surda e nem tem problema de audição, mas sofre de uma deficiência no processamento da informação que ela recebe, o cérebro dela demora muito mais tempo para processar as coisas. Todos os dias na hora das aulas on-line ela não entende, chora, fica brava e não quer mais fazer. Eu trabalho dia e noite e nos últimos dias estou em casa no turno da manhã para auxiliá-la”, desabafa.
A realidade de Val é agravada pelo fato de ter outros filhos que também necessitam de suporte no momento dos estudos. “Por mais simples que seja o conteúdo e que tenhamos suporte das professoras, está sendo muito difícil. Eu sofro, ela sofre e nossa família sofre. Não é preguiça por parte da família ou dos alunos, estamos passando por uma pandemia, já está todo mundo saturado. Fica aqui o relato de uma mãe de quatro crianças que já está enlouquecendo com tudo isso e não quer que os filhos enlouqueçam também”, expressa.
A cabeleireira Sandra Lorenzatti afirma que a rotina dos filhos está sendo desgastante, tanto para as crianças, quanto para os pais. “Meu filho tem trabalho o dia inteiro, não tem mais vida social, só aparece para comer e o restante do dia e da noite está no computador. Minha filha (Isadora) não aprendeu a ler e a escrever ainda, mas precisa descrever como foram as atividades. Ou seja, soletramos tudo e ela faz sem nem ao menos entender o que está escrevendo. Andamos cansados, estressados e saturados”, conclui.
Escolas buscam se adaptar
A professora Luciane dos Santos, educadora há 17 anos, diz não ter passado por situação tão adversa em sua carreira. “Atuo na educação infantil no município e no ensino fundamental pelo estado e nunca passei por uma situação tão atípica como essa, nem minhas colegas. Apesar da educação ser sofrida em vários aspectos, esse ano está realmente complicado, estamos tendo que nos reinventar, buscar novos meios, novas formas de passarmos o melhor para nossos alunos. Apesar da situação, temos a certeza que estamos fazendo o nosso máximo e continuaremos até quando for necessário”, conta.
Segundo pesquisa realizada pelo Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS), 96,2% das escolas particulares no Rio Grande do Sul estão apresentando conteúdos novos aos alunos. Em contrapartida, 812 mil alunos de escolas estaduais estado estão apenas revisando as matérias que já haviam sido passadas anteriormente. Essa disparidade também influencia na qualidade de ensino que as crianças recebem em casa.
Por meio dos resultados e indagações dos pais, os professores buscam compreender quais fatores estão sendo limitantes para o ensino das crianças à distância. Luciane acredita que “a maior dificuldade para os pais seja o tempo para ajudar os filhos na realização das tarefas, pois a maioria tem o trabalho durante o dia e a noite estão cansados, então o tempo acaba sendo um obstáculo”.
A professora também afirma que, para um melhor desenvolvimento da criança no ambiente de estudo em casa, os pais podem optar por realizar as atividades lúdicas, conversando sobre o cotidiano. “Pode-se aproveitar a situação para tirar um tempo a mais com os filhos e fazer do momento da realização das tarefas algo prazeroso, onde podem ficar juntos, conversar sobre a lição, mas também falar sobre coisas do dia a dia. Acho que a principal dica para os pais é: desacelerem, pois o mundo pede calma”, finaliza.
Fotos: Arquivo pessoal