Órgão de vigilância sanitária decidiu por manter o veto para comercialização, transporte e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou na quarta-feira, 24 de abril, uma resolução que proíbe a fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar, popularmente conhecidos como cigarro eletrônico ou vape. Todas as categorias e versões do produto, sejam descartáveis ou com refil, estão incluídas na proibição. Também fica vetado o ingresso no país do produto trazido por viajantes por qualquer forma de importação, incluindo bagagem de mão. O não cumprimento desta resolução constitui infração sanitária.
De acordo com a Anvisa, a norma não trata do uso individual, mas sim do uso dos dispositivos em ambiente coletivo fechado. A resolução é resultado de estudos que indicam que o uso de vapes é altamente prejudicial para a saúde, podendo causar sequelas irreversíveis. Porém, mesmo com a proibição, que está em vigor desde 2009 e foi mantida no país, é comum e bastante frequente ver pessoas utilizando cigarros eletrônicos, bem como a venda dos mesmos, tanto em tabacarias e lojas físicas, quanto online. Os preços partem dos R$ 80 e podem chegar a até R$ 600.

Apesar de clandestino, os números do comércio do vape são gigantes. Segundo a Receita Federal, a venda do produto movimenta cerca de R$ 7,5 bilhões por ano no Brasil.

Os vapes se tornaram populares, principalmente entre os mais jovens, por serem facilmente adquiridos, possuírem diversos sabores e não deixarem o cheiro desagradável de nicotina. Todavia, a natureza altamente viciante da nicotina nos cigarros eletrônicos pode levar a dependência rapidamente, afetando não apenas o corpo, mas também a saúde mental do usuário. Ansiedade, irritabilidade e dificuldade de concentração são sintomas comuns de abstinência, impactando diretamente na qualidade de vida.

“Acho melhor fumar vape do que cigarro”

Ana Júlia Pastorin, de 26 anos, é usuária regular de vape. “Sou ex-fumante e encontrei no vape a solução para largar o cigarro convencional. Acho algo prático, com sabores diferentes e não deixa cheiro ruim no ambiente ou nas roupas. Sei que existem riscos, mas acho melhor fumar vape do que cigarro”, comenta. A médica pneumologista Francielle Moro Fuligo explica que substituir o cigarro convencional pelo cigarro eletrônico não é a opção indicada. “Atualmente, na Medicina existem outras formas mais seguras de ajudar o paciente que deseja parar de fumar, por isso a importância de consultar um médico”, orienta.
Dados do Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel 2023) revelam que cerca de quatro milhões de pessoas já usaram cigarros eletrônicos no Brasil, mesmo com a venda não sendo autorizada. “Sabemos que existem compostos cancerígenos no cigarro eletrônico. O uso de vape por pelo menos um ano está associado ao aumento do risco de doenças cardiovasculares, doenças respiratórias e agravamento das já existentes no paciente”, ressalta Francielle.

Ela completa dizendo que existem diversos relatos de casos com diferentes características, desde sintomas respiratórios leves até mesmo casos mais graves, levando o paciente a apresentar insuficiência ventilatória e necessidade de ventilação mecânica. “Em relação às sequelas irreversíveis, o uso do dispositivo pode ocasionar enfisema pulmonar, causando dificuldade respiratória e até necessidade de oxigênio domiciliar. Devido a tantas consequências negativas que o cigarro eletrônico pode causar ao consumidor, em 2019, foi dado um nome para a doença causada por esse hábito: Evali”, complementa a pneumologista.

Marcados para sempre

Um caso que veio à tona e teve muita repercussão no ano passado foi o de Gabriel Nogueira Souza, de 23 anos. Ele conta que utilizou vape constantemente durante três meses seguidos, que já foram suficientes para deixarem danos irreversíveis em seus pulmões. O jovem começou a se sentir mal, com muita tosse e dores pelo corpo. Ao procurar atendimento médico, foi imediatamente internado, pois apresentava falta de ar e baixa saturação. Ao fazer exames, foi diagnosticado com broncopneumonia e enfisema pulmonar. Mesmo após o tratamento intensivo com antibióticos e fisioterapia respiratória, os óleos presentes no vape ficaram impregnados em seu pulmão.


Outro caso conhecido é o da cantora de forró Solange Almeida, que chegou a fumar 15 cigarros eletrônicos por mês. Ela passou a ter dificuldade para respirar e cantar, e teve que dar uma pausa em sua carreira por conta disso. Em seus exames, Solange descobriu que havia danos nas cordas vocais e nos pulmões. Atualmente, a cantora faz tratamento de fonoterapia para remediar as sequelas e as mudanças na sua voz.


Em Juazeiro, na Bahia, uma mulher chamada Crisleide Tavares, de 34 anos, faleceu em decorrência da Evali, a doença pulmonar causada pelo uso do cigarro eletrônico. De início, ela se queixava de cansaço, e chegou a receber diagnóstico e tratamento para hipotireoidismo. Em apenas alguns dias, Crisleide precisou ser internada na UTI. Nos fragmentos de seu pulmão, retirados para biópsia, foram encontradas células cheias de gordura e óleo, devido aos aromatizantes utilizados no dispositivo.

Quem é contra a proibição

A indústria do fumo (Abifumo) defende a regulamentação da venda do vape sob a justificativa de dar uma opção “de menor risco” para os adultos fumantes. Além de representantes da indústria do tabaco, houve manifestações de proprietários de casas noturnas, bares, restaurantes e de usuários dos cigarros eletrônicos. Eles argumentam que, mesmo com a proibição anterior, não houve êxito na erradicação do consumo do produto. Ao invés disso, impulsionou o comércio ilegal e informal, especialmente entre os jovens. Eles acreditam que uma regulamentação eficaz permitiria não apenas uma fiscalização mais vigorosa, excluindo os produtos mais perigosos do mercado, mas também facilitaria a transição de fumantes tradicionais para alternativas menos nocivas, mesmo que pesquisas científicas, médicos e relatos de quem sofre com sequelas digam o contrário.

Como será a fiscalização

Com a resolução também foram estabelecidas medidas de fortalecimento da fiscalização e apreensão dos cigarros eletrônicos, assim como políticas educativas para informar a população sobre os danos à saúde que o uso pode causar.

Além disso, a decisão prevê reforço nos canais de comunicação entre órgãos de vigilância sanitária e o Ministério Público, para recebimento de denúncias e efetivação das ações de combate ao produto. O texto também determina fiscalização em eventos esportivos e culturais, inclusive no horário noturno. O comércio eletrônico também é foco na resolução da Anvisa, com o aprimoramento de ferramentas de fiscalização de anúncios na internet. Há ainda a previsão de uma parceria com os Correios para coibir envios e recebimentos de cigarros eletrônicos.

O não cumprimento da resolução pode levar à aplicação de penalidades que incluem advertência, interdição, recolhimento e multa.