Entidade reitera que é impossível para a Aprovale aprovar qualquer projeto deste porte, sem que o Executivo apresente um planejamento mínimo para que haja adequação ao território da D.O e à população que reside no local
Desde que o juiz Paulo Meneghetti, da 2ª Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves, determinou a suspensão da substituição de membros representantes do Conselho Distrital do Vale dos Vinhedos realizada pela prefeitura, o assunto da construção de grandes empreendimentos no local voltou à tona. Na tarde desta sexta-feira, 8 de julho, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), por meio da Diretoria de Enoturismo e Infraestrutra, representada pela diretora Deborah VIllas-Bôas Dadalt, se posicionou sobre o assunto.
Conforme a diretora, a Aprovale tem por obrigação analisar toda proposta que deseje implantação dentro da Denominação de Origem Vale dos Vinhedos. Além disso, Deborah diz que a atividade vitivinícola é a principal deste território, certificado internacionalmente. “O turismo é uma decorrência desta vocação, e não a atividade prioritária. Portanto, sempre são vetados projetos que favoreçam a urbanização desordenada e definitiva de áreas que deveriam ser dedicadas a vinhedos produtivos. Essa preservação da paisagem vinícola local está em lei, pelo artigo 216 inciso V de Constituição Federal. É por isto que nosso Plano Diretor não contempla atividades de turismo de massa, como parques aquáticos, shopping centers, estacionamentos ou habitações que possam ser escrituradas como residências”, explica Deborah.
A diretora de Enoturismo e Infraestrutura destaca, também, que a grande questão neste momento não é apenas legal, mas estrutural, pois a equipe acredita que o Vale não é capaz de atender à infraestrutura mínima necessária, tão rapidamente, para a construção de ‘megaresorts’ ou ‘Disneys’. “Nossa rodovia é precária e nunca será passível de duplicação, por exemplo. Para se ter noção, os 1.800 trabalhadores de obras previstos ao longo de oito anos teriam que se deslocar para o Vale em 75 ônibus diários, ida e volta, o que é inimaginável em uma rodovia sem acostamentos, passeios ou áreas de escape e que já não comporta o fluxo atual. Mas nenhum destes apectos viários foi avaliado pela Prefeitura e a única obra proposta, neste sentido, é uma rótula na entrada e uma ciclovia muito aquém do projeto original, em um pequeno trecho”, salienta.
Para Deborah, essa mesma massa trabalhadora, junto a suas famílias, necessitaria residir em algum local. A diretoria destaca que a infraestrutura do Vale também não consegue suprir o básico para receber o dobro da sua população em um curto espaço de tempo. “Energia, água, saneamento, saúde, transporte e ensino são obrigações do governo municipal, que deveria, pelo menos, informar como planeja abrigar uma população de milhares de operários da construção civil durante anos de obras. Quando questionamos o Instituto de Planejamento Urbano (Ipurb) sobre como seriam resolvidas estas questões, não obtivemos qualquer resposta. Consultamos as outras secretarias da Prefeitura e, igualmente, ninguém tem qualquer planejamento neste sentido. E não existem medidas mitigatórias por parte dos empreendedores que possam resolver este tipo de desarranjo social”, sustenta.
Outra questão social que a diretora acrescenta que está sendo ignorada, e que deve causar prejuízo para os moradores do Vale e da cidade, é a extrema falta de mão-de-obra existente. “Não se pode ignorar que o aumento abrupto do fluxo migratório para o Vale dos Vinhedos e arredores causará um impacto social, ambiental e de segurança irreversível, muito antes de qualquer benefício por aumento futuro de empregos em serviços. Quanto a esta gravíssima premência, novamente, não existe nenhum projeto proposto pelo Poder Público para amparar esta carência”, destaca.
De acordo com a Aprovale, obras deste porte necessitam de ampla e constante fiscalização. “Todas as semanas presenciamos derrubadas e demolições ilegais em todos os distritos e na própria cidade. A restrita capacidade de fiscalização do município é sempre a resposta dada às denúncias, portanto, uma vez iniciado o processo de urbanização, não haverá como coibir a ocupação irregular e desordenada dentro do território vitivinícola ou nas periferias do Vale dos Vinhedos”, frisa Deborah. Ela diz também que não foi apresentada nenhuma medida paliativa ou definitiva pela Prefeitura no sentido de oferecer estas garantias aos produtores e moradores da localidade.
Segundo a representante da entidade, por todos os motivos citados, é impossível para a Aprovale aprovar qualquer projeto de porte dentro do Vale, sem que o Poder Executivo Municipal apresente um planejamento mínimo para que haja adequação ao território da Denominação de Origem (D.O) e à população que reside no local. “Progresso e desenvolvimento exigem, muito além de promessas eleitorais, que sejam feitas, antes, a devida organização e planejamento. Provamos que megaresorts estariam perfeitamente aptos para diversas outras regiões periféricas e rurais de Bento Gonçalves, mas fomos ignorados. Sustentamos que a Prefeitura e o Ipurb precisariam fazer sua parte antes de pressionar os Conselhos a aprovarem, sem qualquer segurança técnica ou legal, obras que contrariam o Plano Diretor e a Constituição”, menciona.
