Arte com reciclagem é destaque em Bento Gonçalves, por meio de pessoas que visam o melhor para a natureza
Criar objetos artísticos com materiais que, em uma situação cotidiana, iriam para o lixo, é o foco de algumas pessoas que visam o bem-estar do meio ambiente. Em Bento Gonçalves, professora traz a questão da sustentabilidade à sala de aula e artesã cria artes únicas com o que encontra.
O “lixo” vira arte
Tatiana Sellmer Nilson, tem 37 anos, é autônoma e trabalha com artesanato há mais de uma década. Porém, com o viés da sustentabilidade, há quatro anos. “Tudo começou depois de uma visita ao aquário AcquaRio, no Rio de Janeiro, em uma viagem de férias. Durante o percurso, me deparei com um ‘ouriço’ feito com mais de 15 mil canudos plásticos descartados nos mares e oceanos”, recorda.
O acontecimento a fez repensar alguns fundamentos, trazendo a sustentabilidade para sua vida. “Esse ponto, e tantos outros apresentados, despertou em mim essa missão. Me fez olhar para essa urgência. De lá para cá, não consigo fechar os olhos, e então, passei a rever meus hábitos e consequentemente, meu trabalho e minhas artes”, conta.
Tatiana implementa a reciclagem em seus trabalhos através de itens encontrados em caçambas e lixeiras de ruas, lixos gerados dentro de casa e nas empresas. “Essa é a origem do meio onde deposito esperança. Por onde passo, avisto algo, vejo potencial, pego. Está ali uma futura peça que, muitas vezes, não se percebe que é um reaproveitamento”, diz.
Há três anos, aproximadamente, começou a mostrar sua paixão nas redes sociais. “Confesso que demorei, porque tinha uma certa vergonha de que talvez não apoiariam, ou até rejeitariam. E para minha surpresa, foi justamente o contrário. Tive apoio, admiração e fornecedores”, valoriza. Além disso, alguns seguidores se tornaram apoiadores da causa. “Ao ver algum ‘lixo’, automaticamente lembram de mim, me mandam mensagens perguntando se seria útil para eu fazer alguma coisa. E eu sem pensar duas vezes, aceito. Mesmo que de imediato não tenha uma ideia a princípio do que fazer. Apesar de já quase não ter onde colocar mais tanta coisa”, ressalta.
Apesar deste detalhe, a artista vai juntando um estoque de rica e cara matéria prima. “Para a criação do artesanato, minha prioridade é utilizar materiais que agridem menos o Meio Ambiente, além dos de descarte. Mas também tenho parceiros responsáveis por empresas, que direcionam alguns resíduos de seus processos para mim”, fala.
De acordo com Tatiana, seu processo criativo depende da demanda. “Em casos de encomenda, emprego essa minha filosofia de um material menos agressivo, mais rápido de degradação e/ou reciclagem efetiva. Mas quando parte de mim uma ideia, sem uma demanda específica, parto de itens coletado do lixo, esses descartes são meu ponto de partida. O que posso fazer com esse CD? Com essas latinhas? Rolhas?”, admite.
Sua intenção, além do cuidado com os descartes que as criações podem gerar, é gerar menos impacto à natureza. “Cuido para que esse ‘jogar fora’ seja o menos agressivo, ou ao reaproveitar, aumentar a vida útil, fazendo com que a utilidade daquele material se prolongue um pouquinho mais, antes de ir para as recicladoras, ou infelizmente, para dentro das nossas casas novamente, o planeta”, afirma.
Segundo a autônoma, a arte com reciclagem tem o poder de tocar as pessoas, portanto precisa ser valorizada. “Mostrar o belo e o valor daquela arte, que além de sua utilidade, cumpre a função da tentativa de proteger contra a degradação do nosso planeta. Essa iniciativa pode aumentar nosso tempo hábil para reverter o que nossos anos de agressão causaram, e o que ainda está por vir”, pensa.
Com isso, a principal intenção de Tatiana é incentivar outras pessoas a pensar mais na sustentabilidade. “Assim como aconteceu comigo, é necessário abrir os olhos de mais pessoas sobre a urgência desse assunto. Não tenho instrução para, mas quero conseguir orientar para tornar maior esse movimento, e assim, que consigamos efetivamente sentir os efeitos, mas dessa vez, positivos”, conclui.
Incentivando os alunos
A professora de artes Milene Albani Petró, 37 anos, realiza um trabalho voltado à sustentabilidade com seus alunos. A formação em relação ao assunto pelo Instituto Venturi, em 2021, a fez repensar sobre seu fazer pedagógico. “No meu dia a dia sempre repensei o uso de materiais reciclados, pensando formas criativas para seu reuso, principalmente voltados para fins educativos e artísticos. É importante inserir mais o pensar no planeta e o que queremos deixar para o futuro”, destaca.
Milene trabalha com reciclagem nas aulas de Arte na escola, dialogando e mostrando aos educandos que não é somente reciclar, é repensar suas atitudes e envolver a comunidade. “Em 2021 o trabalho de Concurso de Design realizado na EMEF Santa Helena mobilizou todas as turmas, e com destaque as do 9º ano que tiveram o desafio de criar o desenho e o protótipo de um calçado com materiais de reuso”, recorda.
A educadora explica que, primeiramente os alunos pesquisaram no site do WWF Brasil a sua “Pegada Ecológica”, o site oferece um método promovido pela Global Footprint Network para medir a demanda humana e a quantidade de natureza necessária para sustentar as pessoas, da forma que cada um consome. “Muitos ficaram espantados, pois se manterem o modo de vida e consumo, precisaríamos de muito mais do que um planeta para “usar”, e que isso não vai acontecer, precisamos repensar nossas atitudes”, revela.
Após os testes no site, cada estudante foi desenvolver desenho e protótipo do seu calçado, que deveria ser possível calçar, e utilizar materiais que iriam para descarte. “Após a execução dos protótipos fizemos uma live com julgadores das áreas de Arte, Design e Educação. A proposta foi se desvendando durante o processo, ampliamos e seguimos com registros fotográficos dos calçados nos espaços da escola, e percebemos muitos registros com um olhar sensível e também provocativo”, nota.
Seguindo o conteúdo desenvolvido com as turmas, sobre a Arte Contemporânea, na continuidade as turmas desenvolveram uma performance de protesto, com cartazes e utilizando nos pés os sapatos desenvolvidos. “Também aconteceu um desfile, onde passaram caminhando com seus calçados pelo tapete vermelho. Cada turma pensou em uma ação artística para provocar e fazer refletir os outros alunos e equipe da escola. A finalização ocorreu com um registro de vídeo de cada grupo. Esse trabalho realmente foi gratificante desenvolver”, vislumbra.
Após o concurso escolar, uma das julgadoras, Cristine Tedesco, chamou a professora dizendo que gostou muito de presenciar o envolvimento dos estudantes e o resultado dos trabalhos. “Essa parceria deu frutos e este ano, no projeto ‘Arte, Intersecções, Sustentabilidade’, que Cristine é a proponente, participarei com uma das oficinas, a de Arte Sustentável”, sublinha. O projeto é financiado pela Lei de Incentivo à Cultura (LIC-RS) e a divulgação oficial acontecerá durante o mês de agosto. Serão oferecidas oficinas de História da Arte, Teatro e Técnicas Artísticas, para adolescentes de escolas públicas e para a Associação de Surdos de Bento Gonçalves.
Fotos: Arquivo Pessoal