“O posicionamento da Aprovale, em todos os Conselhos dos quais participa, é sempre consensado entre Diretoria e Conselho Superior, após ouvir seus associados. Nenhuma decisão é tomada de forma individual ou paritária e os critérios de decisão se baseiam em análises técnicas e estudos realizados por consultores, mestres acadêmicos e nos profissionais que apoiam a entidade. Os votos da entidade, inclusive, são entregues por escrito em cada reunião e assinados pelo presidente da entidade. Assim, as alegações de alguns vereadores de que as decisões refletiriam a defesa de interesses do conselheiro são mera difamação”, finaliza Deborah.
Decisão Judicial
O presidente da Associação dos Moradores e ex-subprefeito do Vale dos Vinhedos, Marciano Batistelo, fala que a decisão judicial está de acordo com as leis. “As provas documentadas e testemunhadas apuradas pelo MP, apontaram uma série de irregularidades por parte do Poder Público – inclusive passando por cima da lei e da decisão que já havia sido tomada pelo Conselho Distrital, em reunião realizada no dia 21 de março de 2022, que rejeitou os projetos de construção do Gramado Parks e do Bewine Resort, por oito votos a dois”, lembra.
Para o presidente da Associação, o Vale se enquadra no turismo rural, por ser um destino enoturístico, e defende que a instalação de resorts, shopping centers e parques de diversões descaracterizará o perfil do turismo local. Batistelo reitera que não medirão esforços para preservar a cultura e a paisagem. Segundo ele, uma luta iniciada há 27 anos, através de muito trabalho e pesquisa. “Entidades e instituições têm se manifestado a favor da preservação da identidade do Vale, que hoje é o principal roteiro enoturístico do Brasil e único na América Latina com denominação de origem controlada de seus vinhos”, comenta. “Acreditamos que o Poder Público da nossa cidade mude a forma com que os fatos vêm sendo conduzidos. Não mediremos esforços para preservar nossa cultura, da uva e do vinho e da preservação das nossas paisagens”, reforça.
Parecer Técnico da Aprovale, na íntegra:
- O primeiro projeto da Gramado Parks analisado postulava a instalação de 120 lojas em 14.000 m2. Estes números foram modificados imprecisamente para 40 lojas (pág. 28 do EI) ou 65 lojas (pág.50 e pág. 52 do EI), portanto, a área total dedicada a lojas, ao invés de ser reduzida, FOI AMPLIADA, passando no projeto atual para 16.016,87 m2 (segundo a planilha anexa de Aprovação de Estudo Impacto de Inovação Rural assinada pelo Arq.Roberto de Souza em 18 de abril de 2022).
- Igualmente, as 1.112 vagas de estacionamento em piso concretado do projeto anterior foram AMPLIADAS para 1.412 vagas (pág. 31 do EI) em concregrama, ocupando área que deveria contemplar vinhedos produtivos;
- Debalde reiteradas solicitações e ofícios ao IPURB, a Aprovale não recebeu as necessárias plantas do Projeto de Implantação, que permitissem traçar comparativo efetivo das áreas atuais ou futuras de vinhedos, para confrontamento com o disposto na Seção II do PLANO DIRETOR DO DISTRITO DO VALE DOS VINHEDOS, ARTIGOS 36, 37, 39, 78 E 79. Reza o artigo que, embora não se especifique a área mínima de vinhedos a ser preservada e/ou implantada por novos empreendimentos, o Art. 78, que trata de condomínios vitivinícolas, exige um mínimo de 60% de vinhedos. Por extensão, a mesma exigência mínima deve ser aplicada nos presentes caso de incorporação imobiliária.
- A Certidão de Zoneamento emitida pelo IPURB em 21 de Maio de 2021, assinada pela Diretora Adjunta do órgão, estabelece, por si só, a impossibilidade de aprovação de um projeto que não observe “o equilíbrio entre a preservação, a sustentabilidade e o desenvolvimento do modo de vida rural”. Em documento anterior, sem assinatura, mas datado de 20 de abril de 2021, o IPURB declara que o uso da área rural deve ser “compatível em escala com a manutenção do caráter da região e do padrão básico da atividade produtiva.” Tais premissas não estão contempladas no projeto analisado.
- A área total a ser construída, conforme certidão do IPURB de 28.04.2021, originalmente seria de 68.500 m2. O segundo projeto apresentado pela Gramado Parks mantém a área total a ser construída em 91.090 m2 e apenas 5 hectares dedicados a vinhedos.